Entrevista

Ministério do Planeamento vai desponibilizar 300 milhões de dólares para o fomento do turismo

Pedro Narciso |

Jornalista

Das infra-estruturas ao financiamento bancário, passando pelos parques naturais, não faltaram temas na conversa com o director Nacional de Estruturação e Desenvolvimento Turístico. Incipiente até à independência de Angola e relegado para segundo plano durante a guerra, o Turismo é agora visto pelas autoridades como uma prioridade para desenvolver a economia do país. Dinis Magalhães Quicassa é a favor de investimentos no sector mas admite que o mesmo continua a ter níveis de financiamento bancário muito baixos e insignificantes

12/05/2024  Última atualização 09H27
Dinis Magalhães Quicassa admite que ainda há muito por ser feito no âmbito da melhoria do ambiente de negócios em Angola © Fotografia por: DR

Nos últimos dias temos assistido a um agitado debate relativo à sustentabilidade da actividade turística no país. Angola tem traçada uma estratégia para o Turismo?

Naturalmente que tem. Como sabem,  o Executivo aprovou, em Dezembro de 2023,  em sessão ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o Plano Nacional de Fomento ao Turismo, abreviadamente designado PLANATUR,  que apresenta um conjunto de acções a serem desenvolvidas até 2027.

Este Plano vem complementar a recente medida aprovada em Decreto pelo Titular do Poder Executivo, que isenta vistos de turismo para 98 países do mundo. E  passa, igualmente,  pelo investimento do Estado em infra-estruturas públicas, apoio ao sector privado, através de linhas de crédito, e pela melhoria do ambiente de negócios para a atracção de investimento privado.

 
O empresário Jorge Gabriel,  chefe de fila do sector do Turismo de Benguela, digamos assim, disse que "há 40 anos que a indústria hoteleira não beneficia de uma política de financiamento adequada”.  É verdade?

A informação que dispomos, por via dos Operadores e Associações do sector, é de que continuamos a ter níveis de financiamento bancário muito baixos e insignificantes, que resultam das condições e exigências impostas pela banca. São apontadas como as maiores dificuldades, as elevadas taxas de juro e os períodos de carência.

 
Defende uma linha de financiamento capaz de apoiar as empresas com tradição no sector ou receia que a banca angolana não esteja nem aí?

Temos estado a dialogar com o Banco Nacional de Angola, a fim de se estudar mecanismos de financiamento junto da banca privada.  É uma matéria bastante complexa que tem merecido a nossa atenção que, infelizmente, foge da alçada directa do Executivo.

O Executivo parece pouco empenhado em matéria de financiamento  par o sector, não acha?

Não concordo consigo.

 
Porquê?

É importante dar nota que no âmbito do PLANATUR, foi aprovada uma linha de financiamento para o sector privado, estimada em mais de 300 milhões de dólares.

 

E como vai ser a concretização desse financiamento?        

 Deverá agora ser materializado pelo Ministério do Planeamento por via dos instrumentos de financiamento existentes.

 

São suficientes os 14 mil milhões de kwanzas do OGE/ 2023 que o Executivo disponibilizou para a construção de várias infra-estruturas para a  atracção de investimento privado na região angolana do projecto Okavango/Zambeze (KAZA)?

O Ministério não lida com orçamentos de construção ou reabilitação de infra-estruturas de um modo geral, apesar destas, em particular, serem preocupação do sector para alavancar o investimento privado no turismo para aquela região. Portanto, não saberemos responder,  efectivamente, se este valor poderá dar resposta ou não, às necessidades actuais.

 

E qual é a sensação de um director nacional do Turismo ao visitar a Zâmbia, o Zimbabwe, a Namíbia e o Botswana - os outros quatro países envolvidos no projecto transfronteiriço Okavango Zambeze - e se deparar com um desenvolvimento surpreendente?

Não é correcto relacionar o desenvolvimento turístico destes países ao projecto KAZA, ainda que tenham como principal destino as respectivas componentes deste projecto transfronteiriço.

 

Porquê?

O desenvolvimento dos países em qualquer parte do mundo é caracterizado por um desequilíbrio entre zonas do litoral e do interior. Iinfelizmente, a província do Cuando Cubango não é excepção, isto, desde a era colonial. Obviamente que o conflito armado que durou décadas em Angola,  agudizou esta situação. Contrariamente, aos países vizinhos…

 

 …que têm um contexto histórico, geográfico e político diferente do nosso, é isso que quer que interpretemos?

Exactamente, com a excepção da Namíbia com algumas similaridades. Estes factores influenciaram na escolha das opções de desenvolvimento económico dos países mencionados.

 

Quais são os dez activos estratégicos definidos que constituem o eixo fundamental para a promoção do turismo em  Angola?

Angola é, ainda, um destino emergente, que suscita interesse de um número reduzido de turistas comparativamente aos países que já são destinos consolidados. Por este motivo, a escolha do sector, relativamente aos principais activos estratégicos a promover,  recaem para aqueles locais  que servem de chamariz para o segmento de turismo de aventura e que ao mesmo tempo despertam um elevado interesse, sobretudo para o mercado interno.

 

Porquê?

Esses locais são promovidos não apenas na perspectiva de atracção de turistas mas também de investimento estrangeiro.

 

É sabido que a maior parte dos visitantes do Ocidente não vêm em lazer, contagiados pelas nossas praias ou pelas nossas cidades, virão pela cultura e, naturalmente, pelos recursos naturais que os nossos parques naturais oferecem.

É importante corrigir que as nossas praias, embora, ainda sem as infra-estruturas exigíveis para o segmento de sol e mar, já constituem motivo de atracção principal e secundária para um número de turistas não negligenciável, considerando a nossa condição de destino turístico embrionário.

 

Os parques naturais têm condições aceitáveis para receber turistas? Vamos ter turismo em áreas protegidas ou nem por isso?

Já há um movimento, ainda  que tímido, mas que está a ser acelerado com a aprovação de alguns instrumentos jurídicos no domínio da Legislação Ambiental, nomeadamente, o regulamento das áreas de conservação, bem como,do Ecoturismo. Portanto, é digno de realce as visitas turísticas que já são uma realidade no Parque da Quiçama, em Luanda e o grande investimento que está ser feito pelo Ministério do Ambiente numa parceria com a empresa gestora do Parque Nacional do Iona, na província do Namibe, African Parks.

 

A propósito, que destino foi dado aos estudos - de há oito anos - que determinavam a execução do projecto de requalificação dos Parques, conduzido por consultores do Banco Mundial?

As questões dos Parques são do pelouro ministério do Ambiente, pelo que, apenas aquele departamento ministerial pode pronunciar-se a respeito desta questão.

 

E não o preocupa, particularmente,  o facto de Angola ainda estar mal classificada em relação a um ambiente de negócios propício para desenvolver o turismo?

Reconhecemos que ainda há muito por ser feito no âmbito da melhoria do ambiente de negócios, mas não se deve negligenciar o que está a ser feito em matéria de desburocratização e simplificação de procedimentos administrativos, com destaque para as alterações ao nível da Lei de Investimento Privado.

 

Outra queixa dos investidores de que se tem ouvido falar, com mais insistência recentemente, é sobre os acessos.

Sobre os acessos para o país um dos aspectos era a questão dos vistos que hoje conhece uma outra realidade. A par do Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, que foi recentemente inaugurado, está em curso junto do MINTRANS um processo de certificação de aeroportos para receber voos internacionais, é digno de realce também o projecto de construção do aeroporto de Mbanza Kongo e de Cabinda.

 

Não cabe também aqui realçar  questão das estradas,  muitas delas bastante degradadas?

Sentimos que podemos fazer mais na construção e reabilitação de estradas nacionais e caminhos de ferro (sobretudo a construção de novas linhas), a fim de garantir maior e melhor mobilidade interna. Todavia, reconhecemos que algum investimento vem sendo feito, com destaque para o projecto do Caminho de Ferro de Benguela.

 

Há cerca de 15 anos, dados da Direcção Nacional de Actividades Turísticas davam conta da existência de cerca de 250 agências de turismo licenciadas em todo o País, mas apenas dez tinham pacotes turísticos internos. Qual é a realidade actual?

Actualmente, cerca de 400 agências de viagens e turismo estão licenciadas, pela Direcção Nacional de Qualificação e Licenciamento Turístico (DNQLT), para o exercício desta actividade.

Ainda assim, verificamos que existem muitas agências que continuam a operar à margem da lei, por este motivo, o Ministério irá realizar uma campanha de sensibilização no intuito de convidar todos os agentes a legalizarem o exercício da sua actividade.

 

E quantas têm pacotes turísticos internos?

Do trabalho de acompanhamento que vem sendo realizado junto destas agências, concluiu-se que mais de 50 agências fazem o seu trabalho operacionalizando roteiros internos (neste caso, pacotes internos).

 

Apenas 50?

Um dado que não nos deixa totalmente satisfeitos, pois, representa somente 12% do total das agências licenciadas.

Quantos turistas visitaram o país em 2023?

Foram contabilizados em 2023 mais de 93 mil turistas.

 
E quantos prevê receber ao longo de 2024?

Com a entrada em vigor do Decreto Presidencial n.º 189/23, de 29 de Setembro, espera-se um crescimento na ordem dos 50% para o ano de 2024.

 
Quais são os mercados emissores de turistas que mais têm crescido?

Não há uma grande alteração relativamente aos principais mercados emissores de turistas para Angola, com a excepção da Índia que se notabiliza com um crescimento contínuo e que passou a figurar nesta lista nos últimos anos.

 
E os principais?

Entre os principais países emissores destacam-se Portugal, Brasil, China, Índia, França, Reino Unido, E.U.A., Rússia, Espanha e Itália.

Como podemos convencer os estrangeiros que vivem aqui a passar férias em Angola?

Fruto do trabalho que fazemos com agências de viagens e guias de turismo, concluímos que o turismo interno/doméstico é essencialmente feito pelos estrangeiros residentes, não apenas por terem poder de  compra, mas também pelo facto de já possuir cultura turística, inclusive são estes que promovem o nosso país junto dos seus familiares e amigos no exterior.

 
Dito de outro modo?

O nosso desafio é aumentar a representatividade dos angolanos residentes no nosso país na quota de mercado do turismo interno, face ao número de habitantes, desenvolvendo a tão desejada cultura turística.

 
E nesse raciocínio de mostrar Angola ao mundo, qual é o papel da gastronomia?

A gastronomia é um elemento importante na promoção dos destinos. Há muito trabalho a ser feito neste aspecto a vários níveis desde a formação ao nível de cozinha que deve ser mais orientada para a valorização das iguarias locais, passando pelo próprio sector da Restauração e Hotelaria que deve apostar mais na divulgação e promoção da gastronomia local. Ao nível do Ministério já há iniciativas no sentido de promover figuras que têm estado a contribuir para a valorização da nossa gastronomia e fomento de festivais com esta temática.

 
O que há de novo quanto à  política de formação?

O Executivo voltou a recuperar a antiga Direcção de Formação que tinha sido extinta no âmbito da fusão em 2020. Está muito avançada a criação de condições para a abertura de um hotel escola, na província de Cabinda,  numa parceria-público-privada, no âmbito da exploração do hotel INFOTUR.

 

Quanto  ao velho projecto para a construção de três escolas de formação em Luanda, Benguela e Lubango?

Este projecto continua em andamento. Ao nível da província de Luanda, o hotel INFOTUR vai ser transformado em hotel Escola.

 
Em relação às províncias de Benguela e da Huíla os hotéis desta cadeia  foram privatizados?

Mas a perspectiva de termos escolas de formação nestas duas províncias mantém-se, pela sua importância no sector.

 
Deixa-o satisfeito a contribuição do Turismo na formação do PIB angolano ou o entristece?

A actual contribuição do Turismo no PIB nacional está abaixo de 1%.

 
Muito aquém da média ao nível internacional.

Exactamente, que é a volta de 7%.

E, também estamos longe da média  da região, é isso?

A média da Região é à volta de 5%.

Concretizando…

Consideramos que o desenvolvimento do turismo está ainda numa fase embrionária, tendo em conta o investimento (directo) público e privado,  no sector. Estamos expectantes quanto à nova visão que o Executivo tem para o sector, sendo-lhe atribuído um papel importante para o processo de diversificação  económica.

 
Quais são os produtos turísticos que mais contribuem para o PIB?

Maior parte das receitas do turismo receptor provém do mercado de negócios.

 
E há quanto tempo  esta tendência já perdura?

Mais de 15 anos.

 
Em média, quanto gasta um turista dessa classe?

Em média,  um turista em Angola gasta acima dos 1 500 dólares, uma das mais elevadas ao nível da região da SADC, um dado importante para a nossa economia. Trata-se de uma das características dos destinos turísticos cujo principal segmento é o mercado de negócios.

 
Toda grande caminhada começa com um simples passo, diria o Buda.

Exactamente. É possível aumentar as receitas se considerarmos que este segmento tem um elevado poder de compra e que ainda temos um longo caminho a percorrer na estruturação da oferta turística sobretudo nas províncias circunvizinhas a cidade capital a fim de capitalizar o segmento bleisure  (combinação do segmento de negócios e de lazer).

 
Quais são os principais indicadores para avaliar o estado do turismo no país?

Os indicadores para avaliar o estado do turismo no país, são vistos em duas vertentes, analisando por um lado, a oferta turística, que compreende os números de empreendimentos turísticos (hotéis, aldeamentos, pensões, Lodges, etc.), estabelecimentos de restauração e similares e prestadores de serviços de turismo (agências de viagens e turismo, guias de turismo)…

 
E por outro lado…

Analisando a procura turística, que inclui os números de chegadas de turistas a fronteiras nacionais, os motivos de viagem para Angola, bem como, a taxa de ocupação, o número de hóspedes e de noites nos empreendimentos turísticos.

 
Nesse sentido, qual o volume de negócios gerado pelo sector do Turismo em 2023?

Os dados do MINCULTUR homologados pelo INE, publicados em 2022 referentes ao ano de 2021, indicam um volume de negócios duzentos e doze mil milhões, quinhentos e dezassete milhões sete centos e trinta e dois mil cento e dezanove kwanzas e quarenta e quatro cêntimos arrecadados pelas agências de viagem, empreendimentos turísticos e estabelecimentos de restauração e similares.

 
Que políticas existem para o segmento de navios cruzeiros?

O segmento de navios cruzeiros têm estado a registar um crescimento satisfatório nos últimos anos, passámos de um navio por ano, em 2016, para três navios por ano em 2023. Actualmente, já somos um destino de embarque e desembarque de passageiros de navios cruzeiros.

Enquanto Estado, devemos fazer um grande trabalho de médio e longo prazos em matéria de construção de infra-estruturas necessárias para alavancar este segmento e nos tornarmos em um destino competitivo de cruzeiro ao nível da região. Neste âmbito, é assinalável as obras em curso no Porto de Luanda para melhor acomodar os navios cruzeiros que nele atracam.

 
Voltando à isenção de vistos de turismo a cidadãos de 98 países.  É um sinal que este Governo está preocupado em alavancar o turismo ou isso não basta?

 O Governo tem vindo a adoptar um conjunto de medidas e a realizar um conjunto de investimentos que impactam a actividade turística, como é o caso da medida dos vistos, da aprovação na sequência do PLANATUR, da aprovação de um orçamento para a construção de postos fronteiriços, na província do Cuando Cubango, tendo em vista o controlo dos fluxos turísticos e migratórios provenientes dos países vizinhos ou ainda da inauguração do Aeroporto Internacional Dr.António Agostinho Neto na província de Luanda, que poderá aumentar o fluxo aéreo para o nosso país.

 
Quantas empresas pertencem ao sector do Turismo e quantas pessoas empregam?

Em 2021 foram contabilizadas mais de sete mil empresas ligadas ao sector que empregavam 183 101 pessoas, das quais mais de 50% são mulheres.

 
Que conselhos daria a um empresário que motivado pela atractividade turística do nosso país, queira abrir um estabelecimento de restauração em zonas de "movida” turística?

Angola é um país com elevado potencial turístico e com zonas bastante atractivas que despertam interesse de visitantes e investidores,  as alterações efectuadas no âmbito da Lei do Investimento Privado e os actos de simplificação para o licenciamento da actividade de restauração e similares, assim como as tendências da procura turística internacional voltadas ao segmento de turismo de natureza e ecoturismo, sendo Angola apontada como um dos principais destinos a visitar em 2024, por ser um destino desconhecido e inexplorado, constituem oportunidades de negócios para qualquer empresário.


Perfil

O gestor que gosta de futebol

Natural de Malanje, onde nasceu há 36 anos, Dinis Magalhães Quicassa queria ser futebolista do  Petro de Luanda, ainda hoje o seu clube do coração. Mas a vida deu-lhe outros destinos:  o Turismo e  a docência com os quais está a consolidar uma carreira de sucesso

Deu os primeiros passos no Turismo no início de 2000, exercendo as funções de gestor de agências de viagem numa empresa do sector privado

No Ministério do Turismo, anterior à sua nomeação para o cargo actual, Dinis Magalhães Quicassa fora  coordenador do Programa de Desenvolvimento e Fomento de Aldeias Turísticas Rurais - PRODEFATUR e do Plano de Fomento ao Turismo - PLANATUR

Além de ser o ponto focal do Ministério perante a Organização Mundial do Turismo, Quicassa também leccionou em diversas universidades de Angola, incluindo na Escola Superior de Hotelaria e Turismo da Universidade Agostinho Neto, onde ministrou disciplinas relacionadas aos cursos de Gestão de Turismo e Gestão Hoteleira e Animação

 É mestrado em Turismo, Património e Desenvolvimento Sustentável, pela Universidade Cadi Ayyad em Marrakech (Marrocos)

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