Opinião

Combate à corrupção e a classe empresarial angolana

Ismael Mateus

Jornalista

O Presidente João Lourenço fez (e bem) do combate à corrupção um dos pilares da sua governação. O fenómeno da corrupção é complexo, com tentáculos espalhados por todo o tecido económico e o seu combate levará tempo. Apesar disso, a situação económica reclama por uma nova visão do país sobre os planos de combate à corrupção.

13/05/2024  Última atualização 07H44

Quando vamos a meio do segundo mandato presidencial, parece evidente que as opções da estratégia de combate à corrupção concentraram-se, sobretudo, numa visão judiciária do problema com preocupações concentradas na criminalização dos actos passados e na recuperação de activos. A prática mostra que a conduta e os actos dos servidores públicos (a falta de fiscalização, clientelismo impunidade e falta de responsabilidade perante as denúncias) continuam ou até aumentaram, com o surgimento de "novos marimbondos”, mais discretos, mas tão nocivos à sociedade quanto os anteriores.

Mesmo que a vertente criminal e de recuperação de activos dê alguns resultados, o combate à corrupção está longe de inverter o quadro herdado do Governo anterior. Aparentemente, o Governo anterior procurava criar uma "aristocracia angolana” arquitectada politicamente mediante à acumulação primitiva de capital. A corrupção teve assim como "leitmotiv” a formação de uma classe empresarial nacional.

O caminho que falta fazer, no âmbito do combate à corrupção, é exactamente aquele que, por um lado, deve procurar eliminar os actos de corrupção, mas preservar o objectivo estratégico da formação da classe empresarial angolana, que o Governo anterior logrou atingir, apesar dos desvios oportunistas que ocorreram. Hoje, vários grupos da sociedade continuam receptivos ao argumento da necessidade de criação de uma "nata de empresários nacionais” capazes de produzir riqueza e oportunidades de trabalho. A formação de uma classe empresarial que crie emprego e riqueza, invista os recursos em Angola na base de valores como a transparência, integridade e respeito pela propriedade alheia, deveria fazer parte da estratégia nacional de combate à corrupção.

A privatização por estrangeiros de meios que eram detidos por angolanos ou edificação da diversificação da economia maioritariamente baseada no investimento estrangeiro levanta a necessidade objectiva de um programa de angolanização na estratégia de combate à corrupção. Tal programa deve passar pela definição de áreas da economia exclusivamente destinadas a cidadãos nacionais vetando-se, por exemplo, o monopólio estrangeiro em pequenos negócios. Deveria prever igualmente um trabalho mais profundo de conversão de pequenos negócios informais em micro-empresas formais, com acções de formação e apoio aos novos pequenos empregadores, contribuintes e proprietários. Também deveria prever quotas nacionais nos processos de privatização, incentivando-se os bancos comerciais a criar linhas dedicadas de financiamento para a possibilitar a participação dos nacionais nos concursos públicos para aquisição dos bens recuperados da corrupção.  Outro elemento da angolanização poderia ser a conversação de títulos da divida pública interna existente em acções de activos recuperados.

Por outro lado, tanto a estratégia de combate à corrupção como a reforma administrativa não são possíveis sem um Programa Nacional de combate à incompetência na administração do Estado. A incompetência, tal como a corrupção, mina seriamente a oportunidade dos angolanos alcançarem uma vida melhor e de desenvolverem o país. Sem isso, não é possível definir um rumo positivo e próspero para o país.  Em muitos casos, o mau dos dinheiros públicos decorre da falta de planeamento e de fiscalização no uso desses recursos. Muitas vezes, não se trata da desonestidade do servidor, mas da sua incapacidade de actuar de acordo com critérios de competência e, com base neles, definir prioridades na aplicação dos recursos disponíveis.

Um dos sintomas mais aflitivos da incompetência é a persistência de alguns problemas sociais crónicos ou de serviços públicos, que, anos após anos, não são prestados com qualidade. Em todos os ministérios, Governos Provinciais ou Administrações Municipais existem serviços ou situações sociais que estão há anos por resolver, que se arrastam no tempo, sem que ninguém preste contas ou seja responsabilizado por isso.

A cultura da responsabilidade e da responsabilização é o elemento central e maior aliado do combate à incompetência. Através dela um servidor publico é sempre responsabilizado por um mau serviço aos cidadãos. Quando os servidores públicos forem levados a agir no melhor interesse das pessoas que servem, a competência e a negligência serão rapidamente expostas, e os cidadãos, a imprensa, a sociedade vão passar a exigir resultados e transparência em cada decisão que seja tomada em seu nome.

Ao permitir que a falta de transparência, a desonestidade ou outras irregularidades continuem a grassar pela nossa administração sem um plano de contenção, o Governo actual corre o risco de vir a ser acusado de ter consentido o crescimento da incompetência, exactamente o mesmo que se diz do Governo anterior em relação à corrupção. ´A incompetência também esta directamente relacionada com inovação e iniciativa. Quanto menos competentes forem os servidores públicos menos capacidade terão para inovar e buscar soluções alternativas para os problemas do dia a dia.

O amadurecimento do país nestas matériais de corrupção e incompetência passa muito por dotar o cidadão de um sistema de detecçao de falta de competência, seja através de mecanismos de denúncia e reclamação que devem ser criados pelas instituições públicas, mas também pela imprensa, que deve ser uma parceria estratégia tanto na luta contra a corrupção como contra a incompetência.

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