Opinião

Excursões-3

Manuel Rui

Escritor

Hoje a excursão não é para longe. É para aqui bem perto, mas para aprender a conhecer o conhecimento. As crianças das escolas, principalmente aquelas que já andam sempre de celular na mão, deveriam fazer excursões, bem organizadas, a este jornal, para conhecerem toda a gente que trabalha aqui, muitos sacrificando o sono para que no dia seguinte o jornal ande na mão dos ardinas com a vida da nossa terra e do mundo. Para aprenderem como se faz uma notícia, um editorial, uma reportagem e, se possível, como se trata uma boa e uma má notícia. Aprender o que é um editor, um redator ou um repórter. Aprender que um jornal é um lugar de escrita onde a palavra se pode saborear em silêncio.

23/05/2024  Última atualização 13H30

Não sei se há mas se não há deveria haver um museu da imprensa em Angola. Após a independência, alguns pensaram em copiar Cuba e assim exterminar os jornais deixados pelo colonialismo. Lembro-me do jornal da minha terra "A voz do Planalto” e um título muito sugestivo "O Intransigente”…tinha de ser de Benguela, se bem me lembro.

As crianças devem visitar este jornal com os professores, principalmente aqueles mangonheiros que mandam os alunos a minha casa para fazerem perguntas sobre livros meus que o professor não leu e depois recebe, refoga mal e fica a cheirar a queimado.

As crianças devem visitar o jornal, saber o pouco que ganha um jornalista para o tanto que faz. Saber como eram as tipografias antigamente, a da Imprensa Nacional em que os tipógrafos faziam panfletos contra o colonialismo. Saber que este jornal era "A Província de Angola” e que no Governo de Transição, o movimento sindical tomou de assalto com a "descoordenação” de uma bomba que, felizmente, não matou ninguém, e o jornal passou a chamar-se "Jornal de Angola.”

Esta excursão é necessária. Para as crianças ensinarem aos pais que devem ler. Pelo menos para dizerem aos pais que devem ler este jornal. Tem famílias ricas, com dinheiro para comprar livros, até compram nos lançamentos para compor uma estante de prestígio e embelezamento da casa.

Lembro-me na Melói que vendiam bonitas encadernações com páginas em branco só para enfeitar a estante. Tem famílias em que à noite não se conversa. Todos ficam absorvidos pela telenovela ou filmes que passam na televisão, ficando difícil encontrar um filme em que não haja violência, sexo e tiroteio. A familia não conversa. Mesmo ao almoço, é televisão e o tic tac dos polegares no telemóvel.

As nossas crianças também devem fazer excursão à rádio. É outro mundo apaixonante, principalmente a "rádio Piô”. E também à televisão, com realce à parte informativa.

Recordo-me que antigamente, após a independência e antes dos telemóveis, se faziam nas escolas (copiado da revolução chinesa) jornais de parede. Era maravilhoso verificar o grau de criatividade desses jornais. Também se organizavam grupos de dança nos terraços e na cidadela era uma maravilha ver os quadros humanos, os corpos e as cores em movimento, que um cota cubano dirigia. Também o futebol dos miúdos e o jardim do livro infantil.

A electrónica ajudou nas práticas produtivas desde a agricultura, à indústria e na arte, até nos circos com palhaços florescentes. Já a informática mudou o mundo de pantanas, desde os computadores aos telemóveis, chegando aos drones e mísseis.

Toda a ciência de matar hoje está informatizada. Eu estava no Lubango e veio um ataque aéreo dos carcamanos. Deitado no chão, senti que a gente morre antes do avião passar. Com a electrónica uma criança pode inventar uma bomba.

Na minha infância andávamos de fisga feita com uma forquilha tirada de uma bissapa, borrachas de câmara de ar e um bocado de cabedal para segurar a pedra. Hoje, uma criança, em vez de fisga tem um telemóvel que até lhe faz as contas de somar ou dividir.

Por essas e por outras, as crianças devem visitar este jornal para contarem aos pais que "só é livre quem estuda e ensina para aprender.”

No entanto, há um déficit de leitura no nosso país. Não há jornais provinciais. Há pessoas que naquela euforia revolucionária aprenderam a ler e mais tarde esqueciam porque não tinham nada para ler.

Salvaram-se as pessoas das igrejas que, pelo menos, tinham os livros religiosos, mesmo sem Bíblia, tinham o hinário e os hinos não se esquecem porque "deixa a luz do céu entrar/deixa a luz do céu entrar/ abre bem as portas do teu coração/deixa a luz do céu entrar…”  

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião