Félix João Fula, seu nome de registo civil, é filho de Francisco Fula e de Eva Capemba. Nasceu no dia 26 de Setembro de 1966 no bairro Kipungo, comuna de Quibaxe, município dos Dembos. Ele é Sua Alteza Príncipe dos Dembos e abriu as portas do Lumbo (“sala de visita”) para o Jornal de Angola.
Alejandro Guillermo Verdier regressa, hoje, a Buenos Aires, depois de ter estado durante três anos em Angola, como embaixador da Argentina. Convidado pelo Jornal de Angola a fazer um balanço sobre o seu mandato e do que mais o impressionou no país, o diplomata teceu rasgados elogios aos angolanos. “Levo comigo a imagem de um povo extremamente afável e com virtudes”, afirmou o embaixador que, durantea entrevista, destacou as realizações enquanto representante do Estado argentino em Angola. Também assumiu um fracasso: o facto de não ter conseguido convencer Lionel Messi a visitar o país
Aos 84 anos, Armando Augusto Machado, vencedor do primeiro processo eleitoral realizado em Angola enquanto Estado, como faz questão de sublinhar que é a Federação Angolana de Futebol (FAF) a pioneira da democracia participativa no país, concedeu há sensivelmente dois meses uma entrevista ao Jornal dos Desportos.
Jornal dos Desportos – Onde nasceu essa veia para o desporto, sobretudo no dirigismo desportivo?
Armando Machado – Bem! Em primeiro
lugar, os meus agradecimentos ao Jornal dos Desportos. Muito obrigado Honorato,
pessoa que conheci jovenzinho, numa viagem que fizemos à Côte d’Ivoire. Fiquei
muito feliz, quando soube que foi nomeado para dirigir o Jornal dos Desportos,
que era no fudo a minha paixão, essência de vida. Porque antigamente, isso
ainda no tempo colonial, um dos primeiros clubes que surgiu na cidade de Nova
Lisboa, hoje Huambo, era o Atlético Clube de Nova Lisboa. Foi criado pelo meu
pai e os meus tios. Eram sete irmãos. Os irmãos Machado, donos do África Hotel,
da fábrica de sabão Irmãos Unidos e de vários estabelecimentos comerciais. Eu,
como filho do fundador; o irmão mais velho desta família, fui andando com o
Atlético de Nova Lisboa, até que aos 18 anos de idade nomearam-me presidente do
Conselho Técnico do clube. Eu não contava com isso. Então o que é que eu fiz?!
Como aos domingos ia à missa, e deixei
de ir para jogar futebol nos juniores,
deixei de ir à missa e deixei de jogar futebol, para ser dirigente do Atlético
de Nova Lisboa.
Esta mudança de atleta para dirigente deu frutos ao clube?
O Atlético cresceu. Foi grande.
Campeão de Angola de basquetebol. Disputou várias provas a nível nacional de
futebol. Fui andando sempre no dirigismo desportivo, mas por trás de mim tinha
outro dirigismo, que era o empresarial. Foi isso que me levou, efectivamente, a
ser o homem que eu era há uns anos, que hoje estou velho! Era um dirigente
desportivo com "empresariamento” assumido pela mesma pessoa.
Mas a Independência acabou por mostrar que a semente do dirigismo lançada à terra tinha brotado…
Bem! Quando Angola se torna
independente, eu resolvo criar o Petro Atlético do Huambo. Mantendo a mesma cor
dos equipamentos: calções pretos, camisola preta e branca, às ricas, que eram
do Atlético. Mantendo o mesmo emblema. Só que invés de ser ACNL (Atlético de
Nova Lisboa), meti-lhe uma torre de petróleo. Perguntei ao camarada Hermínio
Escórcio, qual era o nome que ele queria dar ao Petro de Luanda, e ele disse-me
Atlético Petróleos de Luanda. Pronto! Respondi: Então, o Petro do Huambo vai se
chamar Petro Atlético do Huambo, que é mais fácil de pronunciar que Atlético
Petróleos. Mais tarde, eles começaram também a utilizar Petro Atlético de
Luanda. Mas são Atlético Petróleos de Luanda. E os meus cartões, que eu os mostrei
há pouco, provam bem a essência de tudo isso. Também mostram que,
efectivamente, o meu cartão de presidente é de 5 de Janeiro de 1980, e o
Atlético Petróleos de Luanda é de 13 de Janeiro de 1980. E daí tornei-me um
dirigente desportivo. Eu era o delegado regional da Sonangol no Huambo, Bié e
Cuando Cubango. Era o homem que tinha a responsabilidade de fornecer
combustível aos cubanos, para a guerra de defesa da soberania de Angola. Eu
fazia o abastecimento do combustível com camiões, que nunca falharam. O Huambo
teve sempre combustível.
Isso representou algum ganho para o Petro Atlético do Huambo?
Tornou-se num grande clube. O primeiro
a discutir com o 1º de Maio, em 1982, uma final da Taça de Angola. Que estava a
ganhar 1-0 e perdeu por 2-1. Com o Manecas Leitão a guarda-redes e o Arlindo
Leitão como treinador. Esta é a história final do Petro do Huambo. Entretanto,
a nível da estrutura da Sonangol no Huambo, Bié e Cuando Cubango, abandonei o
cargo, por motivos que não interessam hoje. Quando ligo para o Hermínio
Escórcio, a dizer que acabou para mim a Sonangol, ele disse: Já devias ter
feito isso há mais tempo. Afinal ele queria agarrar-me para o Petro de Luanda,
e eu não sabia, porque eu era chefe de divisão na Sonangol, e pensava que iria
ocupar o cargo, na Distribuidora, de chefe de divisão. Quando cheguei aqui, a
divisão que ele me arranjou foi o Petro Atlético de Luanda.
(Risos) O embaixador fez-lhe alguma exigência, ao confiar a tarefa?
Ele disse-me: vais pôr aquele clube direito. Eu sei que tu és capaz. O Hermínio Escórcio era meu amigo, do Huambo, porque o tio dele, Trindade Escórcio, grande extremo esquerdo de futebol, era um homem que jogava no Atlético de Nova Lisboa, e o sobrinho ia do Lobito para o Huambo passar férias com ele, e conheceu a família toda Machado. Conheceu-me a mim e passou sempre a existir uma grande amizade. Quando eu venho para o Petro de Luanda, que era um clube alimentado pela Sonangol, mas não tinha um vice-presidente. Eram todos vogais, com um presidente. Quem era o presidente? Engenheiro António Mangueira.
Poder total no futebol do Petro de Luanda
E o que mudou concretamente na
estrutura da direcção, com a sua chegada?
O Mangueira me pede para ajudar o
Petro a ser um clube grande, pois o clube grande era o 1º de Agosto. Eu disse
está bem, eu ajudo. Mas tens de criar vice-presidências. Fizeram uma
assembleia-geral e criaram a vice-presidência do Futebol e a vice-presidência
dos Desportos. Não preciso datas. Isso a mim já me escaparam. Muito
provavelmente foi em 1985. O engraçado, antes de ser vice-presidente, pedi que
cobrissem o Eixo Viário. Aquilo era uma placa. Que levantassem uma sala. Aí fui
buscar o equipamento à Europa e fizeram a sala de material desportivo. Aquilo
era uma loucura. Mas uma loucura.
Começou a gestão no clube com exigências notáveis…
Eu disse: Agora, para ser vice-presidente e poder fazer aquilo que quero, preciso de três estações de serviço. Então entregaram-me a do 1º de Maio, foi eu quem fez as obras, e mais duas, uma delas no José Pirão, e outra a caminho do São Paulo. Criei uma empresa, com a autorização da direcção do clube. O engenheiro Mangueira deu-me todos os poderes para o Futebol. E eu, uma vez que o Petro pagava as despesas todas, com esse dinheiro fui buscar o Lúcio, ao Sporting de Luanda. Toda a gente disse que eu era louco, porque ele, no último campeonato, tinha sofrido muitos golos. Fui buscar o Santo António, ao Progresso, e o Quim Sebastião, à Huíla. Depois arranjei outros indivíduos, aqui a nível de Luanda. Criei a equipa que ganhou o primeiro campeonato, com Carlos Silva/Carlos Queiroz. Depois chegou o grande treinador brasileiro (António Clemente), que ganhou também dois campeonatos. Como ele se foi embora, apostei no Queiroz, que começou com Clemente, e ganha um campeonato. No ano seguinte volta a avançar o Queiroz, que a direcção não queria. Eu disse: ou ele fica, ou eu saio. E então o Carlos Queiroz agarrou na equipa e ganhou o quinto campeonato.
Aqui estamos já no célebre penta…
O primeiro clube de expressão portuguesa
a ser penta-campeão. Dois anos antes do Porto. Era para ficar mais tempo. Eu
disse que fico aqui mais três anos, para a gente ganhar mais um título. Acertei
com a direcção e a Assembleia-Geral. Entretanto, o indivíduo que era meu
adjunto, o falecido Totoi Monteiro, numa digressão que o Petro faz à
Lunda-Norte, ao intervalo diz: meus amigos, eu vou ser o futuro substituto do
Armando Machado, porque ele tem um problema. Vendeu o Abel e o Saavedra, ao
Benfica de Portugal, e o dinheiro ficou para ele. E eu, quando os jogadores
chegaram, depois de ganharem, contaram-me a história. Imediatamente pedi uma
assembleia-geral, com a presença de três ou quatro jogadores e do treinador. E
eles confirmaram tudo, à frente do Totoi Monteiro, que continuou no clube, eu,
saí do Petro! Mas, Totoi Monteiro não ficou no meu lugar. Elegeram outro
indivíduo. Nos dois anos seguintes, o clube perdeu o título para o 1º de
Agosto.
Com aquilo abandonou o desporto, o futebol em particular?
A Federação Angolana de Futebol recebe
um documento da população do Huambo, a pedir para eu me candidatar. E
entregam-me o documento, que eu agarro, leio e meto na gaveta. Disse que acabou
para mim o desporto. E volvido algum tempo, um dia aparecem em minha casa,
elementos da Rádio Nacional de Angola, com o Manuel Rabelais à frente, a pedir
para eu me candidatar. Nunca tinha havido eleições em Angola.
Gostaríamos que regressássemos à sua Nova Lisboa natal, para lembrarmos umas coisas da infância.
Posso lembrar. É linda! Sabe quem é o
Pepino? O Pepino nunca tinha corrido. Andava de motocicleta. A primeira
bicicleta que os Machado compram para o Pepino era de marca Origan. De
corridas. E o Pepino ganha a primeira prova, Huambo/Bailundo/Huambo. E aí
começa a nascer o Pepino. Ele torna-se no Pepino, quando vai fazer o trajecto
Huambo/Benguela. E mais tarde fez Benguela/Luanda. No tempo colonial! Era
empregado do Caminho de Ferro de Benguela, e viveu muitos anos no Huambo. Ele e
o antigo árbitro João Madeira jogaram futebol no Atlético de Nova Lisboa.
Pepino foi defesa direito. Jogou pela Selecção do Huambo.
Que desportos praticou no Atlético de Nova Lisboa?
Futebol e natação! Fui interior
esquerdo. Também estive no automobilismo. O primeiro Lotus Peach que veio para
Angola foi eu quem trouxe. Depois ofereci à minha filha mais velha. Portanto,
no primeiro rali Huambo/Cuando Cubango/Huambo, com a prova na cidade,
participei. Era uma cidade com tradição no automobilismo, daí as "Três Horas do
Huambo” e mais tarde as "Seis Horas do Huambo”.
Como foi que perguntou ao pai o que lhe tocava da herança?
O Machadinho, de jovem, muito jovem, antes de ir para a Portugal estudar, tinha um instinto empresarial. Como queria ser um grande empresário, um dia virei-me para o meu pai e disse: oh pai, posso lhe fazer uma pergunta? E ele: diz-me, filho! Diz-me! Quando o pai morrer, quanto é que toca para mim? O meu pai ficou bravo, zangado. Chamou a minha mãe. Oh Palmira, olha aqui o que é que o teu filho está a dizer! A minha mãe ficou pesarosa. Disse logo, ai, meus Deus! Então tu vais fazer uma pergunta dessas? Tinha os meus 17, 18 anos. Em resposta, eu digo à minha mãe: aié, o pai fez isso?! Vou-me embora para Portugal. A minha mãe foi acompanhar-me de comboio, até ao Lobito. Apanhei o navio Uíge, para Portugal.
Fuga do Huambo por medo de Savimbi
Para onde foi, quando chegou à
metrópole?
Lá fui para a Casa dos Estudantes do
Império. É aí que conheço o Lúcio Lara, conheço o camarada Presidente Agostinho
Neto. Aí começo a beberricar MPLA. E quando regresso, sou um indivíduo filho do
Huambo, com bens todos do Huambo. O Jonas Savimbi, que tinha sido meu recruta
na Mocidade Portuguesa, um dia vai ao MPLA, falar com Joaquim Kapango, e
vira-se para mim e pergunta: estás aqui?! Eu disse, estou. E ele, depois falamos.
Porquê! O Gilberto Lutucuta era condutor do carro. A gente ia comemorar o 4 de
Fevereiro. Púnhamos uma placa, os homens da UNITA tiravam. Púnhamos outra, a
UNITA tirava. Isso naquele período de transição para a Independência.
Qual foi o desfecho da disputa do espaço da placa?
Como disse, Jonas Savimbi tinha sido
meu recruta. Eu tinha vindo de Portugal já com a tropa feita. Fui instrutor
dele, na Mocidade Portuguesa. Eu é quem lhe dei os primeiros passos.
Mas vocês tinham a mesma idade?
Não. Ele era mais velho que eu. Mas,
antigamente, havia casos em que as pessoas iam mais tarde à tropa. Quando se
deu aquela situação, fiquei com medo. Fui ao quartel, identifiquei-me como
militar português e disse quero ir para Luanda. E disseram-me vai connosco, por
que a gente vai retirar as tropas do Huambo. No entanto, as tropas portuguesas
chegaram à Cela e entregaram-me à UNITA. Começaram a bater-me, com as cintas
dos tambores. A mim e a um indivíduo que era da Direcção de Finanças do Huambo.
E como conseguiu safar-se dali?
Bateram-me, bateram-me, até que veio
um miúdo, um jovem, que disse: ninguém toca neste senhor! E aí pararam de me
bater. Ele pediu-me para olhar para ele e perguntou-me se o conhecia. Eu disse
que não. Também depois de levar porrada iria lá reconhecer alguém. De seguida
diz: eu sou filho do Caquarta. Quem era o Caquarta? Defesa central do Atlético
de Nova Lisboa, que os meus pais tinham levado para o Vitória de Setúbal! Era o
pai desse jovem Borges, oficial da UNITA.
Depois, voltou a ter contacto com o filho do Caquarta?
Entretanto, as coisas mudam. Eu vou
para o Parlamento e fico à espera que o Borges entra em Angola. Então falei com
o Gato, que era secretário de Jonas Malheiro Savimbi. Eu queria apresentar o
Borges, na Assembleia, como a pessoa a quem devia a vida, por me ter libertado
daquilo que a UNITA me estava a fazer. Infelizmente não foi possível. O Borges
caiu numa mina. Morreu com a família toda. O Caquarta jogou com o Pepino.
Ainda na infância há o registo de ter participado num concurso de canto…
Antigamente, no dia 1 de Dezembro, Dia
de Portugal, em alusão ao golpe dado ao domínio espanhol, havia um espectáculo
que se dava no Cinema Ruacaná. E eu, que cantava bem, ia cantar. Pedi à minha
mãe para me dar umas calças compridas e uma camisa de mangas compridas. E a
minha mãe disse: ahhh, não dou nada, já tens muitos calções e tens muitas
camisolas! E não deu. Quando o locutor apresenta o tenor Armando Machado, eu
entro, com uma camisa às ricas, de calções e de sapatos keds. Subo ao palco e disse:
meus senhores, vou cantar "Ó meu amor, minha linda feiticeira”, de Alberto
Corado Ribeiro. E abri a garganta e cantei: "Ó meu amor/Minha linda
feiticeira/Eu daria a vida inteira/Por um só beijo dos teus/Por teu amor/A
minha vida era pouca/Para beberes da minha boca/Um beijo de eterno adeus”.
E como reagiram ao desempenho do tenor Armando Machado?
Os meus pais estavam enterrados na
cadeira cheios de vergonha. Aí o povo todo levantou-se, começou a bater palmas,
palmas. Depois ficaram sentados normalmente. Entretanto, veio um elemento do
governo, ter com os meus pais, dizendo que o governador queria falar com o meu
pai. O governador perguntou ao meu pai: o senhor é o pai do tenor? O meu pai
disse sou. Aí o governador diz: ele tem de ir para a Itália, o governo cobre,
para educarmos aquela voz, porque não a pudemos perder. O meu pai disse que
iria falar com a família, para ver o que dava. Então chegou, todo cheio de
peito, pois o governador chamou, porque o filho tinha cantado bem. Ele já era o
pai do tenor. A verdade é que acabei por não ser tenor. Acabei por não voltar a
cantar. E acabei por ir para o dirigismo desportivo e para o empresariado
local, onde me tornei, efectivamente, um grande empresário. E o fruto de tudo
isso, ofereci, no pós-Independência, ao Governo de Angola.
Mas que bens entregou ao Governo?
Conforme reza aqui o documento, fiz
uma entrega voluntária e gratuita. E o meu sócio, fez-me uma carta de Lisboa a
dizer: "você é um homem de uma nobreza de carácter muito grande. Não se aproveitou
ficar com a minha quota, e entregou ao Estado de Angola”. Depois é que criei as
Organizações Cosal, e importei as primeiras viaturas Hyundai. Na altura 600
unidades. Fui pedir dinheiro ao Banco Nacional de Angola, 65 milhões de
dólares. Eu não tinha 1 dólar. E o Sebastião Lavrador, que era o governador do
banco, me disse: porquê que não importas 1200? Eu não aceitei.
Levou quanto tempo para pagar o empréstimo?
Três meses depois, paguei-lhe os 65 milhões. Ele pagou ao Paribas de Paris, e o Paribas pagou à Hyundai. Mas como os carros só custaram 1800 dólares, eu comecei a vender carros a 3600 dólares. É assim que ganho 75 milhões de dólares. Entretanto, há um barco que vem da Coreia, com 1400 carros, vai para um país africano, que entra em guerra. No regresso do navio, ligam para nós a saber se não queríamos ficar com as viaturas. Eu disse-lhes que já não tinha dinheiro, ao que responderam: vocês pagaram essas, merecem toda a confiança! Meteram-me aqui 1400 viaturas, a crédito. As Organizações Cosal pagaram imediatamente e aí tornei-me num empresário de facto. Mas devo a ajuda de Sebastião Lavrador, fundador do Banco Sol.
"Fui chamado à Federação pelo povo do
Huambo”
E aqui chegados, fale-nos como foi a
entrada para a Federação. Já disse que foi aclamado…
Meses depois de eu não ter respondido
ao pedido da população do Huambo, para
me candidatar, houve uma segunda abordagem feita por profissionais da
RNA, liderados por Manuel Rabelais, que disseram que me davam todo o apoio. Eu
candidato-me e ganho as primeiras eleições realizadas em Angola. O meu
concorrente era o Daniel Simas. Só teve um voto. Eu tive 14, em 18 províncias
votantes, mas só 15 apareceram para votar.
Foi uma vitória por números muito expressivos…
Sim. Certamente foi consequência do trabalho
que tinha feito no Petro do Huambo, que passou para Luanda. Tornei-me
penta-campeão, e esse conjunto deu origem a que, efectivamente, pudesse
candidatar-me e ganhar as primeiras eleições uma vez realizadas no país. Mas, o
engraçado é que quando ganho as eleições, em que esteve presente o Marcolino
Moco, muita gente foi ao Grupo Desportivo da Banca, ali a subir à Cidade Alta,
saudar-me.
Como foram os primeiros passos, para organizar a Federação?
Desloquei-me a todas as províncias e
falei com os presidentes das associações. E, a comunicação social, apoiou-me
neste evento, de modo que foi fácil ganhar as eleições. Mas quando ganho,
tínhamos de ir jogar fora, e todos os atletas disseram que só iriam se o prémio
fosse 400 dólares. Eu não tinha 1 dólar na Federação. Então chamei o Arlindo
Leitão, e disse-o para convocar os jovens. E assim fomos e ganhámos 1-0.
A vitória deu-lhe a legitimação que precisava?
Claro! Depois da vitória, sentei-me na
cadeira e disse: agora aqui quem manda sou eu. E os jogadores, que eu pus de parte, vieram
todos ter comigo, para serem reabilitados e reintegrados na Selecção. Estava o
Lúcio, o Amaral Aleixo, o Ivo Traça e tantas outras referências da época. Tive
de impor-me. Aí lançámos as bases, para dois, três anos depois, com Carlos
Alhinho, começarmos o percurso que nos levou ao nosso primeiro CAN, em 1996, na
África do Sul, e ao segundo, em 1998, no Burkina Faso, com o Professor Neca.
Sentiu-se injustiçado, pela forma como deixou a Federação?
De certa forma sim! Eu tinha feito
todo um trabalho. Tinha feito a grande selecção de Angola.
Com que dinheiro construiu o Hotel Palanca Negra?
O doutor João Havelange leva-me um dia
a um encontro com o presidente da Sagres, a quem pedi fatos, porque queríamos
ir bem vestidos às viagens. Aí o homem da Sagres virou-se para mim e disse que
eu era o primeiro presidente de uma federação que via que não queria dinheiro.
Só queria fatos. Mas você não quer dinheiro? Perguntou o homem, que a seguir disse, algo desafiador: e se lhe desse
cerveja? Eu respondi ai quero, porque vou fazer propaganda à Sagres. Eu tenho
ali um casaco ainda com o emblema da Sagres.
Pelos vistos encontrou um patrocinador…
Exactamente! Ele perguntou-me quanto
tempo demorava a construção do hotel. Eu respondi, 15 meses. Deu-me um
contentor mensal, de 40 pés, de cerveja. Montei um balcão na Cidadela, e
comecei a vender cerveja. A própria Cuca não tinha cerveja. Então, vendo aquela
cerveja, a bom preço, ganho dinheiro, construo e mobilo o hotel. Compro os
ar-condicionados, faço 64 quartos, cinco suites para árbitros. Inauguro o hotel
com o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que aí me convida para
ir ao Parlamento, por quatro anos, só que fiquei 16. Tinha o respeito de toda a
gente. O povo todo começou a apoiar-me. O futebol do país desenvolveu-se de uma
forma tremenda.
Isso foi, de alguma forma, o preparar das bases para o sucesso registado depois…
Perfeitamente! Eu queria me
recandidatar. E só não me recandidato, porque me vêm pedir para eu não me
recandidatar.
Mas não nos disse ao certo o que o levou a não avançar a candidatura. Pode nos dizer?
Prefiro não falar disto! Por uma
questão de princípio e de respeito à pessoa que me veio pedir para não me
recandidatar, porque queriam lá o Justino Fernandes. Eu não quero falar disto.
Os presidentes que o sucederam na Federação enfrentaram todos ambientes de contestação. Encontra alguma explicação?
Quem me substituiu foi o Justino. Foi
contestado no final. Depois chegou o Pedro Neto, que eu apoiei para presidente
da Federação. Tinha sido jogador do Ferrovia do Huambo. Eu o conhecia daí como
desportista. Também saiu mal. Agora está o Artur, que me considera promotor e
apoiante da candidatura dele, sem me ter falado. Neste momento, posso te dizer,
que efectivamente, o Artur não é um bom presidente.
Porquê que não é um bom presidente?
Porque a partir de uma determinada altura, as pessoas candidatavam-se à Federação para ganhar nome, uma expressão social, que servia de base para atingir outros lugares. Só por isso!
No seu mandato não havia tanto dinheiro, no entanto conseguiu pôr a competir todas as selecções nacionais…
Não têm uma fábrica de dinheiro como
era o Hotel Palanca Negra. Que quando havia andebol, a nível africano, ficavam
lá todos e pagavam. Quando havia basquetebol, a mesma coisa. A FIFA não dava os milhões que dá hoje, mas tinha muito
carinho por mim. Davam-me equipamento
desportivo. Aliás, foi por isso que me vieram buscar, num jacto privado, quando
tive o acidente, para ser tratado nos Estados Unidos, a pedido de João
Havelange.
A vossa geração de dirigentes passou bem o testemunho?
Nós passámos! Mas vou lhe dizer: Se
tivesse havido eleições livres, quando eu não me recandidato, não sei se o
Justino ganhava. Ele vinha de ministro dos Desportos.
Que buscou dizer na verdade com a tirada cantava melhor que Pavarotti?
Foi um colega seu, que me convidou
para uma entrevista, na Rádio Nacional de Angola. Então ele olhou-me fixamente
e perguntou se me podia fazer uma pergunta. Apenas uma. Eu disse que sim. Foi
aí que ele atira: o que o senhor faria
se lhe dessem 20 milhões de dólares? Eu disse não estou a perceber! O que isso
quer dizer?
E teve a resposta do jornalista?
Sim. Ele soltou-se todo. Não sabe?! 20 milhões de dólares foi aquilo que o Governo deu ao camarada Justino, só para treinos da selecção, e nós sabemos que você não recebeu dinheiro do Estado e fez o hotel e uma série de coisas. Eu disse, eu fazia coisas lindas. 20 milhões? É muito dinheiro! E ele pedia para eu dizer o que é que fazia. Aí apercebo-me que a intenção era levar-me a falar do Justino. E eu por norma não falo. Então digo: eu, com 20 milhões de dólares?! Cantava melhor que o Pavarotti. Depois fazem uma montagem, e põem a rolar várias vezes, durante muitos meses. Deixei de me chamar Machadinho, Armando Machado, Armandinho, presidente, deputado, enfim. Passei a ser o Pavarotti. Daí as senhoras, que passaram aqui à porta de casa, terem perguntado se eu canto. Eu disse não, eu encanto!
"Faltou dinheiro para vencer as eleições na CAF”
O sonho da presidência da CAF foi bom
para o futebol angolano?
Foi uma série de países que me incutiu
isso, porque eu era membro da FIFA, como presidente da FAF.
Mas fez um estudo e viu que tinha condições de tirar Issa Hayatou do cargo?
Completamente. Faltou dinheiro. Digo
que um milhão de dólares. Não tenho dúvidas nenhumas, que se me tivessem
apoiado com esse dinheiro, que depois poderia repor, ganhava as eleições.
Só que a prática mostrou que perdeu de forma copiada…
Sim! Não tive o apoio para segurar as
14 federações que garantiram o apoio. Nessas coisas há sempre a contrapartida
do dinheiro. Esses dirigentes viram as minhas intervenções nas reuniões da FIFA,
e estavam comigo. Mas queriam algum. Na altura Angola não tinha dinheiro.
Em 1993 o seu elenco federativo conseguiu organizar o campeonato, com o país a sair do conflito pós-eleições…
Vamos lá ver. A experiência de vida e
experiência de dirigismo desportivo, a veia empresarial da pessoa, fazem com
que um homem tome decisões para colocar as coisas nos seus carris. Era isso que
eu tinha. Era um indivíduo de pulso, que assumia. Tinha uma boa direcção. Cito
nomes. O Manuel Costa, que era do Ministério do Trabalho. Irmão do Rui Costa. O
João Lara, o Victor Barros. O Rui Falcão Pinto de Andrade, o Diógenes Boavida.
O árbitro João Madeira. Eu tinha um elenco bom, que também me aconselhava. E eu
era um indivíduo destemido, ponderava bem e fazia. Tinha ainda o Amílcar Silva,
que era o presidente da Assembleia-Geral.
A institucionalização da Supertaça Armando Machado seria um justo reconhecimento, por tudo que deu ao futebol?
Sim. (risos) Mas isso não depende de
mim. Nem eu quero que as pessoas pensem que eu quero ter o nome dado à prova,
ou ao troféu.
Partindo do pressuposto que as pessoas devem ser reconhecidas em vida…
Isso é que deve ser! Eu acho que
efectivamente eu merecia um apoio mais forte, por parte do dirigismo
desportivo, porque por parte dos homens que falam e escrevem sobre desporto, eu
tenho este apoio. Agora o dirigismo desportivo, que dá origem a essas
distinções… Não sou eu que me vou fazer ao reconhecimento. A Palmira Barbosa,
foi minha atleta! A ministra anterior, Ana Paula do Sacremento Neto, foi minha
atleta. Elas estavam no Petro e viram o que fiz pelo clube. Há reconhecimentos
que dependem das pessoas que dirigem o desporto. O certo, é que da mesma forma
que existe Pavilhão Victorino Cunha, existe o Estádio Ndalu; de mim ninguém
quis saber. O povo, esse é meu amigo.
CORTE NO ORÇAMENTO DO CLUBE
"O 1º de Agosto faz falta ao país”
O 1º de Agosto está a atravessar uma crise financeira severa. Apoia o corte do orçamento do clube?
Ainda bem que me fala disto. Não
concordo com essa situação do 1º de Agosto. Um clube que representa as Forças
Armadas do nosso país. Um clube que representa um exército. Seja por questões
for. Acho que o Governo angolano também deveria interferir nisto. O clube tem
um património invejável de formação, no desenvolvimento de várias modalidades
do desporto no nosso país. É um crime o que se está a fazer. As próprias Forças
Armadas não deviam deixar cair o 1º de Agosto da forma como cai, por um milhão
dólares, dois, três ou quatro, seja o que for. De forma nenhuma. Há aqui uma
coisa interna que a gente não entende. Não se deixa cair um clube assim. O 1º
de Agosto faz falta ao país. É um clube com representatividade dentro do país.
Foi o primeiro clube que começou a trabalhar o desporto com cabeça, tronco e
membros. Depois é que veio o Petro. Portanto, eu lamento profundamente que não
haja, a nível do nosso país, uma autoridade que efectivamente recomponha as
coisas. Isso não é difícil de fazer. Um clube daqueles não pode morrer!
Qual é a saída. Passa pela Assembleia-Geral?
A nível da Assembleia, do Ministério da Defesa, do Interior. De tudo!
Huambo e Huíla deixaram de ser potências desportivas. Será por falta de apoio dos governos provinciais, ou inércia dos dirigentes?
As duas coisas. Porque lhes falta a
fortaleza do dirigismo desportivo. Como os governantes não estavam preparados
para esses casos, todos os clubes morreram.
Casou sempre o dirigismo desportivo com o empresariado. Era já um protótipo do gestor desportivo?
Lógico! Como eu sabia que a nível
governamental as coisas e as pessoas não tinham essa tendência, não estavam
preparadas para isso, eu reagia por criação e formação própria. À minha
maneira, criando metodologias que dessem para colmatar essas dificuldades. É
preciso é matar a pulga. Esta foi sempre a minha estrutura e a forma de estar.
Daí ter oferecido tudo quanto tinha.
Que leitura faz do actual momento do futebol angolano?
Uma leitura má. Não quero falar
directamente das pessoas da Federação. Falo de um conjunto federativo, que
efectivemnte não tem o mando necessário e dirigismo desportivo, para pensar que
tem de realizar um campeonato. Há coisas que nem sequer compreendo.
Victor Geovety Barros chegou a dizer que o futebol angolano era uma mentira…
O futebol sempre teve e tem, a nível
do mundo, não vou chamar corrupção, mas manobras financeiras para as pessoas
poderem colher melhor os seus frutos. Mas daí chamar corrupção, não! Recordo-me
perfeitamente, quando fui presidente da Federação, que um dia, por questões
ilegais, o Kabuscorp desceu de divisão. Não houve reclamação, não houve
absolutamente nada, porque eu tinha bases que davam origem que tivéssemos tido
tal procedimento.
Há excesso de Direito na gestão do futebol?
Claro! No meu tempo não era assim. E
já havia absolutamente tudo, mas ninguém excedia.
Achou normal Noberto de Castro ter sido impedido de concorrer, nas eleições passadas?
Não há dúvida nenhuma que foi um
grande erro que se praticou. E vocês, que são homens da comunicação social,
devem usar a força que têm, para esclarecer as coisas.
A Liga ficou na gaveta. Encontra fundamento?
Não. Isso é claramente uma questão de
falta de gestão. Há receios que não se compreendem da parte de quem dirige a
Federação. Deve haver uma gestão imparcial, correcta e honesta. As associações
provinciais também têm responsabilidades, porque são elas que elegem. São elas
que apoiam. Agora, não sei sem têm gente qualificada, à altura, que possam
fazer com que os dirigentes federativos respeitem as suas decisões.
E quando é que o centro de treinamento sai do papel?
Quando não me recandidato, eu tinha o apoio de João Havelange de 35 milhões de dólares, para fazer o centro de treinamento, com dois campos de futebol, duas quadras de basquetebol, uma pista de atletismo, hotel de quatro estrelas e um centro de recuperação física. E deu-me um milhão de dólares, que eu entreguei ao Justino Fernandes. Falei abertamente que entregava um milhão de dólares, um hotel e uma sede. A sede passou para o andebol. O hotel desapareceu e o um milhão de dólares, não o que fizeram dele.
BI
Nome completo - Armando Augusto Machado
Data de nascimento - 2 de Janeiro de 1940
Localidade - Huambo
Filiação - Carlos Alfredo Machado e Palmira Rodrigues Carmelino Machado
Estado Civil - Divorciado
Habilitações -Secções preparatórias dos institutos industriais
Línguas - Português e Umbundu (entende)
Filhos - Três (3) filhas
Música - Gosta de música moderna
Cinema - Gosta de filmes, mas há muito não vai ao cinema
Religião - Cristão católico
Roupas - Veste-se de acordo com as suas actividades do dia
Hobbies - Desporto (futebol)
Amigos - Muitos conhecidos e alguns amigos (Amílcar Silva, em memória)
Prato preferido - Muamba. Por causa da saúde, já não come muito
Bebida - Deixou de beber uísqueSeja o primeiro a comentar esta notícia!
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