Entrevista

Sabino Henda: “As Forças Armadas são um grande símbolo de unidade nacional”

Analtino Santos

Jornalista

Músico que começou a despontar muito cedo no Bié, Sabino Henda concedeu esta entrevista ao Jornal de Angola com revelações interessantes da sua trajectória artística e de vida e sobre as suas conquistas, com realce para o Top dos Mais Queridos. O autor de “Embrião”, depois de se fazer homem e artista enquanto militar, tem agora a missão de dinamizar o movimento artístico nas Forças Armadas Angolanas, onde está a criar e a dinamizar as brigadas artísticas central e dos ramos

01/10/2023  Última atualização 07H00
© Fotografia por: Francisco Lopes | Edições Novembro

Como tudo começou?

Eu nasci no ponto zero de Angola, em Camacupa, no Bié. Foi lá onde comecei a caminhar para esta sagrada aventura da música que, na verdade, me tem dado muitas alegrias, a conquistar muitas almas e a fazer felizes muitos corações.

 Tem como base musical a religião, onde tudo começou...

Sim, porque foi preciso durante a nossa formação passarmos pela igreja. Os mais velhos queriam formatar-nos de modo diferente porque a vida é muito dura e esta é uma forma da boa educação que eu pude usufruir. Aliás, ajudou-me muito a ter esta compreensão de saber amar e respeitar o próximo, assim como de ter a capacidade de ponderar antes de dar qualquer passo.

 
O primeiro prémio que recebeu foi uma Bíblia?

Positivo. Lembro-me que, na altura, cantei "Senhor, eu queria que o mundo acabasse para confessar os meus pecados, Deus fez o homem e a mulher também para que todos um dia se amassem, mas nada disso aconteceu porque o homem tornou-se um pecador”. Olha que isto foi muito antes do "Terra do trabalhador”, mas nem sei como fiz este tema porque era muito miúdo para escrever algo deste género e com este pensamento. A igreja tinha muitos mestres e o nosso professor da catequese acompanhava-nos. Aos nove anos de idade decidi participar num concurso no meio de vários kotas. Neste dia consegui ganhar o afecto dos mais velhos e como prémio tive uma prenda bem gostosa, que foi uma Bíblia Sagrada.

 
Conte um pouco do ambiente cultural no Bié…

Olha, na minha fase, foi difícil porque o legado tinha sido cortado, uma vez que os mais velhos que faziam música nos agrupamentos conhecidos, depois de 1975, desistiram da vida artística. Nós tínhamos muito poucos cantores e então não tínhamos grandes referências para marcar passos. E foi um bocado difícil do meu lado. Tive que ir a busca de outras fontes para ter inspiração até conseguir formar o primeiro agrupamento musical com os mais velhos, que foi Os Proletários. Era apoiado pela nossa Administração e depois criámos Os Ndundumas do Bié. Aí já tínhamos conseguido convencer grande parte da nossa juventude ao conquistar um mercado na província e tínhamos mais pernas para andar.

 
Nos Proletários, o então puto Sabino Henda o que fazia?

Comecei a tocar congas. E como era miúdo fazia coros e cantava uma ou duas músicas. Na altura, tínhamos apenas uma guitarra e baixo antes da Massificação mandar a primeira aparelhagem. Depois disso a coisa evoluiu e tocávamos assim com teclados, bateria e mais aparelhos, mas quando o baterista desistiu, eu comecei a tocar este instrumento.

 
Quem foram os colegas nos Proletários e nos Ndundumas do Bié? 

Olha, o guitarrista era o tio Tony, pai da Linda Chilombo.   Nos Proletários comecei com Rudolfo Edukeni, que era o trovador e fazia baixo. Foi ele que me ensinou os primeiros toques para a trova, e o mais velho Abraão na guitarra ritmo. Formámos o primeiro núcleo, na altura, a que depois se juntaram  outros. Era o nosso agrupamento musical, como falávamos na altura.

 
Usando uma linguagem desportiva, tinha idade de juvenis e competia com os seniores?

É verdade. Esta foi a minha escolha. Foi aí que comecei a aprender a tocar um bocado de guitarra de percussão, a compor melhor em relação aos outros que tinham a minha idade. E tudo isto fez com que eu amadurecesse com facilidade.

 
Por isso nessa fase era o representante do Bié em quase todos os concursos musicais. A título de exemplo, quantas vezes representou o Bié no Top dos Mais Queridos?

Olha, de 1986 a 1990 representei o Bié, mas só consegui os lugares cimeiros quando representei Luanda, porque é de todos nós. Aqui todos podemos fazer vincar aquilo que melhor sabemos fazer, daí que é a capital e todos podemos ser campeões e vencedores.



Havia um movimento de artistas nacionais para o Bié?

Sim havia.  Por exemplo, foi assim que eu conheci o Babulú como baterista no Kuito, acompanhei-o um bocado porque com a idade que eu tinha não podia entrar em sítios de festas mas a nossa traquinice levou-nos a acompanhar muitas coisas. O Babulú foi o primeiro artista que me fez ver o quão bom é tocar a bateria.

 
Quando apareceu, em 1986, mesmo distante da capital começou a ganhar o seu espaço a nível nacional…

É verdade. Os festivais fizeram com que as nossas vozes ecoassem em toda a parte de Angola, numa altura em que não tínhamos discos. A promoção vinha a partir dos festivais e da rádio e da televisão, por isso foi fácil construirmos este nome que hoje sustenta a nossa musicalidade.

 
Temas como "Mãe Alice” e "Terra do Trabalhador” marcam esta fase. Conte um pouco sobre esses temas…

"Mãe Alice” é a minha mãe biológica, que não conheci. A letra diz que eu queria me encontrar com ela e mesmo lá onde estiver saiba que eu a amo muito. Vivi e fui feliz com as minhas tias, digo que tive várias mães, porque, no nosso seio, a adopção não existe. E também tive vários pais de lá para cá. "Terra dos trabalhadores” é uma das minhas primeiras canções: "Vejam só como é lindo o nosso país, como é rico o nosso país, Angola terra que não guarda as suas verdades, nós queremos fazer dela a terra dos trabalhadores”.


Também tem uma passagem pela trova… 

Sim, mas na altura não tínhamos grandes técnicas. Comecei a participar nas brigadas artísticas, nos festivais, a interpretar canções revolucionárias de motivação.

 
Esta foi uma boa fase para os trovadores?

Exactamente. Estávamos nos lugares cimeiros da nossa música. Na altura, os trovadores estavam a mandar porque o momento assim o permitia. Era o tempo de construção de uma nova personalidade para enfrentarmos o mundo que vivíamos no pós-independência, daí que os trovadores tinham a palavra com a mensagem necessária para que existisse este tipo de personalidade para enfrentar a nova Angola que estava a nascer.

 
Quando vem para Luanda?

Entrei para as FAPLA em 1987 e comecei a fazer tropa na 4ª Região, Centro-Sul de Angola, e depois fui transferido para Luanda para formar as brigadas artísticas, mas já  havia uma que era o Facho. Nós viemos para formar as brigadas dos diferentes ramos militares, porque, inicialmente, todos pertencíamos ao Facho, que era a única ao nível das Forças Armadas. Posteriormente ficou como a Brigada Central. As colaterais, dos Ramos, nós formámos, em 1987, nomeadamente a 21 de Janeiro, a 10 de Julho, a Regimental, a 1º de Agosto e outras.

 
E depois o seu espaço foi no 10 de Julho?

Sim, afecto à Marinha de Guerra, que lançou muitos músicos. O 10 de Julho era um grupo que tinha muitos jovens conhecedores e com talento para as artes, cada um à sua maneira. Para mim, foi uma grande escola mas com variadíssimas matérias próprias para poder formatar um artista como bom compositor, produtor, instrumentista e outras valências para enfrentar o mercado. Como exemplo, o Santos Figueiredo, o Nando Batera, o Sissi Lemos, o Vinos, o Nonó, o Paulito, o Don Carlos e tantos outros.  Neste tempo, recordo o trecho "Às vezes penso que neste mundo não há quem me ensina à vida amar”, que depois o Rey Kuango transformou em reggae. Esta era a música com que abríamos os espectáculos. Em Portugal, com ela ganhou o top e foi bom, porque  conseguiu levar a nossa música além fronteiras. Só temos de agradecer pelo trabalho que ele fez, porque nos encorajou a continuar a compor e a acreditar que afinal podemos fazer alguma coisa que pode ser "servida” em qualquer parte do mundo.


Naquela fase, o 10 de Julho começava a frequentar vários bairros de Luanda, com destaque para o Rangel…

Sim, pois era lá onde ensaiávamos, em casa da Mana São. Tínhamos condições fora do quartel para acompanhar os artistas nos centros recreativos. A nossa sede na Ilha ficava distante para muitos artistas. Também porque grande parte ensaiava lá com uma antiga banda. Era um espaço onde nos sentíamos confortáveis para trabalhar e criar.


As Forças Armadas conseguiram congregar gente de todas as regiões...

As Forças Armadas são um grande símbolo de unidade nacional, onde se encontra grande parte dos angolanos. E conseguem conviver em harmonia. Daí que sempre foi o espaço com uma grande valência para produção de personalidades de várias áreas do saber. E as artes não ficam a dever a este elemento. É assim que aqueles que despontaram no music hall nacional, na altura, estavam alinhados nas Forças Armadas de Cabinda ao Cunene. Daí que Adão Filipe, Nguxi dos Santos e outros tiveram mesmo que se juntar a este grande movimento. Só para ver que, até 2002, Adão Filipe realizou actividades que ninguém mais queria fazer. Olha que tocar no Kuemba, Lumbala Nguimbo e outras localidades não era fácil. É de louvar a iniciativa dele ao conseguir juntar as pessoas e convencê-las a fazer com que o angolano aí onde estivesse continuasse a ter a coragem de viver mais um dia, de produzir e aceitar a angolanidade mais um dia.

 
Nesta fase surgem as gravações dos militares, com a explosão de Jacinto Tchipa…

Sim, nesta altura surgem Tchipa, Mamborrô, Diabick… com Eduardo Paim eles tiveram uma grande vantagem posicional, porque estavam em Luanda e todos estávamos com muita sede de música nossa feita por angolanos e com outra linguagem. E era preciso que abordassem os novos passos. Todos bem posicionados na CT1, com um instrumentista de ponta. Eles conseguiram tirar proveito e contribuir, e de que maneira! Agradecemos-lhes imensamente porque conseguiram transformar a música nacional e deram-nos coragem para continuar, principalmente para aqueles que cantavam em línguas nacionais.

 
Naquela fase, quem gravou as primeiras músicas de Sabino Henda?

As primeiras foram mesmo com os Ndundumas do Bié, depois passei a gravar com o 10 de Julho. Conheci o Chico Madne, o Maninho e assim fui andando...

 
As mudanças políticas no país, como o multipartidarismo em 1991, também afectaram o cenário artístico?

É verdade. Olha, eu tive uma fase um bocado difícil no pós-1992, porque foi quando se abriu o mercado e nós deixamos de depender de apoios. Antes não precisávamos de procurar sítios para cantar, a UNAC resolvia tudo e publicava a escala dos artistas inscritos com actuações nos centros recreativos Gajajeira, Mãe Preta, Guedal e outros. A nossa preocupação era apenas ir ensaiar com o grupo. Tínhamos um caché pré-definido e o contratante não tinha de discutir connosco porque já sabia que este artista tinha a letra A, B ou C. Infelizmente esta era foi muito curta para mim, porque ja encontrei os mais velhos e quando terminou tivemos que nos entregar ao mercado e depender deste. Foi muito difícil porque nem conhecíamos quem é Adam Smith com as técnicas de economia e entramos nesta onda sem conhecer como o mercado se reproduz, desenvolve ou como podemos investir e buscar retornos. Nem capital inicial tínhamos e na verdade foi muito difícil. Mas a vontade de continuar nos palcos e de ser Sabino Henda fez-nos continuar a sonhar.


Dos festivais aos discos, de "Sobrevivo Só” a "De Lá para Cá”…

Também surgem os festivais para nos incentivar. E a vontade de motivar era tão grande que a luz no fundo do túnel foram estes festivais. Graças a eles comecei a vislumbrar alguma possibilidade de continuar a fazer soar a minha voz, ideias e a manter os meus fãs no rumo para o qual me predispus a levá-los. Deste modo, comecei a participar nos festivais sem nenhum propósito de vitória. Por exemplo, fui ao Festival da Canção da LAC não para vencer, mas parece mentira, todos os anos o meu nome estava sempre a ser promovido, durante quatro anos. Ficava sempre nos lugares cimeiros, mas nunca saí dele sem nenhum prémio, com a melhor letra, melhor canção e apenas não fiquei com o principal. Foi uma temporada muito boa, com a música e o seu nome a passarem constantemente na rádio, foi um ganho grande. Mesmo sem disco no mercado, foi desta maneira que consegui fazer os primeiros sucessos e a despertar, na altura, os produtores Adão Filipe, Mateus Cristóvão, Afonso Quintas, Salú Gonçalves, que tinham os maiores espectáculos onde eu queria participar e assim consegui ganhar público e admiradores com a minha forma de estar e ser em palco. Mas a grande promoção foram os festivais.

 
Depois começam as produções discográficas…

Sim. Olha, fiz o "Sobrevivo só” na fase das cassetes. Com este trabalho aprendi a estar no estúdio, o que fazer para promover uma música, a relação com a fotografia, fazer a capa, distribuição… E infelizmente acabei por me perder. Um artista não pode fazer tudo isto. Na época eu não tinha um produtor, distribuidor, gestor de espectáculos, digo que este disco foi uma aventura saudável, porque foi um investimento financeiro que não teve retorno. O pouco angariado nem cobria 10 por cento, mas foi um grande aprendizado. Na altura, a pirataria tomou conta da situação, venderam-se muitos discos mas não tivemos patavina nenhuma.

 
Digamos que foi uma das primeiras vítimas da pirataria…

As cassetes começaram a ser vendidas antes de terminar o disco e nós nem sabíamos de onde estavam a sair. O Santos Figueiredo estava a misturar algumas músicas mas estas já tocavam e eram vendidas. Na altura não tínhamos a quem recorrer, foi um aprendizado um bocado doloroso, o disco foi lançado em finais de 1997. Grande parte dos temas eu fiz com o 10 de Julho, como "Sobrevivo só”. Este tema voltei a colocar no disco "Poeira Velha” e, se não estou enganado, voltou a estar nos ouvidos das pessoas.

"Se a vida não me dá o prazer de viver como os outros, sobrevivo só”. Parece que marca muita gente…

Sim, porque ela retrata um momento que vivíamos, como viviamos e queríamos ser. Na verdade tocou muito as pessoas e não sei se ainda diz alguma coisa às pessoas, por isso que às vezes evito cantar. Parece que o "Sobrevivo só” está muito fora de moda, agora as pessoas dizem que não sobrevivo, mesmo estando nesta senda da sobrevivência.

 
Quais foram as motivações para este tema?

Eu apenas queria inentivar as pessoas a continuarem a aceitar-se, mesmo com todos os problemas que tiveres, deves primeiro acreditar em ti, olhar para ti com o potencial para poderes atingir os objectivos e não olhar para outrem, porque dentro de nós temos forças suficientes. Por isso digo "Se a vida não me dá o prazer de viver como os outros, sobrevivo só”, e este "só” pode ser de sozinho ou de sou.

 
Depois lançou o segundo disco, "Hami Olõ”…

Foi em homenagem ao Variante 2000 que venci e que, para mim, foi, na altura, o ponto mais alto da carreira. Vencer um concurso como o Variante era um prémio imensuravel. Nesta edição participei com os maiores artistas da música em Angola, só para citar estava o Mito Gaspar, o Calabeto, o Dom Caetano, muito conhecidos e bons no que fazem. Aquilo era saber em que nível estava em relação a estas figuras, e, felizmente, consegui fazer uma canção que foi classificada como vencedora. "Hami Olõ” significa "Estou aqui e consegui”. A musica é um kilapaga. Neste disco está o "Embrião”, que depois voltei a colocar no "Poeira Velha”.


Fale do tema "Embrião”, de onde surgiu a inspiração para este sucesso intemporal?

A explicação que convence até hoje não consegui dar, porque a inspiração todos nós procuramos e quando chega nunca ninguém sabe se de facto veio. Foi num momento que estava a sofrer muito, a precisar de luz para viver, numa altura em que as minhas cargas positivas estavam a descarregar e que precisava de dizer alguma coisa a mim mesmo. Esta coisa de amar muito a vida, o próximo e aquilo que queremos fazer amanhã é o que me fez dizer "De tanto amar cometi muitos pecados, rebusquei quase meio mundo para enconttar mil formas para te conquistar”. Na verdade com esta música consegui palcos, credibilidade, mais fãs, em suma, algum retorno do investimento anterior.

 
Quem está por trás deste sucesso?

A pré-produção foi do Sissi Lemos. Tudo começou em casa da mãe dele, no seu teclado e depois em estúdio o Nelo Paim está nos teclados, temos o Nonó dos Versatéis, o Pedrito, com a captação do Beto Max e o Kiki Júnior. Na verdade esta não era a música que eu estava a promover mas é a que mais tocou. Eu queria dar maior visibilidade às minhas sunguras e às músicas tradicionais.

 
Este é o outro lado de Sabino Henda, o de trazer os ritmos ancestrais. Quando apostou nesta vertente?

Comecei a fazer sungura no primeiro disco. Lembro que fiz uma música depois de ganhar o concurso dos Direitos Humanos. Havia um italiano, Eurico, que trabalhava nas Nações Unidas, que me incentivou  muito a fazer sungura. Também havia o espanhol Afonso. Eles gostavam e o público estava a corresponder, então, tudo isto proporcionou que começasse a acreditar. E a minha ligação aos ancestrais veio mesmo para mostrar que, na verdade, somos angolanos e estamos aqui. Eu gosto de ser acompanhado no sungura, que, na verdade, trato por mutela. Sungura é uma fábrica de discos do Quénia, mas os nossos tataravôs já cantavam o estilo com mbumbumba, alguma guitarra de madeira e outros instrumentos para levantar a poeira.

 
Vamos agora à música e disco "Poeira Velha”…

Interessante. E há um particular em relação a esta música, que eu lancei numa fase em que o título não era muito sugestivo em 2002. Uns menos entendedores perceberam outra coisa e provocaram em mim constrangimentos que ainda carrego hoje. 

 
O que aconteceu?

Quando fiz esta canção fui convidado pelo camarada Manuel Sebastião para ir conviver com os nossos mais velhos no Beiral e lá interpretei a sungura, as nossas vindjombas e eles dançaram. Foi assim que comecei a escrever "Poeira Velha”. Olhei para os mais velhos que queriam ainda dar um pé de dança, contar a história, namorar uma senhora… Então, deduzi, nós levantamos poeira velha, mexemos com o velho porque mesmo sendo velho o seu coração continua menino. Mas, na verdade, a má percepção da coisa me trouxe um certo desequilíbrio.

 
Então, depois retirou essa música do alinhamento?

Não o fiz, mas como o tempo cura tudo, depois começou a vir ao cima o que é que, de facto, a música queria dizer, porque muitas pessoas começaram a passar pelo que  ela diz. Os bons entendedores começaram a pronunciar-se e a agradecer o facto de eu ter feito esta canção e passaram a ver nela o que eu também vi nos mais velhos do Beiral, eles viam nos seus pais e avôs e reflectiam no que serão amanhã. Na verdade de 2002 a 2013 foi difícil, mas ultrapassamos, estamos aqui vivos, talvez tenha sido preciso passar por um solavanco para amadurecer um bocado mais. E estamos aqui.


Fale da sensação de vencer o Top dos Mais Queridos…  

A gala foi realizada em Luanda e eu vinha de uma tourneé. Na verdade fui para assistir e no fim estou a ouvir que o primeiro classificado era o Sabino Henda… Na altura não fazíamos campanha e eu estava mais virado para os espectáculos.  O "Embrião” é daquelas músicas que depois do Top dos Mais Queridos, até hoje, está a viver. Portanto, já tinha algum potencial. As pessoas que fizeram que ela ganhasse sabiam o que nós desconhecíamos na altura em que votaram. Perceberam de forma rápida e nós muito devagar. Foi uma boa experiência para mim.

 
Apenas coisas boas aconteceram?

De fora é muito bom ver alguém a ganhar, cantar vitória parece muito bom, mas tem uma carga negativa também muito forte. E deves ter a capacidade de te manteres, de modo a não resvalares no erro daqueles que sempre te detestaram. Como vão enfrentar-te quando recebem a notícia de que venceste o prémio que eles não têm, é difícil. É duro. Até os amigos que você pensa que estão contigo, de repente se transformam e tens de estar ali com a tua pose de vencedor e de que está tudo bem. Esta é a carga da vitória. Há um puto que me disse "Velho, uma gota de sucesso traz consigo um oceano de inimigos”. Portanto, aquele momento é para se viver mesmo, aumentar o número de revanchismo e ter forças para continuar, porque são poucos que conseguem te empurrar e dizer "mano, tenha fé e mantenha o nível da psique do lado certo, depois de uma vitoria como esta”. Digo que também foi um período difícil mas gostoso.


Depois disponibilizou o disco "De cá pra lá”…

Deste projecto eu tirei um disco, o livro e a minha licenciatura. Eu não tinha expectativas de tirar mais algum disco, porque não estava a ver rentabilidade. Chegas à fama, a atingir até a Europa, mas retorno financeiro não tinha… Não vejo nenhum artista que atingiu os grandes palcos e hoje consegue gravar um disco com valores próprios. Todos dependemos de patrocínios, temos de mendigar sempre. Então pensei em fazer alguma coisa em que pudesse me sustentar sem ter que me endividar muito, a ponto de me vender. Então parei. Mas apareceram dois amigos que perguntaram "Jovem não queres estudar mais um bocado?”   Ofereceram-me uma bolsa. Consegui me alegrar e nesta senda comecei a estudar um bocado mais e acabei por me formar. Antes de 2006,  comecei a pensar como fazer com este título e assim decidi:  "Vou tirar um álbum, sem promoção e oferecer no dia em que receber o grau de licenciado, porque não estou a pagar a escola”. Senti a necessidade de oferecer algo novo a este ciclo de vida. Porque pela bolsa fui representar os estudantes no Panamá, Cuba, Brasil, ou seja, vivi o mundo artístico de uma forma diferente. Dou graças aos estudantes que me deram esta força e espero que façam com outros o mesmo que fizeram comigo, porque existem muitos com potencial e não têm a oportunidade que tive. E assim fiz o disco e escrevi alguns artigos.

 
Depois o bichinho da academia continuou...

Sim. Fiz dois mestrados. E o doutoramento não estou a conseguir, porque agora a prioridade é a formaçao dos filhos e tapar alguns buracos. Neste momento estou focado noutras áreas, como a frente  das Brigadas Artísticas das Forças Armadas, porque tenho um determinado ponto de chegada.


Uma missão interessante, porque muitos querem saber como está o movimento artístico nas Forças Armadas…

Ainda bem que levanta esta questão, porque também foi uma luta para retomar. E agradeço, em primeiro lugar, aos líderes, os comandantes das Forças Armadas Angolanas por aceitarem, na sua orgânica, congregar artistas de todas as áreas para ajudar este nosso celeiro artístico nacional. Na verdade têm o foco na defesa da soberania nacional e abriram esta brecha e nós, artistas, devemos agradecer pelo facto de nos darem espaço. Estamos a tentar continuar com as brigadas antigas, como a 10 de Julho, 21 de Janeiro e O Facho que hoje é a Brigada do Estado-Maior General. Estamos no bom caminho. Temos os três ramos organizados, uma região militar com uma brigada artística e estamos a criar a Brigada Central das FAA, como tinhamos outrora. Ela é que sustentará grande das necessidades das outras brigadas e das actividades macro. E aqueles que já têm um alto nível de produtividade dentro das artes e cultura vamos absorver dentro da Brigada Central das Forças Armadas, que está em curso e tenho fé que há-de dar certo e vai ajudar mais uma franja dos fazedores das artes. Queremos enriquecer este grande celeiro do nosso mosaico cultural que é preciso dentro das nossas Forças Armadas, porque a cultura é transversal e está em todas as áreas e nós precisamos muito deste manancial, porque desperta o patriotismo, humanismo, civismo, cidadania e tudo mais. A nação só se sente bem quando está bem culturalmente, portanto, as Forças Armadas fazem isto e muito bem. Olha, no tempo das lives o nosso espectáculo foi um prótipo da Brigada Central onde estarão representados todos os ramos, órgãos e estabelecimentos das Forças Armadas.

 
À semelhança do que acontece nos desportos, com os jogos militares, podemos esperar algo nas artes?

Na verdade, já realizámos um, mas a pandemia fez com que amenizássemos um pouco e neste momento estamos a tentar produzir um outro festival que congregue todas as áreas da cultura. Já está em carteira. Quero trazer de novo os nossos trovadores, o exercício da guitarra, os poetas, a articulação da palavra e do bem dizer para motivar o cidadão aos bons actos a partir do trovador. É preciso que haja este movimento. É uma responsabilidade que tenho de cumprir.

 
Antes tínhamos Jacinto Tchipa, Duo Canhoto, Gabriel Tchiema, Sabino Henda e tantos outros. Hoje quem são as estrelas das fardas?

Só precisamos de promovê-los mais, fazer espectáculos e algumas formações. Temos bons executantes e músicos. Por exemplo, há tempos conheci um miúdo saxofonista que tem muito potencial, está a tocar bem mas precisa limar a forma de estar em palco com a fama.

 
Como está a agenda de espectáculos de Sabino Henda?

Vou fazendo alguns concertos, casamentos e aniversários, mas shows mesmo, para mim tem de ser igual àqueles que fiz no Palácio de Ferro e no Memorial, que tiveram uma vertente diferente. Já fiz uma homenagem a Agostinho Neto, com o meu grupo de bailado, tenho uma companhia de dança e teatro, então tenho formato para diferntes actividades. 


Bio-discografia

Sabino Henda nasceu na província do Bié, no município de Camacupa, em 1971. Começou a sua carreira musical em 1980 no programa radiofónico Pió-Pió e com a participação em concursos de danças infantis. Com os amigos, criou "Os Proletários”, cujo primeiro concerto aconteceu no Clube Vitória, a convite do Comissário da província do Bié, na altura Bassovava. Depois o agrupamento teve a denominação "Os Ndundumas do Bié”. Nessa fase foi o representante do Bié em vários concursos nacionais. O artista tem no mercado discográfico os álbuns "Sobrevivo só” (1998), "Hami Olõ” (2000), "Poeira Velha” (2003) e "De lá para Cá” (2007).  

Sabino Henda ingressou na Marinha de Guerra, na década de 80. É actualmente oficial superior e tem um mestrado em Relações Internacionais.

Ainda na década de 80, com a música "Terra do Trabalhador” o miúdo do Cuito conquistou a simpatia nacional. Depois veio "Saudade do Bié”. O então puto que também tocava bateria no agrupamento "Os Proletários” foi marcando passos como representante da sua província natal nos vários concursos nacionais de música. Com o serviço militar obrigatório, Luanda acaba por ser o seu novo espaço, tendo a música como instrumento para as actividades lúdicas e de mobilização dos militares. O cantor sempre esteve activo em todas as etapas históricas vividas pelo país e foi brindando o público com vários sucessos. De todos eles "Embrião” marca o resultado do desenvolvimento e amadurecimento de Sabino Henda como cantor e compositor. Esta música tornou-o num fenómeno de popularidade nacional, o que foi confirmado ao vencer o Top dos Mais Queridos, em 2004. "Poeira velha” é outro sucesso seu, apesar de, inicialmente, como revela nesta entrevista, lhe ter causado "constrangimentos”.


"Poeira velha”

"Mexeram com o velho / levantaram poeira velha / cairam-lhe lágrimas nos olhos quando ouviu uma canção amiga / coração é sempre menino tem prazer de sentir amor / não importa a idade que tiver / vai buscar coisas de longos anos / amigos de verdade, amigos para a vida amigos para sempre / aqueles que não se fazem mais / coração é sempre menino / tem prazer de fazer amor / não importa a idade que tiver / vai buscar coisas de longos anos / amigos de verdade, amigos para a vida, amigos para sempre / aqueles que não se fazem mais”

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista