Entrevista

“Uma paz verdadeira passa necessariamente pelo desenvolvimento e pela justiça social”

Marcelo Manuel | Ndalatando

Jornalista

O O bispo da Diocese de Ndalatando, Dom Almeida Canda, apela cada cidadão a “dizer paz” através da sua vida, do seu agir, do seu rosto. Em entrevista ao Jornal de Angola, Dom Almeida Canda defende, contudo, um investimento no desenvolvimento e na justiça social, argumentando que a ausência crónica da justiça social pode beliscar a paz.

04/12/2023  Última atualização 07H57
© Fotografia por: DR
Qual é a opinião do senhor bispo sobre a paz efectiva que o país vive desde 2002?

Há 21 anos que a pomba da paz voa livremente no céu azul de Angola. Em caminhada longa e árdua, Angola deu e continua a dar passos significativos na implementação do processo de paz. Agradeçamos a todos esta dádiva, tornando-nos dignos dela. Quantos desejos enchem a alma de cada um de nós, ao fazer menção aos 21 anos da restauração de Angola!

Eu desejo, como angolano, que todos nos comportemos uns com os outros em conformidade com o nome com que nos definimos, por sermos todos irmãos da mesma Pátria. E que vejamos, em cada irmão, por quem passamos, com quem trabalhamos, o próximo, a imagem e semelhança de Deus. Deste modo, poderemos trilhar um caminho seguro para se manter a paz e nela acreditarmos.

 
Na sua visão, a paz em Ango- la está completamente consolidada?

Como se sabe, a paz é um processo de amadurecimento e de crescimento. Ela é um bem árduo e tem de ser conquistada passo a passo. A paz nunca se alcança de uma vez para sempre, antes, deve estar constantemente a ser edificada, as causas nobres exigem uma dose maior de compromisso, tenacidade e doação.

Já passamos por momentos difíceis e houve uma grande mobilização e sacrifícios para ultrapassá-los. Não nos podemos deixar sucumbir quando já desfrutamos dos frutos da paz. Precisamos de cuidados e vigilância para que se consolide na rocha firme. Vale a palavra de Gandhi para nós como "um ideal nunca totalmente atingível”.

"Para cada um de nós permanece uma missão constante a aceitação de nós mesmos. Trágico é viver alguém em guerra civil consigo mesmo”.

 
O que é que cada cidadão deve fazer para a manutenção da paz?

Cada cidadão é chamado a "dizer paz” através da sua vida, do seu agir, do seu rosto. É urgente consolidar o que já se alcançou, traduzindo na vida familiar, social e política o princípio do apóstolo Paulo: "vencer o mal com o bem” (Rom 12, 21).

Cada um verá qual é o sector da sua vida, do seu partido e a região do seu coração onde é mais necessário hastear a bandeira branca da paz. Urge fazer guerra à guerra dos nervosismos, das impaciências e intolerâncias, deixando-nos guiar por ideais construtivos e não por emoções derrotistas.

Somos todos convocados para combater o bom combate da alegria, da serenidade, da paz e do progresso social. Serve sempre de estímulo o ensinamento de Santo Agostinho, que considerava sublime e divina,  a tarefa de buscar a tranquilidade da ordem entre os cidadãos, com a máxima de que  "Deve querer-se a paz, mesmo quando se é constrangido à guerra".

 
Quais são os principais problemas que podem beliscar a paz em Angola?

Uma paz verdadeira passa necessariamente pelo desenvolvimento e pela justiça social.

Se é verdade que o desenvolvimento favorece a paz, também é verdade que a paz é factor de desenvolvimento. Por outro lado, a ausência crónica da justiça social pode beliscar a paz. A paz é obra da justiça mas, também, diz a razão humana, onde não há justiça social não pode haver paz, como ensina a experiência.

Se a paz é a tranquilidade da ordem como ensina Santo Agostinho, onde houver desordem, falta a tranquilidade, e onde faltar a tranquilidade, não há paz.

Daí a necessidade impreterível de promover o desenvolvimento e a dimensão social da justiça.

A conquista da paz garante necessariamente a justiça social?

A dimensão social da justiça assenta em vários pilares, que são o seu insubstituível suporte, a saber: direito à educação, saúde, assistência, habitação, água potável, energia e emprego. O mesmo é dizer que a base de toda a tranquilidade e paz sociais está no reconhecimento e coerente respeito pelo primeiro artigo dos Direitos Humanos, o qual vem a ser um resumo e como o fundamento de todos os outros direitos. Reza, assim, que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns com os outros com espírito de fraternidade. Urge, pois, que a dimensão social seja revigorada com maior escuta do nosso contexto social e com acções adequadas, compreendendo formação da consciência moral dos cidadãos, programas para inclusão e desenvolvimento humano integral das pessoas que vivem múltiplas dimensões de pobreza extrema, programas que incluam retransmissão de valores, combate à corrupção e apelos aos gestores públicos a pautarem o seu comportamento pela justiça social.


No seu entender, quais são os principais ganhos da paz na província do Cuanza-Norte?

Entre os ganhos da paz na província do Cuanza-Norte, merece especial consideração o sector energético.

Felicitamos o Governo da Província por este bem tão precioso e pelo esforço empreendido na extensão da rede a todos os municípios.É desejo de todos que o programa contemple, também, as comunas que não foram abrangidas na primeira fase. Que o Governo invista ainda mais neste sector para a cobertura total da província, que honre os compromissos assumidos nas últimas eleições, para que haja honradez na palavra e acção. Só procedendo assim os governantes se tornam dignos da confiança do povo.

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