Entrevista

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Isaías Kalunga: “O foco dos jovens deve ser o empreendedorismo”

Nilza Massango

Por ocasião do Dia Nacional da Juventude, que se assinala hoje, o Jornal de Angola entrevistou o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Isaías Kalunga, que aconselha os jovens a apostarem no empreendedorismo, como resposta ao desemprego, que continua a ser uma das maiores preocupações da juventude angolana.

14/04/2024  Última atualização 08H15
Isaías Kalunga apela aos jovens a manterem a fé em Deus e nos homens que lideram o país © Fotografia por: Arsénio Bravo | Edições Novembro

Enquanto líder juvenil, como caracteriza o jovem angolano?

Caracterizo o jovem angolano como honesto, humilde, trabalhador, esforçado, que vejo que precisa de ser mais servido, mas também deve ir atrás para que isso seja um facto. Considero o jovem angolano resiliente, que gosta de trabalhar, apesar das poucas oportunidades de emprego que o país oferece.

Quais são as grandes preocupações apresentadas pelos jovens?

Nós realizámos vários encontros de auscultação, uma vez que a nossa missão é também ouvi-los para que os próprios possam falar dos seus problemas e, com o CNJ, encontrar soluções. Portanto, a falta de emprego é o que mais aflige os jovens. Há um esforço do Executivo, liderado pelo Presidente João Lourenço, mas devemos reconhecer que o nível de desemprego é muito acentuado no seio da juventude.

Qual tem sido o conselho para os jovens que ainda estão desempregados?

Temos aconselhado os jovens a serem cada vez mais resilientes e apostar no empreendedorismo, sem esperar unicamente ser empregado do Estado. Os jovens têm de ser empreendedores. Defendo que o empreendedorismo é o caminho para o desemprego dos jovens. Por essa razão é que o CNJ tem procurado criar projectos e programas que possam transformar muitos jovens em empreendedores, para, depois, darem emprego a mais pessoas. Acredito que, se cada jovem poder gerar emprego, vai poder também desafogar, posso assim dizer, o seu seio familiar. E, depois, apoiar outros, vizinhos, amigos, e assim ajudar a reduzir a taxa de desemprego. Nisso, aconselhamos os jovens a fazer formações de empreendedorismo, e o CNJ ajuda nesse sentido da formação, com financiamento dado por instituições financeiras bancárias e não-bancárias que têm parceria com a nossa organização juvenil.

Pode citar alguns ganhos, que beneficiem de facto os jovens, resultados das parcerias existentes, não só na formação, mas também para o emprego e habitação?

A título de exemplo, no dia 11 visitámos o shopping Nova Era, cujo proprietário é o dono da Cidade da China, onde, além de nos serem dados quatro mil empregos para a juventude, via CNJ, vamos ver também a possibilidade de encaminhar cerca de dois mil empreendedores que vão ter espaço no chamado "Mercado livre”. Naquele local, está em construção uma zona com lojas e bancadas para jovens empreendedores ou com iniciativas empreendedoras, a serem encaminhados pelo CNJ. 

O que mais é dado aos jovens por via do CNJ?

O CNJ, sendo a plataforma que congrega 51 organizações juvenis, tem a responsabilidade de reivindicar, junto do poder público, os interesses dos jovens. É assim que nessa reivindicação vem o percentual de habitações que a Lei define para a juventude angolana. Anteriormente, 30 por cento de todos os projectos habitacionais construídos com capital público eram dados à juventude. Actualmente, isso reduziu para 20 por cento.

O CNJ defende que esses 20 por cento devem ser entregues a jovens patriotas, que ajudem a construir uma sociedade melhor para se viver. Esses devem ser os primeiros beneficiados.

Quantos jovens já beneficiaram de habitação, desde que assumiu a liderança do CNJ?

São aproximadamente três mil jovens em todo o país, na vigência do nosso mandato. Em Luanda, com 1.120, no Condomínio Vida Pacífica. Os demais estão nas outras províncias com centralidades, como Benguela e Huíla, onde se atribuiu uma quota aos conselhos provinciais da Juventude.

Quais são os objectivos do projecto Cidade Agrícola da Juventude Angolana?

Vamos construir, na comuna de Quicabo, município do Dande, 180 habitações de campo para famílias de jovens, que vão estar lá a viver e ser inseridas em cooperativas de produção agrícola, que vão explorar cerca de 10 hectares de terras. Vamos levar para a comuna do Quicabo, num perímetro de 300 hectares, cerca de 300 pessoas, para viverem lá. Vamos construir, além das habitações, escolas, centros de saúde e outras infra-estruturas básicas de apoio à futura comunidade. Queremos que muitos dos jovens desempregados, com vontade de trabalhar, e com família, possam viver na cooperativa. Só para se ter uma noção, o cultivo de 10 hectares de batata rena pode dar uma colheita no valor de 80 milhões de kwanzas.

Para o efeito, foi assinado um memorando com o Governo Provincial do Bengo, certo?

Sim. O Governo Provincial vai ceder-nos a terra com a documentação. Para o financiamento, vamos às instituições bancárias e não só. Para a projecção da Cidade Agrícola no Bengo, assinámos ainda um memorando com o FADA (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário), na ordem de um bilião e 800 milhões de kwanzas. Parte deste valor vai ser implementado para a produção agrícola na comuna do Quicabo e na projecção da primeira Cidade Agrícola da Juventude. Esse dinheiro, para apoiar o cultivo, já existe. Depois, vamos fazer parcerias com outras instituições, que nos vão apoiar na construção das habitações para a acomodação das famílias que vão viver lá.

O projecto só fica no Bengo?

A Cidade Agrícola da Juventude Angola no Bengo é o projecto piloto. Pretendemos levar o mesmo a todos os municípios rurais do país. Não queremos fazer apenas dos jovens simples camponeses, mas potenciais empreendedores.

E na área da formação?

Neste momento, temos 63 mil jovens que beneficiaram de bolsas de estudo por intermédio do CNJ. Desse número, alguns já estão licenciados, pois, estamos a falar desde a vigência do nosso mandato no Conselho Provincial da Juventude, em 2017. Quando assumimos o Conselho Provincial da Juventude, levámos o projecto "Formar Hoje para Servir Amanhã”. Na altura, assinámos memorandos com várias universidades e institutos superiores, de modo a cederam bolsas de estudo para jovens de famílias desfavorecidas. Temos convénios em que os jovens não pagam nada, enquanto outros a bolsa é parcial.

Quantas bolsas o CNJ conseguiu para os jovens no ano lectivo 2023/2024?

Encaminhámos, aproximadamente, 15 mil jovens para muitas universidades do país. Temos convénios com 15 universidades e institutos superiores privados e 16 colégios, para também encaminharmos os jovens e crianças de famílias desfavorecidas.

Neste processo, damos quotas às organizações juvenis e também abrimos para os jovens não inseridos em organizações.

Há jovens que procuram o CNJ para apoio?

Todos os dias recebemos jovens que querem estudar, trabalhar, o que nos faz sermos resilientes, ao ponto de dar respostas e criar condições objectivas para que os mesmos possam encontrar respostas.

A criminalidade é um dos males no seio da juventude, assim como o alcoolismo. Que acções o CNJ desenvolve para desincentivar essas práticas?

A criminalidade e o uso excessivo de bebidas alcoólicas sempre foram e continuam a ser um problema, infelizmente. A nossa organização ajuda na criação de políticas, de modo a regular a importação e o consumo de bebidas alcoólicas. Se tem acompanhado, uma das medidas do Presidente da República foi a de fechar algumas fábricas de produção, como as dos chamados "pacotinhos”, muito baratos, que eram um incentivo para o consumo de álcool por parte dos jovens. Acredito que essas fábricas, ao evoluírem para a produção em garrafas, vai encarecer o produto, desincentivar a compra e diminuir o índice de criminalidade.

Que outras acções o CNJ realiza?

Realizámos várias actividades de sensibilização com as associações juvenis. Temos, no CNJ, a Associação Nacional de Luta Contra as Drogas, que tem dois gabinetes na sede. Um deles é um consultório, com médicos que fazem acompanhamento de jovens toxicodependentes.

Não trabalham nas comunidades?

Realizámos acções de sensibilização nas comunidades, com actividades desportivas, passando a mensagem de que a droga mata, assim como o tabaco e o álcool. Passamos essa mensagem através do projecto de futebol de rua, com os "craques da bola”. Jogámos nos vários bairros na província de Luanda e orientámos os outros Conselhos Provinciais da Juventude a fazerem o mesmo.   

Muitos jovens, hoje, pensam, cada vez mais, em emigrar. Como é que olha para essa situação?

Não vejo isso como um problema, porque os jovens sempre emigraram. Uns, porque querem ser empregados nas terras dos outros, outros por negócios ou motivos de doença. Isso sempre aconteceu. Então é normal. Eles vão para o exterior, formam-se, conhecem novas realidades, mas sempre com o compromisso de regressarem para ajudar a alavancar o país. Na semana passada, recebi, em audiência, o Laton, do conhecido grupo musical "Kalibrados”, que é formado, empresário, vive em Portugal, mas não consegue ficar distante de Angola. Ele está sempre a ir e a vir.

Comemora-se, hoje, o Dia Nacional da Juventude. Qual é a mensagem que deixa?

O acto central desta data decorre na província da Lunda-Sul, a ser presidido pelo ministro da Juventude e Desportos. A mensagem que deixamos para a juventude é de que devemos manter a fé e a esperança. A fé em Deus e nos homens a quem foi dado o poder de liderar o país. Esses homens que Deus orientou para liderarem o país têm criado políticas para o bem-estar da juventude. É necessário que os jovens tenham esperança, porque as coisas não acontecem do dia para a noite.

Acha que a situação do jovem angolano é a mesma de há 10 ou 15 anos?

Penso que melhorou. Só para termos uma noção, o Executivo tem feito um grande esforço, não só na construção de infra-estruturas, como escolas, hospitais, mas, também, na criação de condições para que os jovens com iniciativa empreendedora possam obter financiamentos dos bancos comerciais. Brevemente, vamos assinar um memorando com um banco comercial, para disponibilizar créditos para a juventude. Tudo isso só é possível porque o Executivo criou as condições para o efeito. Estamos satisfeitos com os resultados, apesar do elevado índice de desemprego, que, obviamente, reconhecemos que há, mas melhorou muito a empregabilidade para a juventude.

Quais foram os objectivos dos encontros que manteve recentemente com alguns membros do corpo diplomático?

Recebemos os embaixadores da Rússia, Venezuela, Cuba, Portugal, Brasil e vamos receber outras entidades. Tivemos recentemente um dos maiores empresários estrangeiros em Angola, o proprietário da Cidade da China. O nosso objectivo é que as embaixadas criem políticas de apoio ao CNJ que se reflictam nos jovens, sobretudo na área da formação e ensino. Falamos concretamente de bolsas de estudo, para que os jovens tenham a oportunidade de se formar nos seus países.

E em relação aos empresários?

Dos grandes empresários, queremos o apadrinhamento para que implementem políticas de empregabilidade aceitáveis, condignas e justas para a juventude angolana, assim como encontrar empresários que possam servir de "padrinho” de jovens com projectos de empreendedorismo. É o caso do proprietário da Cidade da China.

Que juventude espera daqui a cinco ou 10 anos?

Espero que tenhamos uma juventude que aposte na formação e seja patriota. Ou seja, que depois da formação possa pensar a Pátria, cuidar dela, independentemente das condições em que estiver. Esperamos ter jovens que criem projectos de empreendedorismo, porque defendo que o jovem tem de ser uma arma de auto-emprego. Eu, particularmente, sou empreendedor desde os meus 16 anos de idade. Hoje sou dono de empresas, uma que existe desde 2007 e tem dezenas de trabalhadores. Tornei-me empreendedor antes de ser efectivo da Polícia Nacional. Se não consigo emprego no Estado, tenho de ter a capacidade de sustentar a minha família. O foco sempre foi o empreendedorismo.

Quem é Isaías Kalunga?

Sou um jovem político, que passou por vários cargos a nível da JMPLA, desde quando estudava no Puniv Central de Luanda, onde, com 15 anos de idade, fui presidente da Associação dos Estudantes e coordenador do Núcleo da Juventude do MPLA, durante quatro anos.

Ainda no PUNIV, com 16 anos, comecei a colaborar no Comando Geral da Polícia Nacional, por intermédio do meu tio, irmão da minha mãe (pai Toni Kipakassa, o lendário polícia, actualmente Comissário-chefe reformado da Polícia Nacional). Fiquei por lá durante dois anos, na área de Informática, porque também dava aulas de Informática, num colégio, no bairro Gamek, onde vivia com os meus pais.

Continua vinculado à Polícia Nacional?

Sim. Com 18 anos, o meu tio mandou-me para a formação de Polícia e tornei-me efectivo da Polícia Nacional. Sou superintendente da Polícia Nacional, mas emprestado, por assim dizer, à política.

E na política, qual foi o caminho traçado?

Fui membro fundador do Comité do Ensino Médio da JMPLA. Enquanto fazia o Ensino Médio, havia necessidade de se criar o mesmo porque na altura não existia. Fomos chamados pela direcção central da JMPLA, na altura liderada pelo camarada Paulo Pombolo, actual secretário-geral do MPLA, que lançou o desafio de se criar esse comité.

E depois?

Depois, passei por vários comités. Fui membro do Comité Municipal da JMPLA da Samba, enquanto município. Fui membro fundador do Comité Municipal da JMPLA de Luanda. Actualmente, com 37 anos de idade, sou membro do Comité Nacional da JMPLA, do Comité Provincial do MPLA, da Comissão Executiva do Comité Provincial, presidente do CNJ e membro do Conselho da República.

Como é que chega ao CNJ?

Em 2017, assumi a liderança do Conselho Provincial da Juventude de Luanda, motivado e apoiado pelo camarada Nhanga de Assunção, na altura primeiro-secretário provincial da JMPLA, que depois foi nomeado secretário de Estado da Juventude, e pelo falecido Sérgio Luther Rescova, líder da JMPLA, que viram a necessidade de se revitalizar o associativismo juvenil. Em 2020, quando terminei o mandato, candidatei-me para dirigir o CNJ. Vencemos as eleições, eu com 33 anos. Na altura, o mandato era de quatro anos. Com a alteração do Estatuto do CNJ, em 2021, durante uma assembleia extraordinária, passou para cinco anos. Essa assembleia permitiu a entrada de mais 10 associações juvenis, como o Movimento Estudantil Angolano, a Associação dos Taxistas de Angola, a Amotrang e outras que não faziam parte do CNJ.

Actualmente, quantas organizações fazem parte do CNJ?

Em 2020, o CNJ tinha como membros 41 organizações juvenis. Agora temos 51 e 722 parceiras. Mas, na eleição, são apenas as organizações membros que contam.

Teve outros caminhos que lhe deram visibilidade para chegar onde chegou?

Sim. Com 11 anos, tornei-me membro da Brigada Jovem de Literatura. Fui recebido pela doutora Kanguimbo Ananás. Lá, encontrei muitos escritores, como Carlos Pedro, que é membro do Secretariado Nacional da JMPLA. Quando fui ao PUNIV, com 14 anos, além de criar o jornal, tive a ideia de criar também uma associação ambiental com actividades de plantação de árvores e limpeza na escola, até hoje essas árvores estão lá, no interior e no exterior da escola. Fui ainda treinador da selecção feminina de basquete do Puniv Central, onde nos consagrámos vice-campeões e recebi o prémio de treinador revelação. Tecnicamente devia ser um professor, o treinador, mas fui eu porque já era um estudante muito conhecido e dinâmico. Foram muitas acções, além das partidárias, que me deram visibilidade a nível do associativismo.

Perfil: Isaías Domingos Mateus Kalunga

Naturalidade: Luanda

Idade: 37 anos

Estado Civil: Casado

Filhos: 4

Religião: Cristão (Igreja Universal, liderada pelo bispo Alberto Segunda)

Clubes: Petro de Luanda e Sporting

Paixão: Tenho alguma paixão pelo Ferrovia de Luanda, desde criança

Sonho: Comprar ou ser proprietário do Clube Ferrovia de Luanda

Gosto: Jogar futebol, basquetebol, escrever poesia, ouvir música hip hop da escola antiga e Semba dos anos 60, 70, 80

Comida preferida: Massa com qualquer coisa, leite com pão e manteiga, e o funje

de bombó

 

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