Opinião

Salazar era fascista

Luciano Rocha

Jornalista

O 25 de Abril de há meio século continua a ser lembrado pelos portugueses, embora sem o fulgor dos primeiros anos, nos quais o povo saía à rua para gritar liberdades proibidas, até então, por decreto.

18/04/2024  Última atualização 06H00

Exprimir ideias, apenas isso, mesmo no recato de conversas surdinadas em cafés, casas particulares,  confraternizações familiares, inclusivamente cerimónias religiosas, eram caminhos incertos a poderem desembocar em interrogatórios eivados de torturas decalcadas  dos métodos de Hitler. A par de perdas de emprego, prisões sem julgamentos em tribunais isentos, desterros, campos de concentração, exílios forçados, clandestinidades, vidas duplas fora e dentro daquele país "à beira mar plantado”.

Os povos, sejam eles quais forem e línguas falarem,  dizem nas sabedorias que os definem, que cuidados jamais são excessivos, pois "o seguro morreu de velho” e  "cuidados e caldos de galinha não fazem mal a ninguém”.

Os agentes da polícia política do regime de Salazar e Caetano faziam questão de espalhar  as manhas das quais se serviam, para, por exemplo, todos desconfiarem de todos e tudo, entre "amigos” desde a nascença, "companheiros” de lutas contra tiranias, vizinhos  de longa data, parceiros de inocentes jogos de cartas ou de matraquilhos, acérrimos defensores dos mesmos clubes desportivos e ideais políticos, entre tantas outras simuladas causas, com as quais se escreve - continua a escrever - a palavra traição.

Amoralidade, apego ao dinheiro, independentemente do modo de o conseguir, cobardia e medo são alguns dos ingredientes próprios dos que não olham a meios para atingirem, durante infindáveis décadas  de escuridões tirânicas, objectivos em sociedades, nas quais, também, se luta por todas as liberdades a que o ser humano tem direito, logo sem discriminações que o tolhem: xenofobias, racismos, nepotismos, ignóbeis descriminações de género, infanticídio, filicídios. Resumindo, tudo a que o ser humano tem direito.

Portugal viveu todos aqueles problemas, fazendo dele uma nação triste, cinzenta, que nem nosso Cacimbo na hora de regressar à casa, lá longe, onde céu e mar  se dão encontro.

O fascínio de quem manda pelo poder, comum a qualquer ditador, era mais do que evidente em Salazar, Caetano e abnegados correligionários que fizeram daquele país a mais atrasada, analfabeta e isolada nação do Ocidente. Apesar de toda a propaganda  para contrariar aquelas evidências, que desnudavam a tacanhez de quem "primorosamente” o (des)governava, prejudicando, para não variar, maiorias em prol de emergentes minorias pagas para bajularem, intrigarem, traírem, quem confiara neles.

Naqueles anos sem fim sobre estórias de "vitórias”, "descobertas”, "conversões”  - agora sem aspas - invasões, violências, desterros forçados, sobranceiras, pilhagens de terras fantasiadas em compêndios escolares que crianças e jovens eram obrigados a decorar, de cor e salteado, nem que fosse à custa de ignóbeis castigos físicos. Em nome da verdade, recorde-se, houve sempre quem, por "este Mundo fora”, se opusesse às tiranias, inclusive, de armas na mão. Essas acções, contudo, são desencadeadas, por” traidores” e "bandidos”,  proibidos de serem relatadas. A censura à imprensa é que decide o que deve ser divulgado ou não. Tudo "a bem da nação”, como apregoavam o tuga Salazar e quejandos que, desde sempre, pululam por todos os cantos do Universo, levando devotos seguidores a esquecerem raízes ancestrais, desde que lhes façam sentir os bolsos a transbordarem dinheiro e lhes abram contas bancárias em paraísos fiscais. Fazem tudo o que lhes mandam. São câmaras de eco, imitadores de  papagaios domesticados, ecoando o que ouvem os donos a dizer, a troco de um grão de jinguba ou caroço de manga já chupado. Chegam, igualmente, a parecer camaleões, a mudar de cor consoante os cenários que lhes convêm. Delatores sempre os ouve. E Escariote não foi o primeiro, mas poucos sentiram o sufoco do arrependimento, sequer  vergonha ao ver ex-companheiros virarem-lhe as costas, cuspirem para o chão, quando passava por eles. Por isso, salientam as escrituras, suicidou-se. Vá lá, entre os delatores seguintes, cada vez em maior número, poucos o imitaram neste particular. Por falta de coragem? Desvergonha? Porque a venda de Jesus, mesmo tendo em conta a actual e constante desvalorização das várias moedas em circulação no Mundo, não valer agora nem um dólar furado? 

Com o aproximar das comemorações do 25 de Abril, a comunicação social portuguesa tem dedicado particular atenção ao facto, até  por perfazer meio século. As televisões daquele país têm abordado a data com imagens da noite em que, finalmente, o regime colonial fascista sucumbiu. Tratou-se de um golpe de Estado militar, com laivos de romantismo, concretizado por jovens militares. Mostrando e ouvindo alguns dos heróis, dos que se lhes opunham, mas, igualmente, de desistentes.

A RTP África tem, naquele âmbito, um programa com estudiosos sobre o fascismo na Europa, comparando-os e referindo diferenças. Na edição dedicada aos "reinados” de Portugal e Espanha, dominados por Salazar e Franco, ouviu estudiosos do tema, pessoas que falavam do que sabiam, toda, acentue-se, críticas de regimes ditatoriais. Ao autor destas linhas, sem a formação académica e profissional deles, pareceu que o ditador luso foi poupado. De certeza pelo que conhece da influência do tirano nos crimes nas antigas colónias, designadamente em Angola, que, ainda hoje , paga caro as fúrias daquele déspota, imitador de Hitler.

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