Entrevista

“Os empresários angolanos e zambianos estão interessados em investir em ambos países”

O embaixador de Angola na Zâmbia, Azevedo Xavier Francisco, garantiu que a recente visita do Presidente zambiano, Hakainde Hichilema, a Angola despertou o interesse dos empresários zambianos em investiram no país, por conta da Câmara de Comércio Angola-Zâmbia. Em entrevista ao Jornal de Angola, afirmou que a intenção é recíproca e que muitos empresários angolanos estão interessados em investir no mercado zambiano, sobretudo no sector do ensino e turismo. Oficialmente, já não existem refugiados angolanos na Zâmbia. O que há são comunidades que decidiram viver nesse país vizinho, assegurou o embaixador

06/03/2023  Última atualização 07H25
© Fotografia por: M.Machangongo | Edições Novembro

O país ainda continua a ter uma das maiores comunidades na Zâmbia?

De facto, é uma das maiores, pelo menos na parte Austral de África. A comunidade já existe desde os anos em que se começou a ser construído os Caminhos- de-Ferro de Benguela. Para ter uma noção, existem angolanos a viver na Zâmbia a caminho dos cem anos. Temos angolanos a viver aqui há mais de 50 e 60 anos. Muitos deles vieram na fase da construção dos caminhos-de-ferro. A emigração dos angolanos para o país vizinho da Zâmbia tem três fases: A primeira tem a ver com o período colonial. Depois de 1961, com as matanças, os angolanos que estavam na parte Leste, uns em trabalho e outros para fugir aos massacres perpetuados pelo sistema colonial, preferiram fixar residência na Zâmbia. A outra fase foi a do primeiro conflito interno no país, entre 1974 e 1975, que obrigou muitos angolanos a abandonarem as suas terras. Outrossim, sabemos que a Zâmbia sempre foi uma retaguarda para os movimentos de libertação de Angola. Por aqui passaram os três movimentos. A dona Maria Eugénia Neto, mulher do primeiro Presidente de Angola, também esteve aqui no período em que os angolanos reclamavam a independência, por isso, fez questão de que um dos bustos de Agostinho Neto estivesse na Zâmbia. A última fase que permitiu a saída de angolanos foi no período da guerra em 1992. Existia, na Zâmbia, um  número de angolanos muito elevado, mas depois houve necessidade de se fazer o repatriamento.

 

Quais têm sido as principais preocupações apresentadas pela comunidade angolana?

As preocupações apresentadas pelos nossos cidadãos têm a ver ainda com o facto de existirem muitas comunidades que não estão registadas. Por outro lado, a condição de pobreza, o estilo de vida por serem maioritariamente camponeses e a falta de inserção na sociedade local tem sido um dos nossos grandes desafios. Reclamam que o Governo da Zâmbia tem prestado pouca atenção. Constatámos que não é por falta de vontade do Estado zambiano em apoiar mais as comunidades angolanas no seu território, mas porque também têm muitas dificuldades e não tem muito para oferecer. Outro aspecto tem a ver com o facto de muitos angolanos não serem mão-de-obra qualificada. Existem jovens descendentes que têm um outro estilo de vida, mas, infelizmente, ainda temos muitas comunidades pobres que vivem na periferia e vivem em regime de campo, embora não sejam considerados refugiados.

 

Na Zâmbia ainda existem muitos refugiados angolanos que precisam de ser repatriados?

Oficialmente, já não existem refugiados na Zâmbia. O que há são comunidades que decidiram viver neste país vizinho. Muitos deles constituíram famílias e adaptaram-se rapidamente à   realidade zambiana. Em 2020, realizámos uma campanha de registo massivo da comunidade angolana, na qual uma equipa do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e do Serviço de Migração e Estrangeiros se deslocou a Lusaka, para proceder à entrega do Bilhete de Identidade e do Passaporte aos cidadãos registados. Na época, foi uma das nossas prioridades e constituiu um passo fundamental para dar solução aos inúmeros problemas que os angolanos enfrentam. É um trabalho que o Executivo angolano tem feito para dar alguma dignidade e salvaguardar os interesses da Nação na protecção dos seus cidadãos que residem no exterior por vários motivos. Criámos brigadas móveis que se deslocaram às regiões com maior concentração de angolanos, nomeadamente, as províncias de Lusaka, Livingstone, Ndola e Copperbelt.

 

A questão da mobilidade tem sido também um facto que dificulta o processo de inserção das comunidades angolanas na Zâmbia?

Um dos grandes problemas é também a questão da mobilidade, porque muitos têm famílias em Angola e estão em constante movimento migratório. Em muitas localidades zambianas, os angolanos não têm acesso à água potável, energia eléctrica, saneamento básico, escolas próximas, o que obriga os filhos a fazerem grandes deslocações a pé. Muitos deles vivem em regiões como Soluesse e Mongo, onde existem consulados de Angola, bem como em Livingstone, que ainda não tem um consulado. Na periferia de Lusaka também existem pequenas comunidades.

 

O embaixador tem sido muito presente nas actividades socioculturais promovidas pelas comunidades angolanas na Zâmbia. É uma forma de mostrar solidariedade com os angolanos aqui residentes?

As duas coisas. Na verdade, temos comunidades angolanas e zambianas com os mesmos estilos de vida, costumes similares. Por exemplo, no dia do descerramento do busto do Fundador da Nação angolana, defronte ao Museu Nacional de Lusaka, foi possível ver dois grupos de dança tradicional, um de Angola e outro da Zâmbia a dançarem o mesmo estilo de dança. Temos hábitos iguais, até porque há línguas partilhadas pelos mesmos povos, como o Cokwe e Mbunda. Temos muitas coisas em comum, como é o caso da extensão territorial do reino da soberana Nhakatolo entre Angola e Zâmbia. No ano passado, numa actividade do Nguxi dos Santos, trouxemos alguns reis que participaram no Festival Tradicional da Região. Existem algumas diferenças culturais, mas que são pouco notáveis.

 

Existe um número exacto de quantos angolanos estão a viver no território zambiano?

O número de angolanos controlados pela Embaixada de Angola na Zâmbia é de 35 mil pessoas. Existem aqueles que ainda não estão registados na nossa base de dados divididos entre as áreas já mencionadas.

 

Quem quiser regressar definitivamente para o país pode fazê-lo sem quaisquer constrangimentos?

Sim. Todo o angolano que pretender regressar pode fazê-lo normalmente sem nenhum constrangimento. Temos alguns irmãos que tinham optado por regressar ao país, mas quando chegaram em Angola, sentiram-se estranhos, como se fossem estrangeiros. Muitos deles até não falam português e sentiam-se estrangeiros na própria terra e preferiram voltar, porque não se sentiam confortáveis. Uns são comerciantes e têm muitas vezes que se deslocar de um sítio para o outro em busca de mercadoria. Neste momento, quem decidir regressar para o país é livre de o fazer.

 

Como são resolvidos os problemas e conflitos de terra na Zâmbia, uma vez que a maioria dos angolanos são camponeses?

O que existe aqui é a escassez de atribuição de terra para o desenvolvimento da actividade agrícola. Para se exercer uma actividade do género, os angolanos precisam ter documentos legais por via de uma solicitação às entidades locais. O mesmo procedimento que acontece em Angola para ser cedido um espaço onde as populações poderão de forma legal exercer a agricultura. Felizmente nunca tivemos relatos de conflitos de terra. Temos incentivado a criação de cooperativas, que lhes têm sido autorizadas a praticar agricultura pelo Governo zambiano.

 

A Zâmbia tem sido uma referência do ponto de vista do sistema de ensino. Existem ainda muitos angolanos a optarem por vir estudar aqui?

Hoje o quadro alterou e os que decidem vir estudar, fazem-no por conta própria. No passado existiam bolsas de estudo. Na Zâmbia têm boas escolas no domínio da saúde, agricultura, educação e das línguas que podem ser melhor aproveitadas pelos jovens angolanos. Pela via da Câmara de Comércio Angola-Zâmbia, temos feito os corredores de maneira a dar a conhecer as potencialidades no território zambiano. Temos alguns acordos na área da Administração Pública com as instituições de ensino angolanas e zambianas. Por exemplo, a Zâmbia forma bons quadros no sector do turismo que podem ser melhor explorados por nós, bem como na área dos vigilantes dos parques. Os nossos vizinhos têm estado a apostar em lounges que são experiências que podem ser aproveitadas e transportadas para Angola.  O encontro realizado, recentemente, entre os Presidentes de Angola e da Zâmbia foi uma forma de fortalecer as relações bilaterais entre os dois povos. Foi um encontro oportuno e em pouco tempo já se começou a sentir a materialização dos acordos, um deles é sobre o Corredor do Lobito. A ministra da Saúde desloca-se ainda este mês à Zâmbia para assinatura de vários acordos de cooperação entre os Governos angolano e zambiano para que técnicos angolanos na área da Saúde possam trabalhar junto das fronteiras do Moxico e Cuando Cubango. Angola vai vender, nos próximos dias, gás butano e petróleo aos zambianos. Vamos dar início à construção da Refinaria ainda este ano e a Zâmbia já solicitou comparticipação de 15 por cento na sociedade.

 

A indústria do turismo funciona com as vias de comunicação acessíveis, o que permite uma maior mobilidade de pessoas e bens.

Uma nota importante é o facto de o país estar a projectar a construção de 800 quilómetros de estradas, entre o Mo-xico até à localidade zambiana de Gimbi, num período de quatro anos, envolvendo empresas de construção civil angolanas e zambianas. O mesmo vai acontecer na província do Cuando Cubango com a criação de condições  no melhoramento da navegação fluvial na região do Xangongo, para facilitar o desenvolvimento económico na região. Com o funcionamento do canal ferroviário que liga o Luau ao território zambiano, também vai facilitar a transportação de bens e serviços. As Linhas Aéreas de Angola (TAAG) vão regressar à sua rota para a Zâmbia depois da paralisação devido à Covid-19, o que vai ajudar na transportação de pessoas e mercadorias.

 

Os empresários zambianos estão interessados em fazer investimentos no país?

Os empresários zambianos estão muito interessados em investir no país, sobretudo depois da visita em Angola do Presidente zambiano, Hakainde Hichilema, porque a sua deslocação foi amplamente divulgada por força da Câmara de Comércio Angola-Zâmbia. Existem empresários angolanos que também estão interessados em fazer investimentos no sector do Ensino na Zâmbia para o aprendizado da Língua Portuguesa, por ser uma área muito solicitada pelos cidadãos zambianos, o que poderá facilitar a comunicação entre ambos.  Neste momento, a Zâmbia já não importa arroz, açúcar, milho, trigo e carnes, mas tem dificuldades de obter produtos do mar, por causa da sua localização geográfica. É uma área do sector económico que precisa de ser melhor explorada entres os países.

 

Camponeses necessitam de apoio para as cooperativas

 

A coordenadora da Organização da Mulher Angolana (OMA) na Zâmbia, Jorgina Major Omuti, de 45 anos, disse ao Jornal de Angola que vive em Lusaka há 20 anos. Foi viver na Zâmbia com familiares quando tinha apenas 15 anos. Natural da província do Bié, referiu que a sua falecida mãe, Ângela Major, também foi coordenadora da OMA localmente. Explicou que tem três filhos e que a primeira filha está a viver em Angola. Actualmente trabalha na Embaixada de Angola na Zâmbia, área administrativa.

Jorgina Major Omuti espera que o Governo angolano ajude mais os angolanos a viver na Zâmbia, por serem maioritariamente camponeses. Uma das sugestões, disse, seria o financiamento das cooperativas que permitiriam empregar muitos angolanos. "O camponês reclama a falta de incentivos para o desenvolvimento da actividade agrícola e pedem uma maior intervenção do Estado angolano para minimizar o sofrimento dos camponeses”, disse. 

Ao longo dos anos, segundo Jorgina Major Omuti, gradualmente foi-se adaptando à realidade e ao modo de vida dos zambianos. Hoje considera-se uma pessoa integrada naquela sociedade. Disse que a maioria dos angolanos a viver no território zambiano  é camponesa. Jorgina Major Omuti explicou que muitos jovens angolanos têm encontrado empregos no sector bancário e em outros sectores administrativos. "Os angolanos e zambianos têm uma boa relação de amizade, nunca tivemos motivos de reclamações, somos muito bem tratados aqui. O grande problema é os angolanos que pretendem regressar para o país que encontram inúmeras dificuldades para a inserção no mercado de trabalho”.

A secretária da OMA e camponesa Laurinda Masseca é da província do Moxico. Imigrou para a Zâmbia em 1992 com os familiares, por causa da guerra, e na época tinha 17 anos. Ressaltou que em 2022, foi visitar os parentes em Angola. Na Zâmbia, disse, constituiu família e tem dez filhos e 22 netos.

Madalena Caley é camponesa e filha de pais angolanos que se refugiaram na Zâmbia à procura de melhores condições de vida. Madalena Caley nasceu na Zâmbia e tem 79 anos. Viúva, disse que tinha cinco filhos e morreram quatro. Por sua vez, a camponesa Noémia Maria Muchimbo nasceu na província do Moxico e tem cinco filhos e dez netos. Com 65 anos realçou que continua a manter a ligação com o país natal. Explicou que a comunidade angolana precisa de mais apoio das autoridades nacionais.

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