Entrevista

“Não conheço kudurista que ganhou milhões, num único show”

Jurelma de Castro

Jornalista

Está registada com o nome de Maria Luísa António, mas é conhecida no mundo musical pelo pseudónimo de Pocapy. Voz de referência no estilo musical kuduro, Pocapy, ao Caderno Fim-de-Semana, mostrou o lado mais sonhador, falou sobre a sua carreira artística, recordou o antes e o depois de abraçar o mundo musical. A cantora, que já foi actriz, nasceu na rua da Palma, Distrito Urbano da Samba, em entrevista exclusiva, falou do seu baptismo nas lides teatrais, da sua experiência de vida com a aplicação da técnica estética, jarda

26/11/2023  Última atualização 08H05
© Fotografia por: DR

Começo por perguntar o motivo pelo qual aderiu à sétima arte como actriz de teatro e quando é que descobriu a paixão pela música?

Descobri a paixão pela música aos 15 anos, enquanto integrante do grupo teatral "Amor à Arte”. Olha, como sou uma pessoa muito espontânea, e a arte tem essa particularidade de tornar um artista versátil, acabei por apaixonar-me pela música, por ser uma forma de exprimir o que sinto.

 
Conte-nos como foi a reacção da sua família ao saber que ia ser cantora?

Felizmente, a reacção foi boa. Digo sempre às pessoas que, graças a Deus, sempre tive o suporte da minha família. Sem eles, não teria aguentado esta caminhada.

 
Ela teve algum apoio na afirmação da carreira artística?

Graças ao apoio familiar consegui romper vários obstáculos no início da carreira até à minha afirmação. Os meus avós, a minha mãe e os meus tios, têm sido os maiores impulsionadores da minha carreira artística. Têm dado a maior garra para que tenha sucessos.

 

Diz-se pela boca pequena que a cantora Pocapy foi criada pelos seus avós e não pelos seus pais. Podia-nos falar um pouco dos seus pais?

Claro que sim! Fui criada pelos meus avós, a partir dos 12 meses de vida, depois que a minha mãe passou a ter problemas com o consumo de bebidas alcoólicas. Por essa razão, nenhum dos meus irmãos cresceu com ela, muito embora, sempre estivesse por perto. Em relação ao meu pai biológico, só o conheci aos 15 anos, mas, infelizmente, já não faz parte do mundo dos vivos. Por isso, todas as minhas responsabilidades na infância, adolescência até à fase adulta, recaíram sempre para o meu avô.

É uma das vozes femininas autorizadas do estilo kuduro. Como é que vê o futuro deste estilo?

Com muita expectativa. Futuramente, o kuduro irá romper barreiras. Nos próximos anos, teremos franceses e outras nacionalidades europeias a cantar e dançar este estilo.

Neste momento, já existem americanos e portugueses a cantar kuduro e até com Academia de Dança do Kuduro. Seremos reconhecidos internacionalmente e levaremos o nome de Angola, para outras latitudes. O kuduro é, também, um dos instrumentos para a promoção da Bandeira do nosso país, no exterior. Precisamos ser mais sérios e ousados, na divulgação deste estilo. É fundamental que os fazedores do kuduro estejam mais unidos, porque, a união faz a força.

Quais foram os momentos áureos e os difíceis na sua carreira artística?

Na verdade, todos os momentos da minha carreira artística têm um significado. Ora, entre os vários momentos áureos na minha carreira, recordo-me da minha participação na Xando Produções. Foi a minha primeira casa, enquanto principiante na carreira musical. Foi lá, em que recebi orientação no que diz respeito à carreira musical. Foi na Xando Produções, que deu os primeiros passos como cantora. Outros dos momentos bons que guardo na minha jovem carreira artística, foi quando efectuei a apresentação da minha mãe no programa televisivo da Zap News. Entre os momentos difíceis, lembro que, foi quando usaram o problema do alcoolismo que atinge a minha mãe, para fazerem zombaria (Bifes).

 
E qual foi a reacção familiar perante este episódio?

Foi muito doloroso e muito triste. Consegui lidar com essa situação, mas a minha família não. O tempo foi o melhor remédio e hoje, graças a Deus, está ultrapassado. Estamos aqui fortes e firmes.

 
É possível fazer kuduro sem ter "bifes” com os colegas? Ou o kudurista depende muito disso para estar no topo?

Na verdade, o kuduro é, também, "bife”. Não é possível fazê-lo sem este pormenor. Mas, temos de ter muita atenção aos tipos de "punchlines”, ou seja, piadas que vamos lançar às pessoas. Não é possível um kudurista fazer dez músicas sem recorrer aos "bifes”. Lamentavelmente, alguns cantores deste estilo kuduro, exageram, fazendo com que muitos, não levem sério, este estilo que considero, o maior da música angolana.

 
Os sucessos alcançados com as suas músicas deram-lhe visibilidade e afirmação na carreira. Para quando o seu primeiro trabalho discográfico?

Sei disso. Infelizmente, ainda não tenho nenhum trabalho discográfico. Mas, a minha missão e preocupação, para o próximo ano, é brindar os meus fãs e apreciadores das minhas músicas com um EP, ou seja, o lançamento de um conjunto de músicas. O meu primeiro objectivo, já foi alcançado, que era, que, o povo angolano conhecesse realmente quem é a Pocapy. Agora, que o meu nome está afirmado no mercado musical angolano, tenho de materializar o sonho de lançar o meu primeiro trabalho discográfico. Uma cantora sem obra discográfica, é o mesmo que uma pessoa incompleta.

 
O mercado angolano é fértil em kuduristas. Quem são os kuduristas mais respeitados por ti e por quê?

Respeito todos os kuduristas de maneira geral, mas tenho referências. São os casos do Sebem, Tony Amado, Fofandó, Nagrelha dos Lambas e a Própria Lixa. A Própria Lixa, para mim, foi uma das maiores vozes, ou seja, pilares do estilo no género feminino, devido à sua forma de cantar e combinar as rimas, que me encantavam. A Própria Lixa deixou um vazio enorme, mas, também, tem outros colegas que estão a dar o seu melhor. Aproveito a oportunidade para fazer referência ao Príncipe Ouro Negro, que se tornou um músico internacional.

 
É possível viver da música kuduro, do ponto de vista financeiro?

A música em si abre-nos várias portas. Mas, ainda, não é possível viver do estilo kuduro. Estamos nessa vida, uns por gosto, outros para não faltar comida à mesa. Alguns colegas afirmam que se pode viver deste estilo de música. Não conheço kuduristas que ganharam um milhão de kwanzas, num único show, nem que seja para fazer actuações fora de Luanda.

 
Recuarei no tempo, lembro-me que foi estudante do Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL). Alguma vez trabalhou na área em que se formou?

A senhora bisbilhotou a minha vida pessoal. Sim, fui estudante do IMEL, e frequentei o curso de Administração Pública. Infelizmente, nunca trabalhei na minha área de formação. Não é minha paixão, porque quando me inscrevi no IMEL, a pretensão era frequentar o curso médio de Comunicação Social. Na altura, as vagas para esta área eram escassas e, por força maior, optei por fazer Administração Pública.

 

O seu nome se popularizou muito pelas redes sociais, por conta da Jarda.
A senhora tem uma estrutura corporal linda.
O que motivou a aplicação da Jarda?

Achei isto a coisa mais linda, porque treinava num sítio onde algumas colegas de ginásio tinham jardado. Eram quase todas e por imitação senti necessidade de fazer, porque me vi, pequena diante delas. Decidi jardar. Fiz, mas exagerei na quantidade aplicada. Durante a época da pandemia Covid-19, optei pelo emprego de modelo. Estávamos todos parados, sem espectáculos. Fui a uma loja famosa e pedi para trabalhar como modelo. Na verdade, também pretendia ganhar experiência neste sector da moda. Os gestores da loja gostaram da minha performance física. Infelizmente, nem tudo foi bom, pois tive dificuldades em andar com sapatos de salto alto, por causa do peso. Fui forçada a reduzir as nádegas e a baixar o peso. Hoje, trabalho como modelo e me adaptei na área.

 
Quais são as outras situações menos boas que viveu depois de aplicar a jarda?

Olha, depois de aplicar a jarda, eu tive muitos problemas na perna, principalmente com as alergias. Tirando isso, nunca tive situações desagradáveis, como dores desconfortáveis. Confesso, que houve alturas que comecei a ter medo, mas graças a Deus tudo passou e estou aqui.

 
O que mudou no seu estilo de vida, depois do processo de aplicação da jarda para além da questão estética?

Na verdade, não mudou nada. Não vou mentir aos leitores, que tenha mudado alguma coisa, além da questão estética. Na verdade, não mudou nada.

 
Especula-se que tem limitações físicas?

É difícil... mas não tenho nenhuma limitação física. Apesar da jarda, somos pessoas normais como qualquer outra. Posso fazer tudo e mais alguma coisa. Não sei, se a jarda traz problemas, como se diz, que provoca a incapacidade de engravidar. Eu conheço pessoas com jarda, até mulheres de idade, que nasceram normalmente. A única complicação que tenho, é com o meu ciclo menstrual. Ocorre duas vezes ao mês, o que me deixa preocupada. Em relação, a jarda traz consigo muitas consequências, mas dizer que dificulta a engravidar, considero um mito.

 
Depois de fazer este procedimento, em algum momento sentiu arrependimento?

Sim, arrependo-me. Com a jarda, as pessoas sofrem muitos assédios. Por outro lado, para as mulheres que pretendem ter uma relação séria, não devem optar por ela, uma vez que, são consideradas vulgares. Estou a lutar para, dentro de dois anos, fazer o processo para retirar ou diminuir a jarda.

 
Quanto gasta com a manutenção da jarda e quantas vezes vai ao médico?

Não sei. Não conheço ninguém que faz manutenção da jarda. As únicas vezes que fui ao médico, foi devido às alergias, que apanhei na perna, isto é, no princípio deste ano. Nunca tomei nenhuma medicação, mas dizem existir um chá, que limpa o sangue das pessoas. Em alguns casos, faz-se massagem, mas não tem como abrir por não se tratar de silicone. É um óleo que se aplica. A maioria das mulheres com jarda, se escondem por vergonha e alegam ser natural.

 
Em caso de problemas de saúde, faz as suas consultas no exterior do país ou em Angola?

Faço os meus tratamentos médicos em Angola. Tenho recebido diariamente muitas mensagens, nas redes sociais, de pessoas que jardaram e com problemas sérios de saúde. Anteriormente, recorria às clínicas privadas, para um acompanhamento pormenorizado do meu estado de saúde. Actualmente, já não faço. Aconselho as pessoas com jarda com problemas de dores  e  mal-estar, a dirigirem-se para o Hospital do Prenda. Isto é, pelo baixo custo do tratamento, por outro lado, por ser uma unidade de saúde com bons médicos.

 
Tens feito alguma campanha para desencorajar amigas e colegas que pretendam aplicar a jarda?

Nunca participei de nenhuma campanha como tal. Mas, já aconselhei muita gente. Não tive consequências graves com a jarda, mas, depois de me sentar com um especialista e me mostrar os prós e os contras, não aconselho ninguém a jardar. Esqueci-me... Deixa-me dizer que houve um tempo em que comecei a ter problemas de respiração e sangramento nasal.

 

É conhecida como a "Mãe dos Seis Filhos”. Resta-lhe tempo para os filhos?

Sim. Tenho tempo para os meus filhos, apesar de não se encontrarem em Angola. Conversamos todos os dias. Cheguei a viajar duas vezes para visitar e matar saudades. Em breve estaremos juntos novamente. Por mais ocupações que possamos ter, não importa que tipo de trabalho ou profissão exercemos, devemos disponibilizar tempo para os nossos filhos. Infelizmente, não tive os meus pais presentes, mas tive os meus avós. A presença de uma mãe é importante para o crescimento dos filhos.

 
Há dias, viralizou pelas redes sociais, uma conversa de que tinhas um salário avaliado em milhões de kwanzas. É verdade ou é especulação?

É fake news. As pessoas são mentirosas e não sei onde fabricaram esta informação. Depois disso, muita gente passou a pedir-me ajuda, inclusive, chegaram a enviar-me tantos currículos a pedirem emprego. Houve enchentes de pessoas à porta da minha casa. Poderei ganhar essa quantia, um dia, mas ainda não me encontro neste nível.

 
Qual é o segredo de permanecer no topo do kuduro em Angola?

Trabalho arduamente, para manter a minha posição e continuar a cativar os meus admiradores.

 
Que mensagem gostaria de enviar para os novos kuduristas?

De que, devemos levar a sério o estilo, pois os novos talentos fazem de tudo para aparecer, sem respeitar os antigos. Uns, até, pensam que a falta de respeito é a melhor forma para sobressair na carreira musical. Precisamos ter noção de que o país, tem rumo e já não é o mesmo. Podem atacar-me, mas nunca irei comentar assuntos dos novos talentos. A esses, desejo muita força. O importante não é a música atingir milhares, mas sim manter o nome no mercado.

 
Como jovem e figura de referência que mensagem gostaria de enviar?

Que prestem mais atenção aos kuduristas, respeitem e valorizem mais os fazedores do kuduro. O kuduro é o estilo que muito faz e dá força para elevar o nome e a bandeira da música angolana no exterior. Alguns cantores não são sérios. Mas, nós merecemos mais espaço, pois, só assim vamos fazer também uma linda Angola. Se continuarmos unidos e deixar o orgulho de fora, nos amarmos mais, cada um na sua área de actuação, podemos construir uma Angola melhor.

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