Entrevista

Mona Panzu: “Já suspendi muita gente por prática de venda de notas”

O primeiro presidente eleito do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) do Uíge, Mona Panzu, fala, nesta entrevista ao Jornal de Angola, dos principais desafios da instituição durante os cinco anos de mandato, que assentam no ensino, investigação e extensão universitária. E diz que está engajado em combater muitos males enraizados na instituição, como por exemplo, práticas de corrupção relacionadas com a venda de notas aos estudantes

15/01/2023  Última atualização 07H55
© Fotografia por: Mavitid Mulaza | Edições Novembro

Que condições dispõe o ISCED para o ensino e para a gestão administrativa?

Nós não gostamos das condições do ensino, das nossas salas e dos nossos laboratórios. Depois da nossa gestão, queremos deixar uma imagem diferente. As salas de aulas não podem continuar como estão. Esse projecto está em curso e quase todas as salas de aulas estão a ter electro-projectoras e computadores. A questão das infra-estruturas não é só na parte dos equipamentos de aulas, mas até na própria acomodação dos estudantes. O ISCED é uma instituição em que quando não há aulas, os estudantes não ficam no ISCED. Quando o professor está na sala estão na sala, quando o professor sai, os estudantes também saem. E um estudo rápido feito revela que os estudantes não têm muitos espaços de acomodação, quando não têm aulas não têm onde sentar. Só têm os nossos corredores com dois ou três bancos. Não tem outro espaço para a leitura, para troca de experiências entre colegas, para discussão em grupos, para partilhar algumas matérias. Estes espaços fazem muita falta e faz com que dois tempos (minutos) de atraso do professor sejam o suficiente para que este não encontre mais nenhum estudante, por não terem por onde sentar. Por essa razão, concebemos o projecto da criação de espaços para leitura e acomodação dos estudantes e também o apetrechamento dos laboratórios.

O ISCED realizou, no ano passado, as suas primeiras eleições. Mas a vossa eleição contou apenas com um único concorrente, que foi o senhor. O quê é que se passou?

Não gosto muito da expressão único candidato. Tratou-se de "único candidato admitido” mas houve outros candidatos. Fui o único candidato admitido para o concurso às eleições, por causa da Norma, por causa da Lei. A lei diz que primeiro tem que ser Doutor, depois tem que ser um Doutor que pertence às duas categorias profissionais do topo. Tem de ser ou professor catedrático ou professor associado. O ISCED só tem dois professores catedráticos. Os dois são padres e a religião, parece que há algum interesse da religião, que não combina muito bem com a chefia e então ficaram menos interessados. A categoria a seguir, que é a segunda do topo, onde me encontro, é a de professores associados, que somos quatro.

 

Por que razão nenhum deles concorreu?

Temos um que foi à reforma, o outro é actualmente o presidente do Nzenzo Estrela (Instituto Superior) e a Lei proíbe a quem exerce cargo de chefia e direcção nas instituições do ensino superior privadas de concorrer para a  gestão de uma unidade do ensino superior pública. A não ser que renuncie primeiro ao cargo que exerce lá fora. Aquele candidato não foi admitido por este facto e outros pelo que a Lei impõe. Tivemos uma outra candidata que não concorreu. Não se candidatou, provavelmente, por desinteresse. O outro professor associado já constava na minha lista como meu vice. Dois potenciais candidatos já estavam comigo e os demais estavam fora, como o gestor e aquela que se desinteressou. Os demais não podiam concorrer mesmo sendo doutores, porque a categoria também contava, assim como as publicações. Ter publicações científicas nos últimos três anos era igualmente um pressuposto a ter em conta. Se é doutor e não publicou não pode concorrer.

Mas as eleições foram contestadas…

Sim, as eleições foram contestadas, mas depois o processo não teve pernas para andar, porque o Ministério do Ensino Superior refutou as alegações invocadas. As eleições tinham sido convocadas pelo Ministério, através de um despacho da própria ministra e os colegas diziam que o ISCED tinha pressa de realizar eleições, justificando que  não estavam ainda reunidas as condições para o efeito. O ISCED realizou as eleições dois meses depois do despacho de convocação do pleito. Mesmo assim eles insistiam que "ainda não havia condições para a realização das eleições” e que tinham sido apanhados de surpresa.

Quais são os principais desafios da instituição?

A nossa aposta está virada para a melhoria do ensino, no incentivo dos docentes a se virarem mais para a investigação assim como dar uma outra dimensão à nossa instituição. Esses três pilares fazem parte dos nossos desafios para os cinco anos do nosso mandato e eventualmente para os desafios fora da nossa gestão, porque não se pode compreender que tenhamos hoje uma instituição do ensino superior onde só se ensina sem investigar. Os alunos aprendem sem investigar. Ensina-se aquilo que vem dos outros e nunca trazemos à tona os resultados da nossa própria investigação científica. Queremos que o ISCED tenha uma palavra, tenha respostas a dar em termos de investigação científica, mostrando soluções para os problemas que afectam a província e o país, na esfera da educação, com a realização de actividades de investigação científica e não somente o ensino para a formação de professores.

E quanto aos próprios professores?

Queremos deixar um ISCED com professores com um nível académico mais elevado em relação aos níveis encontrados. Se continuarmos assim, nunca teremos mestrados em Inglês, em Química, porque não temos PhD. Esse projecto de formação está em curso e neste momento já temos alguns professores fora do país a estudarem e a serem apoiados pela instituição.

 

O processo de ingresso de novos estudantes gerou inúmeras reclamações e protestos. O que é que aconteceu?

Esse processo foi gerido com muita sabedoria, com muita mestria. Mas reconhecemos que todo o trabalho humano acarreta imperfeições. É difícil que num universo de cem pessoas se consiga controlar o que todas estas pessoas fazem. O nosso processo foi carregado de alguma insuficiência, algumas lacunas, houve erros de lançamento, pessoas com notas negativas que passaram, pessoas com notas positivas que não entraram. Por causa de algumas denúncias e insatisfação de alguns candidatos que se sentiram injustiçados, fez-se um trabalho de inquérito com o IGAE e, conjuntamente, verificou-se e detectou-se todas essas falhas e corrigimos os erros.

Qual é a situação neste momento?

Neste momento,  todos aqueles que estavam para entrar e não entraram, porque houve uma falha do nosso lado (admitimos estes erros e falhas), entraram. Aqueles que de forma irregular conseguiram entrar, fazendo as suas matrículas, neste momento já se encontram fora. Também houve candidatos que ficaram de fora por expulsão mas também por má leitura do nosso lado ou do lado de quem fez o inquérito, esses também voltaram a fazer outras reclamações e os casos estão a ser reapreciados para entrarem. No fundo, no fundo, são erros humanos que foram cometidos e hoje essas situações estão totalmente ultrapassadas.

Quantos alunos foram apurados neste processo, depois das correcções efectuadas fruto das reclamações?

Por causa do que se afirmou, tivemos de continuar a fazer as matrículas em atraso durante o mês de Dezembro, para acolher aqueles casos que ainda podiam entrar e que ainda não tinham entrado. Até aquele momento, o ISCED tinha cerca de sete mil candidatos, sem contarmos com os que fizeram as matrículas atrasadas por causa das reclamações referidas. Vamos ter muito mais do que foi estimado.

Qual é o número de estudantes finalistas?

Desde o ano passado que está em preparação a cerimónia de outorga de diplomas a 1.254 candidatos. Esse número deve-se ao encerramento de alguns cursos e a todos aqueles que andaram relaxados, que voltaram para  fazer as defesas, atendendo a extinção dos cursos de Pedagogia e de Psicologia.

 

Como é que o ISCED está em termos de laboratórios?

Herdamos um ISCED onde muitos laboratórios funcionavam como laboratórios e salas de aula ao mesmo tempo, o que era muito perigoso. Um laboratório de Química com todos aqueles agentes químicos lá dentro e noutro lado estudantes a estudarem. Também acontece com os laboratórios de Física e de Biologia. Dentro do laboratório não se pode estudar, porque existem muitos produtos e é preciso muita cautela e prudência. Então esta gestão pretende separar as salas de aula dos laboratórios e criar novas condições nestes laboratórios que, praticamente, não têm quase nada, como o laboratório de Geografia que só tem um mapa simples de Angola e do Mundo e ainda por cima em péssimas condições. Então, queremos trabalhar para dar um novo visual aos nossos laboratórios.

Para além da formação de docentes, que outras contribuições o ISCED pode dar para a sociedade?

O ISCED, sendo uma instituição do ensino superior, não pode só ficar na formação de professores. Aliás, no princípio eu falava numa trilogia em que queremos edificar o ISCED que é ensino, investigação e extensão universitária, que é a partilha de conhecimentos dos resultados da investigação científica junto das comunidades. Se o ISCED tem curso de Química, não é só para a formação de professores de Química. Os químicos podem trabalhar para resolver problemas da sociedade com base na ciência. Temos cursos de Biologia, que não se dedicam apenas à formação de professores mas também para olhar os problemas da sociedade, por exemplo as questões de saneamento, a gestão do lixo. Então, o ISCED tem de dar essas respostas. Faz parte dos nossos desafios, juntar ao ensino e investigação a extensão universitária. Levar o conhecimento, resultado da investigação científica, para impactar a sociedade.

Existem outras áreas de actuação para além destas que apontou?

Há uma outra dimensão do ISCED que é pouco conhecida. O ISCED não é só uma escola de formação de professores. É uma escola de formação de professores e agentes de educação. A componente agente de educação é pouco explorada. Temos professores, mas nas escolas não actuam só professores. Há quem trabalhe numa escola mas não é professor, é um agente de educação. Há quem trabalhe na administração, na gestão de crianças, na elaboração de programas, em questões ligadas à educação, os inspectores, por exemplo. É desta maneira que o ISCED vai dando respostas.

Já tem havido intervenções do ISCED na solução de questões que preocupam a sociedade?

Seria imprudente afirmar que ainda não tenha feito este tipo de intervenção. O que posso dizer é que esta actuação deve ser institucional. Acredito que os professores do ISCED já fazem este trabalho, mas fazem-no de forma isolada, em nome próprio. O que se pretende é que esta actuação na sociedade seja institucional. Há muitos professores do ISCED que investigam, trabalham ou colaboram, por exemplo, com os ministérios da Agricultura e do Ambiente. Fazem muita coisa nestas e noutras instituições, só que fazem-no em nome próprio, não é o ISCED que vai lá. Nós queremos institucionalizar essas actuações. As actuações feitas de forma singular têm uma abrangência menor. Por falta de recursos, o projecto não é grande e se calhar o investigador não tem muitas condições para desencadear um projecto de grande envergadura. Se for institucional o projecto tem mais impacto, com o envolvimento de muitas pessoas e os recursos serão também significativos, porque podem ser obtidos através de outras instituições.

Como é que o ISCED publica os resultados da investigaç-ão científica dos seus docentes?

Estamos em fase de reformulação do que já existia. Já temos pessoas nomeadas e está em curso o estabelecimento de uma parceria com a Universidade Óscar Ribas, que tem muita experiência em termos de gestão de revistas científicas. Pessoalmente tenho trabalhado com o Reitor daquela instituição para a formação dos nossos técnicos. Depois desta formação vamos criar a revista. A intenção é criarmos uma revista que não terá o mesmo nome, "Ngindu za nlongi”, que existia aqui, mas será uma revista para publicação de investigação dos professores, as melhores monografias defendidas pelos estudantes do ISCED a nível de mestrado e licenciatura. Essas monografias defendidas pelos estudantes com muito mérito serão retrabalhadas para saírem em forma de artigos. Vamos publicar livros individuais e colectivos dos professores do ISCED, através da secção recentemente criada. Temos aqui de destacar uma coisa, em termos de divulgação científica: não é muito ético que na revista do ISCED se publiquem obras dos professores do ISCED, porque retira algum mérito.

Como assim?

Se os professores da instituição publicam, por excesso, na revista da mesma instituição, isto reduz o rigor na apreciação dos artigos submetidos. O que se aconselha é que na revista do ISCED não haja muitos professores da instituição a publicar  nela, porque os que trabalham dentro da editora são colegas, que podem fazer passar até artigos sem grande qualidade, mas simplesmente com a finalidade de dar alguma visibilidade a um colega, que tenha feito um trabalho, às vezes,  de péssima qualidade. Mas como temos parcerias com outras instituições, os nossos vão lá e os de lá virão aqui publicar, para dar maior crédito à revista da nossa instituição. Isso não quer dizer que os professores do ISCED não vão publicar. O que queremos é prevenir o excesso de publicações internas, porque reduz o rigor da análise e apreciação dos dados da investigação científica.

Silvino Fortunato | Uíge

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