Entrevista

João Lourenço: “As manifestações são um direito contemplado na Constituição e na Lei”

O Chefe de Estado, João Lourenço, destacou, em entrevista divulgada, ontem, pela imprensa portuguesa (agência Lusa e jornal Expresso), que as manifestações e greves são próprias dos países democráticos. Durante a entrevista feita na última terça-feira, no Palácio Presidencial, em Luanda, o Presidente angolano abordou várias questões, desde as relações luso-angolanas à justiça, da economia à guerra na Ucrânia

04/06/2023  Última atualização 08H20
© Fotografia por: DR

A luta contra a corrupção tem sido uma promessa constante ao longo do seu mandato. Em relação ao processo de Manuel Vicente, o "irritante” para as relações com Portugal, já passaram os cinco anos em que o ex-Vice-Presidente tinha imunidade e nada mais se soube. As coisas estão a andar a um ritmo demasiado lento?

Esse processo veio depois do braço-de-ferro entre os dois lados, a que os portugueses entenderam chamar "irritante”. Quem lhe deu esse nome não fomos nós, nem foi Angola que provocou esse "irritante”. Foram as autoridades portuguesas — judiciais, não políticas — que decidiram levar à barra dos tribunais um governante angolano daquela craveira. Não imagino Angola a ter a ousadia de levar a tribunal aqui José Sócrates, se tivesse cometido algum crime em Angola. O desfecho foi bom, não deixou mazelas. Portugal reconheceu a necessidade de remissão do processo para a justiça angolana. Não me posso meter, vamos esperar que a justiça faça a parte que lhe compete.

 

Entendeu que havia desconfiança em relação à forma como a justiça angolana poderia funcionar?

Não, o que nós entendemos é que os acordos são para ser respeitados, e havia um acordo — não, há que Portugal não estava a respeitar. Portanto, o que fizemos foi recordar a necessidade de esse acordo ser respeitado.

 

Como é hoje a sua relação com Manuel Vicente?

Pessoal, institucional? Institucional: é um ex-Vice-Presidente da República. Pessoal... que é que eu vou dizer? Não tenho muito tempo para lidar com questões que não sejam de ordem institucional. Estou absorvido 24 horas por dia a tratar das questões do Estado. E ele nem sequer vive em Angola.

É público que as autoridades angolanas têm colaborado com várias jurisdições, nomeadamente, Portugal, nos processos relativos a Isabel dos Santos. Houve um alerta vermelho lançado pela Interpol a pedido de Angola, mas já lá vão seis meses. Entretanto, sabe-se onde ela está. Está surpreendido com a falta de resposta das autoridades do Dubai?

A cooperação judicial tem funcionado, inclusive com Portugal. Porque não houve resposta do Dubai ou de outras entidades? É uma surpresa. De resto, nem foi um simples alerta vermelho, foi mesmo um mandado internacional de captura, a pedido de Angola. Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir. Nós confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol.

 

Isabel dos Santos não está propriamente foragida. Dá nota pública das suas actividades nas redes sociais. O caso não está a avançar de forma demasiado lenta?

Costuma-se dizer que o mundo é pequeno. Hoje, é quase impossível as pessoas esconderem-se ao ponto de ninguém saber onde estão. Não só nós sabemos, como a Interpol, por maioria de razão, tem de saber. Mas decerto há trâmites a seguir, que eles estão a respeitar. Vamos aguardar pacientemente.

 

Já se usou várias vezes nesta entrevista a expressão "irritante”. Numa entrevista ao Expresso, em 2018, prometeu combate à corrupção. As questões que envolvem Isabel dos Santos parecem uma pedra no seu sapato, um "irritante” que falta resolver.

Não gosto de falar do caso concreto de uma pessoa. Há muitos cidadãos angolanos a contas com a Justiça. O caso dela é apenas mais um.

 

A pergunta deve-se à relevância que ela teve, também em Portugal.

Está bem. Para nós é mais um caso. Temos vários, alguns julgados e condenados.

Mas nem todos incluem acusações do calibre das que Isabel dos Santos lhe faz: que é vítima de perseguição política e que a Procuradoria-Geral da República angolana segue instruções da Presidência, como se estivesse em causa a Independência dos poderes.

Não a vejo como minha rival política. Perseguição política é a opositores. Os opositores do MPLA são conhecidos. É tudo o que tenho a dizer.

 

Outro caso com eco em Portugal prende-se com Álvaro Sobrinho. Que percepção tem sobre o que aconteceu no BESA, o desvio de mais de  500 milhões de euros? Tem alguma relação com este empresário?

Preciso de ter motivos para deixar de ter relações com as pessoas. Ele não foi julgado nem condenado. Se aparecer aqui, não lhe viro as costas. Até prova em contrário, é um cidadão livre. Quanto ao caso BESA, é a justiça que tem de se pronunciar. Na Europa, não é normal pedirem-se contas aos Chefes de Estado sobre casos de corrupção. Ninguém pergunta ao Presidente Marcelo pelo caso José Sócrates. Às vezes, entende-se que em África é diferente, particularmente em Angola, e que quem tem de responder pelos casos de corrupção é o Chefe de Estado. Não é justo.

 

Reconheceu uma crise na justiça, ao convidar a presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, a renunciar ao cargo. Há uma investigação ao presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura, cujo afastamento a Ordem dos Advogados pediu. Manter Joel Leonardo em funções não mancha a imagem da Justiça e do próprio Presidente?

Não manter Joel Leonardo, com base em que fundamento? Tem um processo em curso e é preciso aguardar pelo seu desfecho. Um oficial de campo que trabalhava no seu gabinete está a contas com a Justiça, com factos comprovados. As entidades competentes não comprovaram a ligação dele ao venerando juiz-presidente, nem que tenha agido por orientação deste. Cada caso é um caso, não comparo. Não digo que se fulana saiu, fulano também tem de sair.

 

No índice de corrupção da Transparência Internacional nota-se uma ligeira melhoria de Angola, mas ocupa o 116º lugar entre 180. É uma luta interminável, perdida? Qual vai ser o seu legado nesta matéria?

Angola vai fazer quase 50 anos como país independente. Eu estou há pouco mais de cinco no poder. Não se pode acabar com a corrupção em cinco anos, nem sei se algum país acabou com ela, na verdadeira acepção. O problema não é haver corrupção, é haver impunidade. Em cinco anos houve muito mais processos por corrupção do que nos 40 antes de 2017. Daqui a uns anos, quando me for embora, não me vai perguntar: "Então, acabou com a corrupção?” Claro que não. Antecipadamente já lhe estou a responder.

 

Na próxima semana vai receber o Primeiro-Ministro português. O que espera da visita?

Espero o reforço das relações de amizade e de cooperação económica entre Angola e Portugal. As relações estão boas. Acredito que nunca estiveram tão bem.

 

Nunca estiveram tão bem?

Nunca, precisamos é de aumentar o investimento português em Angola e o investimento angolano em Portugal.

O investimento português tem baixado?

Não, não tem baixado, mas não estamos ainda satisfeitos. Pensamos que ainda há espaço para crescer. Portanto, pode haver muito mais do que aquilo que Angola tem recebido.

Portugal deixou de olhar para Angola como uma prioridade?

O interesse nunca deixou de existir, sempre foi grande. Em relação ao sector privado, nunca podemos dizer o que deve fazer. Cada um corre o risco à medida das suas capacidades. Portanto, nós estabelecemos políticas de atracção do investimento estrangeiro, e depois cada um investe onde quiser, quando quiser.

 

Quando diz que espera um reforço das relações, centra-se especificamente em algum ponto?

Temos assinalado alguns sectores da economia onde pretendemos ver maior investimento privado estrangeiro, nomeadamente, na Agropecuária e no Turismo. Em termos de turismo, o investimento português é baixo. Gostaríamos de ver os investidores portugueses adquirirem mais activos que estão a ser alienados no quadro das privatizações.

 

Um dos pontos fundamentais é a questão da mobilidade entre angolanos e portugueses. Avançou-se em processos como os Vistos, Segurança Social, Saúde?

A questão da mobilidade não é apenas uma questão de ordem bilateral, mas do quadro da própria organização a que todos nós pertencemos, a CPLP. Em princípio, a situação hoje está bem melhor do que no passado. Aliás, é só ver o número de voos que aumentam todos os anos, o que significa que essa mobilidade está cada vez mais fluida.

 

O ministro das Finanças (de Portugal) está em Luanda e anunciou o aumento da linha de crédito de €1500 para €2000 milhões. Em que medida isto pode incentivar as empresas portuguesas a virem para Angola?

Sim, o crédito de exportação incentiva a deslocação das empresas portuguesas para Angola, uma vez que se sentem mais confortáveis e com a garantia de que o que vêm fazer fica coberto por esse crédito de exportação. Este aumento do crédito anunciado pelo ministro das Finanças vai ser utilizado, em princípio, para a construção de infra-estruturas.

 

Foi divulgado que a dívida certificada de Angola a empresas portuguesas já tinha sido paga na totalidade. No entanto, ainda há empresas portuguesas que referem dívidas por pagar. Como está a situação?

A dívida de Angola para com as empresas portuguesas, estou-me a referir à dívida certificada, anda à volta dos 500 milhões de euros. Desse valor, pagámos 390 milhões de euros, o que significa que estamos em falta num valor de cerca de 100 milhões de euros. A dívida não certificada ascende a cerca de 700 milhões de euros. Portanto, há cerca de 200 milhões de euros que ainda precisam de ser certificados.

 

A Sonangol anunciou que as participações no Millennium BCP e na Galp são para manter. No entanto, a Galp vendeu participações que tinha nos blocos petrolíferos em Angola, por cerca de 830 milhões de dólares. Em que medida isto afecta as relações destas empresas e dos dois países?

Bom, esta posição assumida pela Galp é da exclusiva responsabilidade da própria Galp. Se permanecessem seria melhor.

 

Há a hipótese de a Sonangol vir a retirar-se das suas participações em empresas portuguesas?

Se algum dia houver esse interesse da parte da Sonangol, será manifestado. Se não acontecer, é porque está tudo bem.

E relativamente à Efacec, que foi nacionalizada pelo Governo e que era detida por capitais de Isabel dos Santos, está confortável com a situação encontrada?

O Governo português não deu nenhum passo sem consultar as autoridades angolanas. No quadro da recuperação de activos, o importante é que Angola não perca. E, em princípio, temos assegurado que não vai perder.

Ao longo de ano e meio, em todo o planeta, o assunto dominante tem sido a guerra no Leste da Europa. Como olha Angola para o conflito?

Lamentamo-lo, mas tememos que se esqueçam conflitos noutros pontos do planeta que ceifam vidas, destroem património, provocam deslocados, refugiados. A posição de Angola é muito clara: defendemos a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, o que significa que condenamos a ocupação e, pior, a anexação de parte do território ucraniano. Militarmente, ninguém vai ganhar essa guerra. Vemos a tendência de rearmamento da Ucrânia, que tem o legítimo direito de defender a sua terra, mas isso não leva necessariamente à vitória sobre a Rússia. É preciso sentarem-se à mesa de conversações.

 

Quem pode convencê-las?

A iniciativa deve ser das partes, portanto, de Putin e Zelensky. Tenho defendido que os EUA e a China cheguem a um entendimento esquecendo temporariamente diferenças em relação a Taiwan  e nos próximos três ou seis meses trabalhem juntos pela paz na Ucrânia. Se a guerra piorar, não é utópico dizer que podemos correr o sério risco de uma confrontação nuclear. E aí não será entre a Rússia e a Ucrânia, será entre as grandes potências.

 

Mencionou diferenças entre a China e os Estados Unidos, a nível económico ou geopolítico. Isso repercute em Angola?

Não há grande investimento chinês em Angola. Há-o na Europa e na América. A maior empresa chinesa que assentou arraiais aqui é a Huawei. De resto, são pequenas e micro-empresas de cidadãos chineses. Muitos vieram como empregados das empreitadas e acabaram por ficar. No fim da guerra, em 2002, foi prometida a Angola uma conferência de doadores em Bruxelas, com data e tudo: Setembro de 2002. Passados 21 anos, nunca aconteceu. E Angola estava muito destruída e sem recursos próprios. Quem nos estendeu a mão foi a China.

Concedeu uma linha de financiamento para recuperação de infra-estruturas, portanto, investimento público. E Angola está a honrar o compromisso de pagar o que deve à China, que não é pouco. Quanto à concorrência entre as duas grandes potências, existe, sobretudo, no comércio.

Em relação à presença chinesa em Angola, os Estados Unidos não têm de temer, porque Angola está aberta a todos. No corredor ferroviário do Lobito, entre os concorrentes havia um consórcio de empresas chinesas que não venceu. Quem venceu foi um consórcio europeu, em que está uma empresa portuguesa, uma suíça e uma belga, que será financiado com recursos americanos.

 

Portugal tem um parecer do Conselho Superior de Segurança, que pode colocar reservas à autorização da Huawei, nomeadamente, no 5G.

Só coloca reservas? Não tomou medida nenhuma? Então vamos esperar para ver.

E se isso acontecer, Angola vai tomar posição?

Não vamos tomar pelo simples facto de Portugal tomar. Temos olhos para ver. Nós recebemos muitos recados: cuidado com a China. E o caricato é que os que nos dizem para termos cuidado com a China recebem investimento privado chinês todos os dias. Há países europeus onde a China comprou bancos, hospitais... muitos activos. O dinheiro chinês é bem-vindo para eles, mas para nós não? É preciso não cair nessas armadilhas.

 

Está no início do seu segundo mandato presidencial de cinco anos. A Constituição só permite dois mandatos consecutivos. O que vai acontecer em 2027? Já não será candidato?

O que vai acontecer é que vou continuar a servir o meu país, onde for chamado. Estamos muito longe dessa data, não estamos em período eleitoral, não é sensato falar da apresentação de candidaturas. O que lhe quero dizer é que quando chegar esse momento, o MPLA saberá escolher o melhor candidato. E quando o fizer, vai ter a preocupação de não atropelar nem a Constituição nem a Lei.

 

Então não exclui que possa haver essa mudança?

A resposta está dada.

 

A pergunta é livre e a resposta também. Mas ao ouvi-lo, fica a dúvida...

Não quero falar de suposições, eu sou anti ‘ses’...

Mas o futuro do Presidente da República é algo que toda a gente quer saber.

Sim, com certeza. Na devida altura vão saber. Os partidos políticos vão apresentar os seus candidatos e todo o mundo ficará a saber quem será o candidato do MPLA. Nada de nervosismos. É uma questão de esperar.

 O seu antecessor ficou 38 anos no cargo, a preocupação com a renovação na democracia existe, daí a pergunta...

Em Angola não há candidatos independentes. Os candidatos são dos partidos. Se vai chamar-se António ou Joaquim, ou João... quem sabe? Quanto ao meu antecessor, saiu tarde, mas saiu. Não se perpetuou no poder. O conceito de perpetuar é ficar até morrer. Não foi o caso dele.

Não teme que um dia olhem para si e digam ‘saiu tarde’?

Não, tudo depende de mim.

Tema recorrente é o da realização de eleições autárquicas. Há condições para se caminhar em direcção à institucionalização das autarquias a partir de 2024?

Tudo depende da nossa capacidade material, financeira e de organização. Acho arriscado falar em datas. Enquanto a Assembleia Nacional não concluir este processo da aprovação das leis, é melhor nem sequer fazer comentários. Às vezes cansam-me com este tipo de perguntas. Quando é que vai haver eleições autárquicas? Eu não posso convocar eleições autárquicas sem que seja na base da lei.

 

Então são os partidos que estão a andar de forma lenta na Assembleia?

Não disse isso. O que eu quero dizer é que tem de haver lei. Um Estado Democrático e de Direito é isso, tem de haver lei.

 

Os partidos da oposição acusam o Presidente de não dialogar suficientemente. Qual é a sua relação com a UNITA?

Quando é que pretenderam falar com o Presidente da República e eu virei as costas?

Não aconteceu. Falo com toda a gente, até com pessoas da oposição.

A queixa tem que ver com a abertura às propostas da oposição.

Também não temos de aceitar todas. É o que está a acontecer em relação ao poder autárquico. Estamos em posições diferentes: eles defendem a realização em simultâneo de 164 eleições autárquicas, nós dizemos que não é realista. Para quem conhece Angola, para quem nunca teve autárquicas, fazer em simultâneo em todo o país não é realista. Portanto, este é um dos pomos da discórdia.

Já se encontrou com o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior?

Mas acha que é possível eu nunca me ter encontrado com Adalberto Costa Júnior?

Aqui neste Palácio, depois das eleições?

Com certeza. Foi a pedido dele, eu recebi, com certeza.

 

Há críticas da sociedade civil ao facto de o Governo poder estar a condicionar o exercício de cidadania em Angola, sobre a dificuldade de realização de manifestações. As ONG consideram que pode estar em causa um condicionamento à sua actividade. Há activistas que se encontram presos. O que tem a dizer?

Dizer que há pouca liberdade de manifestação em Angola, que a cidadania está posta em causa, não concordo. Pelo contrário, o meu ponto de vista é que até há excessos no exercício dessa liberdade de manifestação. Em Angola, há manifestações de rua praticamente todas as semanas. A polícia reage quando tem de reagir. Já houve manifestações pacíficas, sem necessidade de a polícia intervir. O que às vezes não entendemos é que nas grandes democracias há manifestações com cargas policiais bastante violentas. E é democracia. No nosso país, se houver alguma carga policial, não lhe chamam carga policial, chamam-lhe outro nome mais feio. Ninguém tem vontade de tratar mal os seus próprios cidadãos. Os que se manifestam são nossos cidadãos, são nossos filhos, são nossos irmãos. E a polícia está ali na manifestação precisamente para protegê-los.

 

Como encara o descontentamento que tem sido manifestado por diversas classes?

Em Portugal, há greves na saúde, no transporte aéreo, há greves em todos os sítios. Parece-me que há descontentamento. As manifestações são um direito contemplado na Constituição e na Lei. Portanto, quando há manifestações, há manifestações. É a democracia, não é assim que se diz? E se fosse o contrário, e se o regime não permitisse manifestações, o que diriam? Se fosse como no passado? Estava melhor como era antes?

 

Deu um passo em relação à reconciliação nacional, relativamente às vítimas dos conflitos de 1977. No entanto, há familiares que puseram em causa o processo, nomeadamente, a identificação dos restos mortais que lhes foram entregues, por não coincidirem com os ADN. Foi uma reconciliação falhada?

Em todos esses processos, a nível mundial, quando se faz a exumação de corpos e se submetem os restos mortais a exames de ADN, é precisamente para confirmar de quem são os restos mortais. E essa confirmação pode dar certo, como pode não dar. Portanto, haverá com certeza casos em que se pensa que determinados restos mortais são da família A ou da família B, e o exame vir a concluir que não. Isso é absolutamente normal. Agora, não se pode a partir daí vir dizer que foi intenção do Governo de enganar A ou B.

Independência e Revolução, cá e lá

Se 2024 é marcante para Portugal, por se assinalarem os 50 anos da Revolução dos Cravos, no ano seguinte Angola completa meio século de Independência. João Lourenço demonstra total abertura para ir a Portugal e participar nas cerimónias oficiais do 25 de Abril, para o ano: "Com certeza que estou disponível, tudo depende da vontade das autoridades portuguesas. Se eu for convidado, irei com muito gosto”.

No último 25 de Abril, a presença do Presidente do Brasil, Lula da Silva, nas cerimónias oficiais gerou polémica e dividiu os partidos. No próximo ano, prevê-se mais Chefes de Estado de outros países lusófonos.

Na entrevista, questionado sobre a vontade de ter representantes portugueses nas festividades angolanas de 2025, João Lourenço mostrou-se surpreendido, acabando por dizer que é boa ideia: "Não tinha pensado nisso, penso ser cedo, ainda faltam dois anos, mas nos 50 anos, terei muito gosto em convidar o Chefe de Estado português”.

 

Visita de Costa reforça linha de crédito

António Costa chega segunda-feira a Luanda para uma visita de dois dias, com a qual os dois países pretendem aumentar e diversificar as relações económicas. O Primeiro-Ministro português e o Presidente angolano vão testemunhar a assinar vários acordos, entre os quais um Programa Estratégico de Cooperação 2023-2027, que inclui um reforço da linha de crédito Portugal-Angola, cujo montante passará de 1,5 mil milhões de euros para 2 mil milhões de euros .

Nesta visita que tem por lema "Construímos relações sólidas” e que será antecedida por um Fórum Económico estão também previstos encontros com mais de uma centena de empresas portuguesas de vários sectores. A aposta é ir ao encontro da necessidade angolana de investimento (manifestada por João Lourenço na entrevista) e também de diversificação da economia que é, de resto, uma das prioridades defendidas pelo FMI.

O Gabinete do Primeiro-Ministro salienta mesmo os "esforços portugueses para contribuir para a diversificação da economia angolana, com aposta em novas áreas: Águas e Energia, Engenharia e Construção, a Agroindústria, a Energia, o Turismo, a Indústria Farmacêutica, a Educação ou o Têxtil”.

O sector petrolífero representa cerca de um quarto do PIB angolano e quase metade das receitas do Estado, o que deixa Angola demasiado exposta às flutuações nos mercados internacionais. Os principais riscos este ano são, precisamente, descidas mais acentuadas no preço do petróleo, mas também condições climatéricas adversas que possam prejudicar a produção agrícola ou agravamento dos custos internacionais das matérias-primas e bens alimentares.

Angola recorreu a um empréstimo do FMI em 2018, que terminou no final de 2021, mas que ainda está a ser pago. No ano passado, o crude esteve longos períodos acima dos 100 dólares e Angola cresceu 3%.

Este ano, em que a média anda nos 80 dólares, a economia deve abrandar. Em Março, o relatório do FMI ainda apontava para uma aceleração este ano. Mas há outras previsões como é o caso da agência de rating Fitch  que apontam para valores inferiores a 2%.

Em qualquer caso, será sempre um ano de crescimento e de recuperação o terceiro consecutivo, depois de meia década de recessão (2016-2020).

A inflação caiu no ano passado, depois de se ter aproximado dos 30% em 2021, mas ainda deverá andar em redor de 13% este ano. O mercado angolano está no top 10 das exportações de bens portugueses, mas à grande distância dos principais parceiros.

Em 2022, Angola representou menos de 2% das exportações portuguesas numa tabela liderada pela Espanha (27%) e menos de 1% das importações. Em sentido inverso, Portugal não aparece sequer na lista dos principais destinos dos produtos angolanos.

 

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