Entrevista

Entrevista

Instituto Oftalmológico Nacional regista este ano mais de 65 mil novos casos de alterações visuais

Alexa Sonhi

Jornalista

Ao redor do mundo, 285 milhões de pessoas têm alterações visuais, desde leves a moderadas. Deste número, 80 por cento podem ser prevenidas ou tratadas. Infelizmente, 90 por cento das pessoas afectadas vivem em países em desenvolvimento.

12/10/2023  Última atualização 11H51
Directora geral da unidade sanitária, Luísa Paiva © Fotografia por: DR
Em Angola, só no terceiro trimestre de 2023, o Instituto Oftalmológico Nacional (IONA), observou 65.434 pacientes e operou 5.928. Em entrevista ao Jornal de Angola, a directora geral da unidade sanitária, Luísa Paiva, fala sobre a importância da data.

O Dia Mundial da Visão foi instituído pela Agência Internacional de Prevenção da Cegueira. Como estamos relativamente a este assunto em Angola?

O Dia Mundial da Visão comemora-se anual e internacionalmente toda a segunda quinta-feira do mês de Outubro. Foi criado como um dia de reflexão, para que os estados, organizações e a população ponderasse sobre as causas e consequências da deficiência visual no mundo.

Com o conhecimento obtido nas pesquisas e encontros internacionais, quantas pessoas no mundo vivem com problemas de visão?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 285 milhões de pessoas no mundo com alterações visuais de leve a moderadas. Destas, 80 por cento podem ser prevenidas ou tratadas. Infelizmente, 90 por cento destes casos surgem em países em desenvolvimento. No país, este dia também serve de reflexão, tentando-se consciencializar a população através de comunicados nas redes sociais, acções viradas para os Cuidados Oculares Primários (COP), realização de palestras, campanhas de rastreios visuais e de catarata.

O Dia Mundial da Visão está, de alguma maneira, ligado ao Dia da Saúde Ocular. O que é feito em Angola quanto a saúde ocular dos angolanos?

A data está de certa forma ligada à consciencialização da população sobre o problema relacionado com a visão. Já o Dia Mundial da Saúde Ocular, comemorado a 10 de Julho, tem a intenção de alertar a população e os profissionais de saúde para a importância do diagnóstico e prevenção das doenças oculares, como as conjuntivites, tracoma ou outras cataratas, o glaucoma. As doenças oculares, se não forem tratadas, podem levar à cegueira.

Que medidas simples podem ser tomadas para evitar algumas doenças?

As medidas podem ser a lavagem das mãos, higienização dos olhos, como pálpebras e cílios. A remoção de produtos cosméticos ao fim do dia é essencial, assim como piscar os olhos evitando assim a sua secura, principalmente em usuários de computadores. Outro aspecto importante é prevenir os acidentes de trabalho oculares com o uso de máscaras, para evitar a entrada de corpos estranhos, como limalhas. Além disso é essencial aferir o estado geral da saúde ocular, principalmente quando se é portador de doenças sistémicas como diabetes mellitus e hipertensão arterial.

Como responsável de uma unidade que trata da saúde ocular no país, qual tem sido o principal problema?

Infelizmente, existem poucos profissionais de saúde ocular em Angola, assim como pouco acesso aos serviços de oftalmologia, pelo facto de o serviço de saúde ocular a nível primário ainda não ter sido implementado. Mas, apesar disso, temos assistido cada vez mais à procura por estes serviços e os profissionais em serviço têm feito esforços, levando a oftalmologia onde não existe, através de campanhas de rastreios visuais e cirurgias. Por isso, apesar do défice de profissionais de saúde ocular, grande parte dos problemas oculares já são resolvidos no país, excepto os transplantes de córnea. Até há 10 anos, a oftalmologia era a segunda especialidade que mais pacientes enviava para o exterior, passando para oitavo lugar, em especial nos casos de enxertos da córnea.

O número reduzido de profissionais se deve ao facto de ser uma formação difícil?

A falta de especialistas é transversal a todas as especialidades e a de oftalmologia não é uma excepção. De uns anos para cá, tem havido crescimento na procura. Neste momento, o IONA tem 42 médicos internos a fazer a especialidade.

 A perda da visão é sempre irreversível ou há casos em que se pode recuperar? Quais?

A maior parte das patologias oculares quando tratadas atempadamente, podem ter boa resposta terapêutica, excepto algumas hereditárias ou o glaucoma, uma patologia muito prevalente entre nós, que cursa sem sintomas e evolui inexoravelmente para a cegueira em ausência de tratamento.

Quais as principais causas de cegueira no mundo e que podem ser prevenidas e/ou tratadas?

Sem dúvida, a maior causa de cegueira reversível a nível mundial é a catarata, que tende a aumentar por estar associada ao envelhecimento populacional. É preciso destacar também a retinopatia diabética e hipertensiva, ligadas principalmente ao descontrolo das doenças de base.  O glaucoma é outra causa muito frequente, principalmente em pessoas de raça negra, afrodescendentes e hispânicos. Geralmente, é assintomática e infelizmente irreversível. Em países em desenvolvimento existe também a degeneração macular associada a idade. Em países em desenvolvimento, além destas, ainda se tem o fardo das doenças infecciosas, ligadas ao sarampo, desnutrição, a avitaminose A e tracoma.

Quais são as mais comuns no país?

Além de doenças infecciosas, como doenças da conjuntiva e córnea, temos a catarata, o glaucoma, extremamente frequente no país, sendo a terceira ou quarta causa de observação no IONA. Os traumatismos oculares são também muito preocupantes, principalmente em crianças de tenra idade, por brincadeiras perigosas com facas e tesouras. Existem numerosos casos de extracção do globo ocular de causa traumática.

A procura, cada vez maior, pelos serviços de oftalmologia e optometria revelam uma tendência crescente dos problemas ligados à visão ou devemos associar também a componente estética?

Penso que mais por problemas ligados à visão. Por exemplo, durante a infância, são muito frequentes os erros ou defeitos refractivos (necessidade de óculos), aos 40 – 60 anos, começam as doenças crónicas e degenerativas, como glaucoma, catarata e retinopatia diabética.

Não deveria haver mais informação disponível à população sobre os serviços de oftalmologia e optometria?

A optometria é uma ciência autónoma que estuda, avalia e apresenta solução para que as acuidades visuais estejam na plenitude das suas funções, devido às exigências cada vez maiores em termos de performance visual. Quer dizer que o optometrista, enquanto profissional da visão, tem como papel principal aferir a acuidade visual aos utentes e mediante o resultado encontrado, graduar (receitar óculos). O optometrista não está capacitado para diagnosticar e tratar doenças oculares. Já o oftalmologista, que antes de tudo é licenciado em Medicina, é um profissional capacitado para tratar de problemas do fórum patológico (doenças oculares). Um exemplo disso, são as doenças provocadas pelas diabetes mellitus, hipertensão arterial, doenças da superfície ocular, como conjuntivites, queratites, doenças de retina, glaucoma e catarata.

Qual é a recomendação para as pessoas que queiram prevenir enfermidades oculares, inicialmente assintomáticas?

 Dependendo do grupo etário, as consultas de rotina deveriam ser ao nascimento, mesmo em ausência de doença, na idade pré-escolar e escolar (para pesquisa de defeitos refractivos-óculos), aos 40 anos devido ao surgimento de glaucoma e depois de 60 anos pela incidência de catarata. Deve-se ter em conta a história familiar e a presença ou não de doenças sistémicas, principalmente como a diabetes e hipertensão arterial.

Qual é a explicação para a catarata? Como e quando se pode dar conta dos primeiros sinais?

 Denomina-se catarata a opacidade de uma lente intraocular. Surge por várias causas, desde congénita, hereditária, secundária a uso de medicamentos como corticóides ou doenças como diabetes e traumatismos. Mas, a mais frequente é a associada ao envelhecimento, em que a lente vai perdendo a transparência.

 O estrabismo (desvio ocular) é muito frequente, sobretudo em menores e muitas vezes sem tratamento definitivo. O que se pode fazer para mudar o quadro?

O estrabismo tem tratamento e este deve ser o mais precoce possível, ou seja, logo que os pais notarem o desvio ocular. O tratamento pode ser com óculos ou cirurgia. Muitas vezes tem que se fazer reabilitação visual, ou seja, melhorar a visão do olho pior que, geralmente, é o que costuma estar mais desviado. Uma recomendação muito importante é que às vezes um olho desviado numa criança abaixo dos 3 anos, em 20 por cento dos casos, pode ser o primeiro sinal de um tumor intra-ocular altamente maligno, que é o retinoblastoma.

Que opinião tem da forma como as pessoas usam dispositivos, como as lentes de contacto, removem parte das sobrancelhas e acrescem sem qualquer aconselhamento médico?

As lentes de contacto devem ser prescritas por um profissional de saúde ocular, optometrista ou oftalmologista e com indicações específicas. Não pode ser um olho com infecção ou outras alterações. Em relação ao uso de cílios postiços deve ter-se cuidado pela toxicidade que podem provocar, devido ao uso da cola, ou até mesmo de causar lesões graves a nível da superfície anterior do olho.

Médicos oftalmologistas são os únicos habilitados a tratar pacientes

A proliferação de "centros ópticos” é um problema, que precisa de ser devidamente regulado, ou uma solução à crescente procura por estes serviços?

 Os serviços primários de saúde ocular devem ser assegurados pelas ópticas, técnicos de optometria e enfermeiros especializados devidamente cadastrados nas respectivas associações. Estes, por sua vez, devem orientar para o médico oftalmologista todos os casos de patologia ou que necessitem de prescrição de medicamentos, quer sejam tópicos (colírios) ou sistémicos (comprimidos).  Deve-se deixar claro que apenas o médico oftalmologista, está capacitado para diagnosticar, tratar, seguir e operar doentes. De realçar que algumas ópticas, têm médicos em regime de colaboração, podendo assistir pacientes com doenças, mas não realizar cirurgias. Estas só podem ser realizadas em locais credenciados pelos órgãos de tutela.

O que falta para a oncocercose, doença parasitária crónica também chamada de "cegueira dos rios”, ter maior atenção, principalmente nas zonas endémicas?

A oncocercose ou doença dos rios já é um problema de Saúde Pública, enquadrada no programa das doenças crónicas negligenciadas. Existem programas para erradicação da doença, com a aplicação de certas medidas como luta anti-larval, campanhas de sensibilização para a população evitar banhos nos rios, particularmente nas áreas endémicas e alguns tratamentos médicos específicos.

Atendimento de qualidade
Em termos de atendimento, como são os números do Centro Nacional de Oftalmologia?

Em 2022, o Instituto Oftalmológico Nacional de Angola (IONA) atendeu 68.238 pacientes e operou 5. 676, deste número 2.352 foram cataratas (cerca de 40 por cento). No terceiro trimestre de 2023 já foram observados 65.434 pacientes e operados 5.928, dos quais 3.006 cataratas, o que corresponde a 51 por cento do total de cirurgias. Actualmente o hospital atende mais pacientes do que a sua capacidade física suporta. Ainda assim, podemos considerar que tem um atendimento de qualidade.

O Instituto Oftalmológico Nacional de Angola tem condições técnicas e humanas para atender a actual procura?

O IONA está preparado, do ponto de vista tecnológico, para dar resposta a um elevado número de situações, com tecnologia de ponta e a realização de cirurgias complexas. Uma prova disso foi a redução de casos enviados para o exterior do país, pela Junta Nacional de Saúde. Em relação aos recursos humanos, temos um certo défice, em especial para algumas sub-especialidades.

Que sub-especialidades são?

Precisamos de um especialista em Neuro-oftalmologia e um técnico de baixa visão. Este último para dar uma atenção especial aos albinos e as crianças com estrabismo.

Há dias, houve o relato do caso de um cidadão, transferido do Zaire, com uma faca espetada no olho e que acabou tratado, mas perdeu a visão. Pode explicar o que se passou e porquê a perda da visão?

Esse paciente passou antes pelo IONA, que ao ser uma unidade monovalente (só atende casos de oftalmologia), o encaminhou para uma outra unidade, pelo facto de que o paciente precisava de ser avaliado por uma equipa multidisciplinar (oftalmologista, neurocirurgião, maxilo-facial, otorrinolaringologista). Este foi atendido com sucesso, mas quanto ao globo ocular não houve chances de o recuperar anatómica e funcionalmente. O mesmo estava muito comprometido desde o início.

Que conselhos deixa para as pessoas cuidarem melhor dos olhos?

As pessoas precisam fazer triagem ao nascimento, durante o pré-escolar e o escolar. Ter o hábito de procurar imediatamente um profissional de saúde ocular sempre que notar uma alteração, fazer a pesquisa de glaucoma aos 40 anos e aos 60 anos tomar maior atenção com as cataratas e outras e doenças sistémicas com repercussão ocular, como diabetes ocular e hipertensão ocular.

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