Entrevista

Hélder Martins: “Deixo a arbitragem de cabeça erguida”

Matias Adriano

Jornalista

Árbitro internacional anunciou, ontem, o fim da sua carreira, depois de 27 anos com presença em diferentes competições futebolísticas

14/04/2023  Última atualização 10H00
© Fotografia por: Miqueias Machangongo/Edições Novembro

Ao longo de uma carreira pejada de sucesso, carregou a bandeira de Angola pelo mundo, ao serviço da arbitragem. Soprou o apito em diferentes competições internacionais, sendo dono de uma rica folha de serviço. Para muitos, é o mais bem sucedido árbitro angolano da sua geração. É de Hélder Martins que falamos. Várias  presenças em diferentes competições internacionais, pintam com cores de tonalidade vivas o quadro de honra deste exímio "operário” do apito. E como tudo que tem princípio encontra sempre o fim, o homem, que não faz ideia de quantos aeroportos escalou ao serviço da arbitragem, acaba de colocar ponto final à carreira, com a convicção de missão cumprida.

"Tenho certeza que, com um ou outro percalço, cumpri a missão de árbitro com zelo e dedicação, não havendo nada que faça peso na minha consciência nesta hora da largada. Sempre conjuguei esforços para me superar e estar suficientemente actualizado sobre as mudanças que a arbitragem vai conhecendo, sendo, aliás, por esta razão que somos donos da trajectória que temos, quer na arbitragem nacional, quer na arbitragem internacional. Ninguém estará em condições de falar de Hélder Martins pelas piores razões. Saio da arbitragem de cabeça erguida”. Diz.

Entretanto, há retiradas que, às vezes, ocorrem em momento inapropriado, influenciadas por uma ou outra situação pouco abonatória. Hélder Martins está em condições físicas para, pelo menos, suportar mais uma época. Mas preferiu sair. Quisemos saber se tinha chegado a hora  ou forçado por alguma razão, e a resposta foi esta:

"Na verdade, é com alguma tristeza que saio. Sinto-me um pouco forçado a sair, porque estranhamente o meu nome não constou dos árbitros para o quadro da FIFA' 2023. Poderia ter ficado por mais uma época, mas passam-se situações que não animam a continuar, além de por uma questão de consciência, eu próprio ter percebido que é chegada a hora de passar o testemunho aos mais novos. A nossa parte está feita. Vamos pensar noutras coisas”.

Evita falar das razões que levaram a que o seu nome não constasse da lista entregue pela Conselho Central de Árbitros da FAF à FIFA para continuar a pertencer no quatro de árbitros de categoria internacional. De forma lacónica diz apenas que,  terá havido um certo equívoco.

"Alguma coisa terá se passado, mas que, se calhar, pouco interessa traze-la à conversa para evitar polémica. É por isso que eu entendi não apitar mais no Girabola”

 Passar a experiência profissional à nova geração pode ser o foco nos próximos tempos. É pelo menos o que deixou a entender quando questionado sobre como pensa, a partir de agora, continuar ligado ao desporto.

"Estamos a desenvolver  um projecto voltado para a formação de árbitros, que espero venha ganhar espaço e solidez, e penso ser o elemento que nos vai manter ligados à vida desportiva. Talvez lá mais para frente venhamos a ter outro vínculo, mas de momento não”.

Hélder Martins personifica uma história interessante na arbitragem, pois é alguém que apesar de ter atingido o patamar que atingiu, porém veio mesmo de baixo, sendo prova inequívoca de que nada vem de mãos beijadas.

"Eu comecei a apitar jogos nos campos pelados, em campeonatos provinciais de juvenis e júnior. Depois passei a dirigir campeonatos da segunda Divisão. Olha que fiquei na segunda divisão cerca de cinco anos, só depois é que fui promovido à primeira divisão, por isso é que entrei já em grande, porque trazia uma vasta experiência”.

A corrupção na arbitragem mereceu, também, seu reparo. Não desmente que exista. Mas faz o correcção do termo "corrupção na arbitragem” para "corrupção no futebol”.”

Este seria o termo mais correcto. Pois a corrupção só existe havendo corruptores, e o que se passa entre nós é o ataque ao efeito e não à causa. Portanto, o árbitro por si só não sai do seu conforto para ir pedir dinheiro a este ou àqueloutro dirigente de clube. É o inverso, pelo menos é o que a prática mostra . Portanto, não é correcto que se fale em corrupção na arbitragem. Haverá sim é corrupção no futebol”.

Não escapou à tentação ao longo dos 27 anos de carreira.

"Não há árbitro que não seja tentado. Ele é quem deve ser astuto e não se deixar cair neste tipo de armadilhas. Porque, como em tudo, existe os fortes e os vulneráveis. E quem se revela vulnerável  torna-se um alvo dos que procuram resultados fáceis.  Quando se é forte inibe-se os corruptores”.

Nas carreiras, os homens definem metas. Hélder Martins gostava de apitar uma final de alguma competição de vulto, o sonho ficou nulo. Entretanto, não fica desiludido por isso, porque teve um percurso de sucesso, tendo sido várias vezes nomeado para jogos decisivos.  "Gostava muito de apitar uma final das mais prestigiadas competições. É o que me faltou, pois já apitei meias-finais. Mas é um mal menor, porque as finais também não são muitas. Reparem que numa determinada competição só há uma final, e são muitos os árbitros que terminam sem ter este privilégio”.

Apesar de ser tido, por muitos, como o mais consagrado árbitro da sua geração, Hélder Martins tem uma forma de ser e de estar que lhe isola dos holofotes da ribalta. É muito pouco exposto. Explica:

"a fama, às vezes, tem o seu preço, sendo importante que a saibamos gerir. Não sou uma pessoa que se exponha muito, porque a exposição pode jogar contra nós. Existem aqueles que monitoram os nossos passos e capazes de vender negativamente a nossa imagem dentro e fora do país. Imagine que a sujeira da nossa imagem chegue lá fora. A leitura primária  para qualquer indicação, no caso dos árbitros, é associada aquilo que somos no nosso país.  Portanto, tenho sabido gerir a fama”

Regra comum, neste tipo de  decisões perde-se sempre algo e ganha-se também. Para o nosso homem

"Penso que vou dispor de mais tempo para cuidar da minha vida particular, acompanhar de perto os projectos pessoais e mais do que isso, ganho tempo para estar mais próximo da família, que muitas vezes se viu privada da minha companhia em função das constantes deslocações. É uma vitória da família”.

 

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