Entrevista

Entrevista

“Exploração dos recursos minerais e petróleo nos parques nacionais vai permitir o progresso das comunidades”

Weza Pascoal

Jornalista

O director-geral do Instituto Nacional da Biodiversidade e Conservação (INBC), Miguel Xavier, garante que a exploração dos recursos minerais, petróleo e gás nos parques nacionais, reservas parciais e especiais, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 50/24 de 2 de Fevereiro, é uma mais-valia porque vai permitir o progresso das comunidades, o empoderamento das famílias e reduzir o impacto negativo da caça furtiva e das queimadas anárquicas

01/04/2024  Última atualização 08H08
© Fotografia por: Santos Pedro |Edições Novembro

O que é uma área de conservação?

Uma área de conservação é todo espaço cuja função é a protecção da fauna e flora. Quando se fala na criação de uma área de conservação, a ideia principal é proteger uma espécie ameaçada, um ecossistema ou uma paisagem.

O objectivo principal da criação de uma área de conservação é a protecção de uma espécie ameaçada, a restauração ou preservação de um ecossistema, mas, também, podemos proteger um habitat, ou seja, o lugar onde um animal vive.

 
Quantas áreas de conservação existem no país?

Nesta altura temos 14 áreas de conservação, dos quais, nove parques nacionais, nomeadamente o de Maiombe, Quiçama, Cangandala, Iona, Mupa, Luengue-Luiana, Mavinga, Cameia e Bicuar. Um parque Regional, o de Chimalavera, e as reservas integrais do Luando, do Namibe, do Búfalo, em Benguela, e do Ilhéu dos Pássaros, localizado na Ilha do Mussulo, em Luanda.

 
Em que condições se encontram?

As condições variam de uma reserva a outra. Nos últimos anos, muito foi feito para a conservação e protecção destas áreas. Desde 2020, o país evoluiu bastante em termos de criação de uma legislação própria. Não temos só a Lei n.º 8/20, de 16 de Abril, Lei de Áreas de Conservação Ambiental, mas, hoje, cada parque nacional tem um estatuto orgânico próprio.

Em termos de funcionamento, posso citar três parques nacionais. O da Quiçama, com ou sem dificuldades, temos um bom funcionamento, com uma equipa de 100 fiscais e um empreendimento ecoturístico.

 
Quais são os outros?

O Parque Nacional de Luengue-Luiana tem demonstrado um grande crescimento e é o maior em termos de vida selvagem, onde temos recebido um elevado número de pedidos para o ecoturismo. Tudo isso está acautelado e estamos a trabalhar neste sentido.

O Parque do Bicuar também funciona, tem boas condições e queremos expandir para o ecoturismo. Finalmente, o Parque da Chimalavera, que estamos a recuperar. Todos os esforços estão a ser feitos para reduzir o impacto da caça furtiva, das queimadas anárquicas e estamos num bom caminho.

Estamos a trabalhar para melhorar cada vez mais a situação destas áreas de conservação, na recuperação dos parques da Cameia e da Mupa, que são os dois onde não chegamos ao ponto que desejamos, mas até ao final deste ano vamos conseguir.  

 
Quais são os passos ou critérios que antecedem a classificação de uma determinada região como área de conservação?

 Os critérios variam segundo os objectivos que queremos atingir. O primeiro é a riqueza faunística, temos muitos pedidos para a criação de áreas de conservação, cada cientista que vem fazer estudo quer sempre proteger.

Mas, a criação de uma área de conservação pode levar de cinco a 10 anos, desde a fase de estudos científicos, que consiste no levantamento da fauna e da flora, a sensibilização da população, elaboração de um plano de gestão que depois é submetido ao Ministério do Ambiente e, posteriormente, à Assembleia Nacional, para aprovação e, depois, ao Presidente da República, que promulga.

 
O que é que se faz para impedir a presença de pessoas nessas áreas?

Podemos fazer a colocação de placas nos locais onde queremos impedir a presença de pessoas, a exemplo das reservas naturais. O que temos que ter em conta é que a criação de uma área de conservação envolve, sempre, aspectos financeiros para o recrutamento de pessoas, formação de quadros e outros custos.

 
Estão previstas compensações para as comunidades impedidas de exercer determinadas actividades económicas ligadas à sua sobrevivência em função de uma zona ser classificada como área de conservação?

A Lei 8/20, Lei da Conservação Ambiental, recomenda a integração das comunidades e o seu empoderamento. Por isso, as famílias que residem no interior dos parques desenvolvem as suas actividades económicas enquadradas em projectos sustentáveis, sem causar danos à fauna e à flora.

A ideia que passamos às comunidades é que a conservação é punitiva. O bom é que a nossa lei permite que as comunidades nativas permaneçam nas suas áreas, para que se desenvolvam de forma sustentável. Mas, infelizmente, temos registado choques entre homem e animal, algo normal, que existe em qualquer parte do mundo. Recebemos relatos de elefantes, hipopótamos e outros animais que invadem as zonas de cultivo das famílias residentes nos parques e zonas adjacentes.

 

Que medidas foram tomadas para reduzir o impacto desse conflito?

Para reduzir os impactos causados pelos conflitos existentes entre Homem e animal nas áreas de conservação, o Instituto Nacional de Biodiversidade e Conservação, em colaboração com os seus parceiros, está a gizar um projecto para compensar, de alguma forma, as famílias afectadas, para evitar a perda dos produtos.

 
Quais são as principais espécies ameaçadas de extinção?

Felizmente, a Palanca Negra Gigante, que era a maior ameaça no país, está estável, com mais de 160 animais e há indicadores que apontam para um grande crescimento nos próximos anos.

A girafa também já foi um grande motivo de preocupação, mas, hoje, conseguimos mudar o quadro. Só no Parque Nacional do Luengue-Luiana, por exemplo, a população animal passou de 100 para mais de 300. A ameaça ainda existe, mas estamos a trabalhar para a sua protecção.

 
Já não há espécies em risco de extinção?

Actualmente, das espécies existentes não temos risco de extinção, mas, sim, ameaças de extinção, a exemplo do manatim ou peixe boi, um mamífero aquático que se encontra nos rios. Mas, temos trabalhado com as comunidades e adoptado medidas de conservação. Temos, também, algumas espécies de aves nesta condição.

 
Há algum trabalho de actualização da lista das espécies em vias de extinção?

Sim. Nos próximos dias o Instituto Nacional da Biodiversidade e Conservação vai dar início ao processo de actualização da Estratégia Nacional para a Biodiversidade e, posteriormente, a actualização da lista vermelha das espécies que se encontram sob ameaça.

De cinco em cinco anos, actualizamos a nossa lista vermelha. Os dados que temos foram concluídos em 2019 e urge a necessidade de se dar início a um novo trabalho de actualização, que deverá ser concluído até ao próximo ano, para sabermos, de facto, quais as espécies que se encontram sob ameaça de extinção actualmente.

Criação da primeira área de conservação marinha do país

Quais são os projectos em curso para a protecção das áreas de conservação?

O Instituto tem vários projectos. Projectos são o que não falta aqui, uns com financiamento e outros não. Temos dois grandes projectos, que é a criação da primeira área de conservação marinha do país, localizada no município do Tômbwa, na província do Namibe, com financiamento do Fundo Global do Ambiente e os trabalhos já estão numa fase muito avançada.

O segundo grande projecto é contra o crime sobre a vida selvagem, essencialmente a ser desenvolvido no parque do Maiombe e na reserva do Luando, para mitigar os males que afectam a vida selvagem.

 
Quais são os outros?

Temos o projecto de conservação de aves aquáticas ao longo da costa angolana, para a protecção das aves migratórias que vêm de outros países.

Há três outras áreas de conservação na floresta do Pingano, no Uíge, na floresta do Cumbira, no Cuanza-Sul e a do Morro do Moco, no Huambo.

Por exemplo, temos uma equipa a trabalhar no município do Mungo, província do Huambo, para a protecção do habitat do Falcão de pé vermelho, uma ave que sai de vários países para estar em Angola, anualmente, entre os meses de Novembro e Março. Mais de 500 animais habitam naquele município. A ideia é conservar aquela zona.

Brevemente, vamos dar início a um programa de controlo de fogo. É muito interessante, porque vai ser um bom instrumento para mitigar as queimadas, identificar as épocas de maior progressão dos incêndios e achar as soluções para esta problemática. É um projecto que será desenvolvido inicialmente nos parques da Quiçama e Bicuar e, posteriormente, para outras áreas de conservação.

 
O Instituto tem dinheiro para executar esses projectos?

O Instituto tem um financiamento do Estado para funcionar e executar projectos, mas, tal como qualquer Instituto do mundo, não tem dinheiro para financiar todos os projectos. O Instituto Nacional da Biodiversidade e Conservação tem uma vocação científica. Geralmente, o que fazemos é elaborar um projecto e procurar um financiador que pode ser o próprio Estado ou um parceiro externo, mas com ou sem dificuldades, o Instituto tem projectos funcionais.

Mesmo nos grandes países, tem que se ir sempre atrás dos financiamentos. Lanço um apelo aos bancos comerciais, médias e pequenas empresas, no sentido de apoiarem na execução dos planos traçados, a exemplo de outras regiões do mundo.

"A caça furtiva é um dos maiores problemas que temos”

Que medidas estão a ser tomadas para combater a caça ilegal?

A caça furtiva é um dos maiores problemas que temos, porque o país é grande e há comunidades com um deficiente funcionamento dos serviços sociais básicos. No município do Rivungo, província do Cuando Cubango, por exemplo, o posto de abastecimento de combustível mais próximo situa-se na capital (Menongue), numa distância de mais de 700 quilómetros. A população não consegue se mover, mas tem de se alimentar.

Pela experiência que tenho, o maior supermercado daquela população é o meio, ou seja, a floresta ou as áreas de conservação. Então, é difícil controlarmos a caça furtiva se não trabalharmos com as comunidades.

 
Como é que classificam a caça furtiva?

Podemos distinguir a caça furtiva em três modelos. O primeiro, que inclui os grandes caçadores provenientes de outros países, com o objectivo de procurar o marfim ou o corno do rinoceronte, estes casos ocorrem com maior incidência no Bico de Angola, onde há maior incidência da morte de elefantes.

O segundo modelo é a caça furtiva para a venda de carne nos mercados informais, um fenómeno que se assiste um pouco por todo o país. E o terceiro é a caça furtiva praticada pelas comunidades por motivos de sobrevivência. Este é o que mais preocupa, porque, em muitas localidades, a caça constitui um meio de subsistência das famílias.

 
O que é que o Instituto faz perante este cenário?

O que temos estado a fazer é trabalhar na sensibilização das comunidades e a fazer a oferta de projectos alternativos, a exemplo do projecto de produção de mel comunitário, que rende muito mais que a caça, e o da agricultura de conservação, para dar uma alternativa diferente aos membros da comunidade. Os indicadores  mostram que estamos num bom caminho.

Hoje, já existem leis que permitem dissuadir a caça furtiva, as multas são elevadas e penas que resultam em até cinco anos de prisão. No caso da Palanca Negra Gigante, as multas envolvem milhões de kwanzas. As penas são mesmo pesadas, sobretudo, para um membro da comunidade.

 
Quais são as áreas que mais sofrem com a caça furtiva?

As áreas de conservação mais assoladas pela caça furtiva são o Parque Nacional de Luengue-Luiana, por possuir a maior quantidade de vida selvagem a nível do país, e pela vasta fronteira terrestre que se encontra desprotegida em várias zonas, facilitando a acção dos caçadores furtivos oriundos sobretudo da Zâmbia, Namíbia e Botswana.

O Parque da Quiçama também tem sido muito assolado com esta problemática, pela proximidade que tem com Luanda, que é o maior mercado para a comercialização da carne de caça.

 
As queimadas são ou não um fenómeno preocupante, já que estão ligadas ao modo de agricultura praticada nas comunidades locais?

A situação das queimadas ainda é preocupante, porque é cultural. Por isso, temos ensinado as comunidades a usarem outras práticas de cultivo.

O que acontece é que os membros da comunidade ocupam uma área e que depois de um tempo deixa de produzir, então eles continuam a desmatar, colocando fogo. Na verdade, o fogo não pára. A ideia, neste modelo de agricultura de conservação, é propor novas metodologias e práticas para que eles não estejam a desmatar cada vez mais áreas grandes e permaneçam por longos períodos nos seus campos. Este modelo vai ser implementado nos parques da Quiçama, Cangandala, do Bicuar e, posteriormente, expandir para outras áreas de conservação.

Qual é o papel dos governos provinciais e das administrações municipais na gestão e protecção das áreas de conservação?

Temos tido uma boa colaboração. Ao nosso nível, as áreas de conservação dependem do INBC, mas nós não conseguimos aprofundar o nosso trabalho sem o envolvimento e engajamento locais. Há assuntos locais que trabalhamos em sinergia para termos bons resultados.

 
Por que razão há uma hesitação na criação de taxas a serem cobradas às pessoas que visitam as áreas de conservação com valor turístico (por exemplo, Okavango-Zambeze)?

Não é que existe uma hesitação, o que falta é a questão legal. Ao nível do Instituto, também gostaríamos que se fizesse tudo o mais rápido possível, para termos rendimentos para podermos operar. Mas isso tem os seus trâmites legais.

A nível do Ministério do Ambiente já há um diploma que regula estes pagamentos de entrada, safaris e outras acções, que já está num nível muito avançado.

O projecto Okavango-Zambeze ainda está em fase experimental. O grande problema é a questão fronteiriça, os turistas não conseguem entrar. Onde o parque começa, entre o Mucusso e o Bico de Angola, não há um posto fronteiriço, os turistas não passam e ainda temos dificuldades de acesso. Os que mais recebemos no Parque nacional de Luengue-Luiana são investidores e não podemos considerá-los turistas.

Actualmente, não temos valores oficiais para a cobrança na zona do Okavango-Zambeze, o que fazemos é a cobrança de uma pequena contribuição voluntária às pessoas que visitam aquela região, mas, ao nível do Ministério do Ambiente, está em curso a criação de um diploma que vai regular estes pagamentos, que já está num nível muito avançado. (Nota: O diploma foi aprovado na última sessão do Conselho de Ministros).

Nos outros parques, faz-se a cobrança de uma taxa de 2.500 kwanzas para o acesso. A intenção é cobrar uma taxa mais alta para os turistas estrangeiros.

 
Qual é o número de fiscais ambientais a nível do país e em que áreas estão?

Actualmente, o país conta com 490 fiscais ambientais para todo o sistema de conservação. Este não é o número que gostaríamos de ter, mas, quanto maior for o número mais despesas teremos.  Os parques de Cangandala, Quiçama, Luengue-Luiana e de Mavinga possuem o maior número de efectivos. Paulatinamente, vamos aumentar o número de fiscais.

 
O que é que ainda falta para se desenvolver o ecoturismo a nível do país?

Olha, muito foi feito. A decisão do Presidente da República, João Lourenço, de isentar os vistos para a entrada em Angola a muitos países foi uma mais-valia. Da ministra do Ambiente recebemos a orientação estratégica e a visão de procurar, ao nosso nível, como dinamizar as áreas de conservação, no sentido de receber turistas, e é o que estamos a fazer.

Na verdade, temos apenas dois parques com infra-estruturas para receber turistas. O da Quiçama, que já tem uma infra-estrutura ecoturística que está a ser requalificada. O Parque da Chimalavera, que também tem uma infra-estrutura, que trabalha a meio-gás e está a ser requalificada e o Parque Nacional do Iona. O que estamos a fazer agora é ter o máximo possível de operadores turísticos e tudo está a ser salvaguardado para permitir o acesso destes operadores e inscrever os parques nacionais nos cruzeiros internacionais.

 
Quais são as principais dificuldades e desafios que o Instituto tem para cumprir a sua missão?

Os desafios são do tamanho do mundo, mas temos aqueles mais pertinentes. O maior deles tem a ver com as dificuldades financeiras para gerir as 14 áreas de conservação e permitir a implementação de vários projectos.

Assim como a gestão da fauna e da flora, dos conflitos homem-animal, apesar dos actuais desafios, continuamos a trabalhar para fazer funcionar as áreas de conservação, sobretudo frisar a visão da ministra do Ambiente, Ana Paula de Carvalho, que é de proteger a vida selvagem, mas, também, dinamizar os parques no sentido de desenvolver o ecoturismo.

 
Como olha para a decisão do Executivo que autoriza a exploração de recursos minerais, petróleo e gás nas áreas de conservação?

Fez-se uma modificação na Lei sobre as Áreas de Conservação, autorizando a exploração petrolífera e mineira. Quem ouve isso tem medo, mas, na verdade, se analisarmos a questão não é bem assim.

 Porquê?

Por exemplo, no Parque Nacional do Luengue-Luiana, entre as dimensões que se reconhecem de momento de quase 22 mil quilómetros quadrados, a vida selvagem está distribuída essencialmente entre o Bico de Angola, Licua, Mbambangandi e Mucusso. Quem conhece a zona entre o Bico de Angola e o Mucusso, sabe que é quase um deserto, é ali onde se pressupõe a existência de petróleo e minérios por explorar. A exploração em si vai servir para o benefício das comunidades e do país em geral.

Antes da aprovação deste regulamento, foram seguidos os padrões mínimos ambientais e estabelecidas as normas que as empresas exploradoras vão observar para assegurar a vida selvagem.

O que se deve fazer, por exemplo, é exercer as actividades nas horas onde não há a presença de animais nas referidas áreas. Em suma, a exploração dos recursos minerais, petróleo e gás nos parques nacionais, reservas parciais e especiais, aprovada, recentemente, através do Decreto Presidencial n.º 50/24 de 2 de Fevereiro, é uma mais-valia, porque vai permitir o progresso das comunidades e o empoderamento das famílias e, consequentemente, reduzir o impacto negativo da caça furtiva e das queimadas anárquicas.

E se as medidas forem devidamente observadas e aplicadas, a exploração mineira e petrolífera vai ser proveitosa, porque vai ajudar no progresso das famílias, ao reverter uma parte do valor arrecadado para o desenvolvimento de projectos comunitários.

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