Opinião

Estados Unidos e Irão quem dará o primeiro passo ?

Faustino Henrique

Jornalista

O acordo nuclear entre as potências do Conselho de Segurança mais Alemanha (cinco mais um) com o Irão, rubricado em 2015, do qual os americanos se retiraram unilateralmente em 2018, reimpondo as sanções, vive hoje uma situação favorável, atendendo a janela de oportunidade trazida pela Administração Biden.

20/02/2021  Última atualização 08H00
 Até 2018, o acordo que para Barack Obama, ajudou a evitar a guerra ou o recurso a meios militares por parte dos Estados Unidos para inviabilizar temporariamente o percurso que o antigo Império Persa fazia em direcção ao nuclear com fins militares, era dos melhores mecanismos para impedir que o Irão tenha armas nucleares, como defendem as potências. Permitia um maior controlo por parte da Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA), levaria gradualmente ao levantamento das sanções impostas pelos Estados Unidos ao Irão, implicaria maior transparência por parte daquele último no conjunto de actividades ligadas às pesquisas nucleares. Os peritos da AEIA, no quadro do referido acordo que previa inspecções periódicas e sem aviso prévio, teriam acesso às instalações nucleares iranianas para fazer prova da natureza civil do programa nuclear, envolvendo inclusive locais suspeitos de desenvolverem actividades  não civis. 

Segundo a prestigiada revista Council On Foreign Relations, o " acordo limita o número e os tipos de centrífugas que o Irão pode operar, o nível de seu enriquecimento, bem como a quantidade de armazenamento de urânio enriquecido. O urânio enriquecido a 5 por cento pode ser usado em usinas nucleares  para gerar energia eléctrica, por exemplo,  a 20 por cento em reactores de pesquisa ou para fins médicos. O urânio altamente enriquecido, em cerca de 90 por cento, pode ser  usado para fabricar  armas nucleares". 

O acordo nuclear, embora com as suas nuances, era o melhor método de acompanhamento e controlo que os "cinco mais um" teriam/têm para impedir, desencorajar ou adiar desenvolvimentos que iriam resvalar para a capacidade do Irão chegar ao ponto de não retorno.  Feitas as contas, o Irão nem sempre cumpriu escrupulosamente com as suas obrigações, no que a transparência e provas verificáveis sobre a natureza civil do programa diz respeito, muito menos as potências com as quais rubricou o acordo. Depois da retirada unilateral dos Estados Unidos, em 2018, os restantes signatários do acordo instaram as autoridades iranianas a continuarem a respeitar os compromissos assumidos, prometendo que "tudo fariam" para inviabilizar os efeitos das sanções decretadas pela Administração Trump, na altura. 

Para que as transacções económicas e comerciais entre o Irão e sobretudo os países da União Europeia não fossem afectadas pelo dólar, criou-se o Instrumento de Apoio às Bolsas de Comércio (INSTEX), um instrumento europeu para fins especiais, em Janeiro de 2019, mas que nunca funcionou. De facto, o Irão continuou sob sanções, realidade que passou a ser reforçada pela Administração Trump no quadro da estratégia de "máxima pressão" para forçar as autoridades iranianas no sentido de voltarem à mesa de negociações para um novo acordo, em que incluiriam também as alegadas actividades subversivas na região, a transferência de armas para os aliados no Iémen, Síria, bem como o programa de mísseis balísticos.  

Os efeitos perversos da pressão americana, se por um lado, resultaram na componente económica, na reversão do programa nuclear, os efeitos são claramente nulos atendendo que, sentindo-se desobrigada da cumprir com todos os compromissos, os iranianos decidiram reduzir as restrições ao programa nuclear. Com a chegada da Administração Biden, reforçou-se a janela de oportunidade para, em condições normais, os Estados Unidos e o Irão regressarem aos compromissos assumidos em 2015. Na quinta-feira, decorreu uma importante reunião, no formato virtual, entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra, Alemanha, França e dos Estados Unidos, embora sem dois dos  importante actores, nomeadamente a Rússia e a China, em que tornaram um comunicado final que representa a posição do referido trio.
 Entre advertências e ameaças por parte da Alemanha segundo as quais as autoridades iranianas estarão alegadamente a "brincar com fogo" ao levantarem as restrições no seu programa nuclear, com o processo de enriquecimento de urânio que excede o permitido pelo acordo, o grande dilema é quem dará o primeiro passo. Antony Blinken, o secretário de Estado americano diz que os Estados Unidos regressam ao acordo quando as autoridades iranianas o fizerem de forma verificável, respeitando todos os compromissos para, como pretendem, criarem um ambiente para um acordo mais alargado. 

Nada indica que as autoridades iranianas estejam preparadas para um novo acordo, que inclua discussões em torno das alegadas actividades de desestabilização regional, os mísseis balísticos e se não há garantia de regresso ao primeiro faz pouco sentido pensar-se num segundo acordo.  

O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, foi ao Twitter para dizer que o Irão apenas voltará a observar estritamente o acordo de 2015 quando toda as sanções forem levantadas. Quem dará o primeiro passo, eis a questão que se coloca numa altura em que as autoridades iranianas, aparentemente em posição negocial vantajosa, ousaram, recentemente, estabelecer o prazo até ao dia 23 de Fevereiro para que as autoridades americanas decidam regressar ao acordo, sob pena de ampliarem as actividades nucleares. Alguns gestos protagonizados pela Administração Biden deviam ser aproveitados, nomeadamente o facto de ter retirado os rebeldes Houthis da lista de organização terrorista, ter anunciado a reversão do automatismo das sanções impostas  pela anterior administração e a disponibilidade para dialogar directamente com o Irão. E já que as sanções poderiam ser levantadas gradualmente, era bom que as autoridades iranianas protagonizassem também gestos de boa vontade para com a Administração Biden.

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