Diz-se que constitui um gesto de fraqueza o exercício de se queixar aos entes e e organizações estrangeiros sobre os problemas da nossa terra, para depois receber como resposta a exortação óbvia segundo a qual “as soluções devem ser encontradas entre vós mesmos”, da mesma maneira como as sucessivas iniciativas externas para acabar com a guerra se comprovaram ineficazes.
Semana passada, estive atento a um debate televisivo sobre o processo autárquico versus nova Divisão Político-Administrativa, com as duas principais forças políticas representadas, num painel em que também estiveram representadas outras sensibilidades, nomeadamente da sociedade civil. Um exercício interessante, que veio uma vez mais provar que é possível, na comunicação social angolana, reunir intelectuais de diferentes credos políticos para debater questões de interesse do nosso país.
Apesar do exercício altamente recomendável, o debate em si produziu pouco. Tecnicamente as equipas em campo foram incapazes de produzir golos e o resultado foi um "perfeito nulo”. Sinceramente, não sei quem culpar pelo resultado decepcionante. Se o moderador, se a produção ou se os próprios protagonistas, que se mostraram incapazes de conduzir as discussões para um entendimento comum e construtivo.
De repente, cristalizam-se as posições, deixando o outro do outro lado da barricada. Intolerantes, deixamos permanentemente o sistema de autodefesa no modo automático, não dando qualquer hipótese ao meio-termo. A conclusão a que chego – espero sinceramente estar enganado - é que a maior dificuldade que enfrentamos, enquanto actores políticos, é a nossa própria aversão à opinião alheia.
Tomados por uma inexplicável alergia patológica à qualquer iniciativa que não partiu de nós. Daí ser muito comum entre nós, etu mudietu, ouvir para responder, do que ouvir para compreender o outro.
No caso do debate sobre a nova DPA e o processo autárquico em Angola, precisamos de meios-termos. Assim mesmo, etu mudietu, de nada nos vale a truculência costumeira de nos julgarmos donos da verdade, distribuindo a torto e a direito atestados de invalidade, só porque a ideia alheia não encaixa nos estereótipos criados por nós mesmos.
A nova DPA e a criação de autarquias em Angola são processos autónomos, mas interdependentes. Estão em curso e nada mais há que se possa fazer para alterar. Os dados estão lançados. Resta-nos dois caminhos. Cruzar os braços e esperar que alguém faça por nós ou aceitar o desafio, mais este, e trabalharmos juntos, com sabedoria e inteligência, para que possamos todos sorrir no final.
Acho que em nada nos acrescenta, como angolanos, arrogarmo-nos o monopólio da razão. Temos tanto para galgar, que não faz nenhum sentido discutir apenas para ter razão. Terá sido talvez essa a pecha do debate televisivo a que me referi no princípio. Aprendi com um mais-velho, que mais vale 1% de 100 do que 100% de 0, pelo que, em qualquer debate ou enfrentamento de ideias, é esperado que se produzam consensos. Faz todo sentido. Por mínimos que sejam, para que, no somatório, se chegue a algum lado.
É que no fim do debate fiquei com a sensação de que afinal nenhuma das partes foi preparada para ceder. Todos com o copo cheio. Todos certos. Ora que frustrante…. A convicção de que se está a fazer a coisa certa, para o bem de Angola e dos Angolanos, é proporcional à convicção de que tem gato escondido com o rabo de fora nas decisões do Governo, pelo que é legítimo, para o bem de Angola e dos angolanos, rejeitar veementemente.
Essa lógica do "só pra contrariar”, torna-nos insensíveis e até incapazes de perceber de coisas que exigem um mínimo de subtileza e capacidade de abstracção. Por exemplo, achei escandaloso o tratamento mediático dado a um acontecimento que marcou a semana passada e que teria condições plenas para se manter na agenda por mais algum tempo.
Refiro-me à extinção da Empresa Gestora de Terrenos Infraestruturados (EGTI), por força do Decreto Presidencial n.º22/24, de 8 de Janeiro. Alguém poderá dizer que estou a ver pêlo em ovo, mas a extinção daquela EP tem alcance político, mas também mediático.
É o fim de um problema que já não era apenas político, mas também financeiro, como de resto veio a provar-se com o relatório de um auditor externo. Sinceramente ignoro o que terá pesado mais para os decisores, mas compreendo as salvas e hossanas de muito boa gente, porque temos bem memória dos conflitos entre a Administrações locais e munícipes, por causa de obras realizadas em espaços supostamente concessionados, mas que afinal estavam reservados para outros fins, públicos ou privados.
Muitas vezes assistimos ao braço de ferro entre administradores locais e a hoje extinta empresa gestora de terrenos infra-estruturados, com esta última levando quase sempre a melhor, pois, contrariamente aos primeiros, não tinha nada que dar cavaco às famílias alegadamente prejudicadas pela acção do famoso camartelo.
A extinção da EGTI põe fim a uma anormalidade técnico-administrativa, que só servia para criar problemas para a administração local e para a imagem do próprio Estado. Se inicialmente parecia tudo muito bonito, porque fazem falta terrenos infra-estruturados, com o andar da coisa o cenário tornou-se problemático, principalmente para administradores locais, volta e meia em maus lençóis, por terem que vir a público explicar-se por situações que nada tinham a ver com eles.
Da cerimónia que marcou o "komba” da EGTI, retive o apelo do Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil à colaboração e à interoperabilidade entre os diferentes actores públicos, que intervêm no processo, seja da administração central como da administração local do Estado. Mais coisa, menos coisa, Adão de Almeida pediu que administradores, governadores e ministros, cooperem e colaborem, uns com os outros, porque o que importa é que o resultado seja um bom serviço público de proximidade, com eficiência, eficácia e sustentabilidade económica.
O que talvez não tenha sido dito, e só um debate construtivo é capaz de produzir, é que a famigerada EGTI tem todas as probabilidades de ressurgir, mais lá à frente, dependendo do modelo de organização dos municípios que venhamos a ter. Ou seja, e aqui voltando ao debate a que me referi no início. Discutir a nova DPA e o processo autárquico não tem que necessariamente se transformar numa espécie de briga de galos.
Dependente do modelo de administração local a adoptar-se em Angola, nada impedirá que as autarquias criem empresas municipais para gerir terrenos infra-estruturados.
Os modelos mais comuns nos dias de hoje, ali onde a palavra autarquia não é sinónimo de desembainhar de espadas ou declaração de guerra, concebem a criação de empresas municipais para fazer face à complexidade das questões e à natureza intermunicipal de alguns problemas.
Enfim., debatamos a nova DPA ou as autarquias que tanto desejamos e precisamos. Façamo-lo separado ou por atacado, mas, por favor, sem radicalizar. Afinal, podemos ser felizes, sem quebrar o brinquedo.
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