Opinião

Cacimbo e obrigações

Luciano Rocha

Jornalista

O Cacimbo, iniciado, oficialmente, ontem, causou, uma vez mais, aplausos, mas, igualmente, receios em grupos e subgrupos, de várias espécies consoante gostos e necessidades, em qualquer dos casos, sublinhe-se, acentuados nas últimas décadas.

16/05/2024  Última atualização 13H50

O Cacimbo, entalado entre a estação quente que a antecede e sucede, está, desde logo, em desvantagem pela quantidade de dias que o preenchem e respectiva duração. São circunstâncias que lhe limitam tempo de acção, pelo que desperdiçá-lo é aumentar problemas num país como o nosso, no qual as dificuldades, que jamais procurou, se amontoam em catadupa impingidas por interesses externos, mas, também, internos.

 Qualquer daquelas ocorrências e respectivos protagonistas, verificados tanto em tempo de chuva, como no seco, são norteadas por razões que "a razão desconhece”. Por absurdas que possam parecer, as justificações acabam, também elas, por serem idênticas. Com as condições atmosféricas a servirem de álibi à inércia causadora de dramas por demais conhecidos, com os mais desvalidos, como sempre, a serem as principais vítimas.

Aquelas situações, onde quer que ocorram, têm responsáveis. Angola não foge à regra. Entre tantos, há os "denunciadores”sem rosto escondidos no anonimato, especialmente nas redes sociais, parte dos quais com argumentos que não colhem. Pelo contrário, desmascaram-nos em práticas e intenções. Escrever, dizer, propagar que vivemos num país autocrático, onde está vetada a liberdade de expressão  é, no mínimo, desconhecimento de passados recentes que devem, têm, obrigatoriamente, de ser conhecidos. Vezes há em que, no mínimo, os autores das prosas parecem apostados em querer que Angola seja "mais um país em África” sujeitado a interesses que já se repudiaram publicamente.

As vítimas actuais daquelas situações nasceram, em número expressivo, após o silenciamento das armas - é com elas que se promovem e fazem guerras -, primeiro passo para construção da Paz autêntica, sem a qual é impossível arquitectar futuros de esperanças e utopias .

Muitas daquelas crianças, adolescentes e jovens, cresceram, continuam a crescer, numa Angola imaginária, repleta de ilusórias facilidades, desconhecendo o que custou "para aqui chegar”.  Nunca houve quem as alertasse, minimamente que fosse, para realidades que as antecederam, tão-pouco para actuais e futuras.  Progenitores, professores, em ambos os casos, por motivos óbvios, estão obrigados a explicar-lhes o significado da letra toda, de cada verso do Hino Nacional,  escrito por Manuel Rui Monteiro. Que "um só Povo, uma só Nação” não é para ser "cantado” , como durante a imensa noite escura da ocupação colonial se fazia com a tabuada,  vogais, abecedário. Idem, nos nomes de rios e afluentes, sem referência aos nossos. Mais doloroso, era ter de desenhar frutos que nos eram estranhos, sentindo na boca o sabor dos nossos ou ter de desenvolver redacções subordinadas a temas, como "porque me orgulho de ser português”.

Professores que ousaram contrariar aquela tendência sofreram consequências, não raras com prisões, julgamentos arbitrários, penas sem direito a recurso, proibições do exercício profissional, expatriações, no caso dos portugueses.

Os jornalistas, no termo exacto da palavra, provavam agruras semelhantes. Excepção eram os subservientes ao poder, sonegadores da verdade. Como se não bastassem os censores oficiais pagos para "decidirem”, ”"a bem da nação”, o que se devia ler, saber ... desconhecer!

A televisão era, então, algo inexistente nas então colónias. Entre nós, muito poucas eram as emissoras de rádio com noticiários regulares. Por tudo isso, o principal alvo, era a imprensa escrita, com edições volta e meia atrasadas, pois os lapidadores da verdade regiam-se por outras prioridades, como almoços e jantares bem comidos e melhor bebidos.

Do outro lado da barricada estavam jornalistas, fotógrafos, paginadores, linotipistas tipógrafos, revisores, estafetas, paquetes, que, entre fumos de cigarros e cinzeiros a transportar de beatas, aguardavam pelo retorno de textos  com o dístico "visado pela censura”,  obrigatoriamente estampado na parte cimeira da primeira página ou capa de jornais e revistas. Sossegassem os "donos da verdade”. A populaça podia ler, sem perigos de influências perigosas, protegida pelo lema "Deus, Pátria, Família”.

O alerta sobre aqueles passados destina-se a todos os nascidos na Angola pós 11 de Novembro, para perceberem que a vida não é, nunca foi, jamais será, um "mar de rosas” se estrumado e regado pelas águas da bajulice, nepotismo ou xenofobia, frequentemente os três em simultâneo. A poda tem, pois, de ser constante para evitar o crescimento de ervas daninhas.

O Cacimbo começou, ontem, oficialmente. É tempo de executar obras programadas no tempo chuvoso impeditivo de as fazer. E são tantas! Em Luanda, por exemplo, nem é preciso procurar. As mazelas sobrepõem-se, há décadas, de uma ponta a outra, aguardando "curas” adiadas por quem tem a obrigação de acabar com elas. É, uma vez mais, a inércia a prevalecer.

Angola tem governadores e vice-governadores, bem como uma fileira de administradores, que vai de municipais a comunais, passando por distritais e dos distritos urbanos, dispondo, parte deles, de equipas excessivamente numerosas de secretários e assessores.

O Cacimbo chegou, não faltando os que, aproveitando o tempo seco, usam as redes sociais para emitirem "opiniões” venenosas, não raro a soldo de interesses dúbios. São os mercenários das teclas. O Presidente da República é dos alvos dilectos dos caluniadores. Tudo o que de mau acontece no país é culpa dele: lixo público, pandemónio do trânsito rodoviário e pedonal, polícias ladrões ou ladrões polícias, negociatas de distribuição de água ao domicilio, puxadas de luz eléctrica, semáforos inactivos. 

O Chefe de Estado é, antes de tudo, pessoa, com defeitos e virtudes. Comete erros, engana-se e é enganado. Não está isento a críticas, demasiadas vezes reflexos da destilação de ódios e invejas. Como sucedeu com o antecessor e nosso primeiro Presidente.

Esta página é exemplo de que comparar o presente com o tempo colonial somente por ignorância e má-fé. É confundir "a esquina da rua, com a rua da esquina”.

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