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América, América, América!

O mundo olha estupefacto para os Estados Unidos. Os acontecimentos de quarta-feira, em que milhares de apoiantes do Presidente Donald Trump se concentraram no Congresso, para obstaculizar a ratificação dos resultados das eleições de 3 de Novembro, que dão vitória ao candidato democrata, Joe Biden, fizeram lembrar tudo menos a América, que nos habituamos a ver e a elogiar pelo exemplo de democracia que sempre transmitiu.

08/01/2021  Última atualização 08H00
Ninguém imaginaria que, de uma das maiores referências em processos eleitorais a nível mundial, surgissem os piores exemplos de falta de fair play, com o Presidente cessante a incitar os seus apoiantes a realizar uma manifestação para contestar a sua derrota, evento que transformou o dia 6 de Janeiro de 2021 num dos mais tristes para a democracia americana.
As cenas de arruaça, a invasão do Capitólio, a interrupção forçada dos trabalhos das duas câmaras do Congresso, pelos manifestantes, fizeram de Washington DC o palco da última batalha campal de Trump, para tentar reverter os resultados das eleições, agitando sempre a bandeira de uma suposta fraude que nenhuma autoridade reconhece ter existido. Amargurado por ser um dos poucos Presidentes que não é reeleito para cumprir um segundo mandato, Donald Trump procurou consolo na estratégia de desacreditar a vitória de Joe Biden, optando por uma actuação que, mesmo sabendo que não resultaria, porque não mudaria o curso dos acontecimentos, se assemelha mais à ideia de "vender cara a derrota”. Pouco se importando com as consequências dessa forma de actuar, tanto a nível interno como externo, Trump quer passar a mensagem de ser um Presidente cessante que não está fragilizado, que tem uma base de apoio forte o suficiente para continuar a ser o inquilino da Casa Branca.

Em democracia, porém - e isso ficou provado -, não é quem fala mais alto, não é quem é mais arrogante, não é quem é mais espalhafatoso que vence. A maturidade dos eleitores americanos ditou que era chegada a hora de mudar de rumo, porque o país, apesar dos episódicos resultados económicos positivos, estava a afundar-se, estava a ver os valores da sua democracia serem enterrados dia após dia, estava a afastar-se até mesmo do mundo e dos tradicionais parceiros que ajudaram a América a ser o gigante que é hoje.

Para África, e mesmo para o mundo inteiro, o que se passou quarta-feira em Washington não foi um exemplo digno de ser acolhido. E porque há políticos africanos propensos a imitar o que de mau se produz por aquelas paragens, porque mais preocupados com o seu ego, do que com a aceitação da realidade das urnas, as mensagens de condenação da conduta de Trump e dos seus seguidores e a manifestação de preocupação que partiram exactamente dos líderes de vários países ocidentais são suficientemente fortes para mostrar que o mundo é contra a violência para alterar a vontade dos eleitores e falsear resultados, o que afectaria profundamente o sistema político norte-americano.Do Parlamento Europeu, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha, da Escócia, da Noruega, de Portugal e de outros países ecoaram manifestações de inquietação em relação ao que se estava a passar nos Estados Unidos, com as diferentes autoridades a expressarem confiança na democracia americana e a apelarem a Donald Trump a acatar os resultados das eleições.

O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, cujo país tem a tradição de não se envolver em assuntos domésticos eleitorais nos Estados Unidos, não se coibiu de denunciar os que estavam a "agir de forma irresponsável” e de dizer que "os perdedores decentes são mais importantes para o funcionamento da democracia do que os vencedores brilhantes”. "Cenas vergonhosas no Congresso dos EUA. Os Estados Unidos representam a democracia em todo o mundo e agora é vital que haja uma transferência de poder pacífica e ordeira”, foi, por outro lado, o comentário feito pelo Primeiro-Ministro britânico, Boris Johnson.

Já o Presidente francês, Emmanuel Macron, considerou que "o que aconteceu hoje (quarta-feira) em Washington não é americano, definitivamente. Acreditamos na força das nossas democracias, acreditamos na força da democracia americana”.Foi preciso surgir Donald Trump para o mundo exclamar: "América, América, América!”.    

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