O continente africano é marcado por um passado colonial e lutas pela independência, enfrenta, desde o final do século passado e princípio do século XXI, processos de transições políticas e democráticas, muitas vezes, marcados por instabilidades, golpes de Estado, eleições contestadas, regimes autoritários e corrupção. Este artigo é, em grande parte, extracto de uma subsecção do livro “Os Desafios de África no Século XXI – Um continente que procura se reencontrar, de autoria de Osvaldo Mboco.
A onda de contestação sem precedentes que algumas potências ocidentais enfrentam em África, traduzida em mudanças político-constitucionais, legais, por via de eleições democráticas, como as sucedidas no Senegal, e ilegais, como as ocorridas no Níger e Mali, apenas para mencionar estes países, acompanhadas do despertar da população para colocar fim às relações económicas desiguais, que configuram espécie de neocolonialismo, auguram o fim de um período e o início de outro.
NOTA INTRODUTÓRIA: A Constituição da República de Angola completa mais um aniversário. Para marcar a data, o Tribunal Constitucional, enquanto garante da Constituição, instituiu a “Semana da Constituição”.
Gostaríamos de participar nessa importante iniciativa com uma abordagem da Constituição Económica Angolana (CEA) do período pré-capitalista da nossa evolução económica e política, isto é, de 1975 a 1992.
O texto que apresentamos a seguir foi preparado para ser publicado numa revista de estudos constitucionais, pelo que rogamos aos leitores do Jornal de Angola que relevem a carga teórico-académica do referido texto.
1. Constituição Formal e Constituição Material
A Constituição é a lei fundamental da ordem jurídica de uma sociedade. Ela representa sempre um projecto de ordenação, e/ou transformação, e constitui a base jurídica em que assenta toda a estrutura institucional de um país, em todos os seus aspectos. Geralmente compreende: a) Princípios e preceitos de organização do sistema social e económico (sistema político, via de desenvolvimento económico, natureza do poder político e económico, etc.); b) Princípios e preceitos da organização política e competência dos órgãos do Estado (Presidente, Parlamento, Governo, Tribunais, órgãos locais do poder) e a relação entre eles; c) Estatuto das relações entre os cidadãos e o Estado (direitos e deveres fundamentais, liberdades e suas garantias, etc.); d) Estabilidade da Constituição (regras sobre a revisão constitucional e o controlo da constitucionalidade).
Como lei fundamental da sociedade, a Constituição está no topo da hierarquia do sistema jurídico. Nenhuma norma ordinária poderá contrariar a norma constitucional.
Alguns autores sustentam que ´norma constitucional´ é aquela que está inserida no texto constitucional. Só as normas e princípios jurídicos inseridos expressamente no texto constitucional fazem parte da Constituição. As normas que não estejam inseridas no texto constitucional não fazem parte da Constituição.
Outros defendem que, para ser constitucional, a norma não tem, necessariamente, que estar inscrita nos textos constitucionais. Segundo estes autores, o que define a constitucionalidade de uma norma é a sua ´fundamentalidade´. Uma norma será fundamental quando incide de modo transversal e estruturante na realidade social, actuando como principal, face às soluções legais subsequentes. Para quem defende esta visão, quando uma norma apresenta estas características de fundamentalidade, mesmo que não esteja inserida no texto constitucional, mas apenas numa lei ordinária, ela deve ser considerada constitucional. A não inserção de uma norma fundamental num texto constitucional não é critério suficiente para a classificar como não constitucional.
Os que defendem a constitucionalidade das normas com base na sua inserção formal no texto constitucional têm uma visão formal de Constituição e os que defendem o carácter fundamental da norma para ser considerada constitucional, independentemente da sua inserção, ou não, no texto constitucional, têm um entendimento material de Constituição.
Qual das duas concepções é a mais correcta?
Dado o carácter programático e, de certa forma, permanente dos textos constitucionais, dificilmente podem estes conter a totalidade das regras e princípios jurídicos fundamentais de uma sociedade (por exemplo, normas estruturantes de uma dada ordem política, jurídica ou económica).
O conjunto de normas e princípios fundamentais que, por qualquer razão conjuntural ou histórica, não tenha sido incluído no texto constitucional, mas em leis ordinárias, nem por isso deixa de ser constitucional. Estas normas e princípios fundamentais não fazem parte da constituição formal, mas fazem parte da constituição material. Entre nós, seria o caso dos Artigos 1.º a 4.º da Lei 3/76, que criou os institutos da nacionalização e do confisco no nosso ordenamento jurídico. Estes princípios deram origem a um conjunto posterior de legislação coerente com esses princípios, para a criação do sistema económico socialista e a respectiva ordem económica centralizada da época pós-independência em Angola. Essas normas eram tão fundamentais para o sistema que os seus efeitos foram preservados expressamente nas revisões constitucionais de 1991 (Artigo 13.º) e de 2010 (Artigo 97.º) – Princípio da Irreversibilidade das Nacionalizações e Confiscos.
A integração de normas não formalmente constitucionais na constituição material é, não só importante para resolver problemas de hierarquização de normas com incidência fundamental - como as que acabamos de referir - mas também para estabelecer, em caso de conflito entre normas da mesma hierarquia formal, qual a norma que prevalece.
A abordagem que nos propomos fazer da Constituição Angolana de 1975 e de 1991 seguirá a perspectiva material. Quer isto dizer que, na nossa narrativa, sempre que fizermos alusão à "Constituição” estaremos” a referir-nos ao conjunto de todas as normas e princípios jurídicos fundamentais que se reportem à estrutura do sistema Angolano e ao seu modo de organização e funcionamento, estejam elas inseridas no texto constitucional ou em legislação ordinária constitucionalmente relevante. (Continua)
* Professor Associado da Universidade Agostinho Neto (UAN), docente da disciplina de Direito Económico, ex-decano da Faculdade de Direito da UAN e ex-ministro da Justiça e dos Direitos Humanos
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