Sociedade

Uma vida atribulada mas sempre optimista

Rui Ramos

Jornalista

O jovem do município Quimbele saiu do Uíge em guerra e em Luanda vendeu nos mercados e hoje frequenta o terceiro ano do Curso Superior de Comunicação

12/05/2024  Última atualização 10H27
© Fotografia por: DR

Emiliano Baptista Caxala, filho de Baptista Caxala e de Luísa Alberto, é natural de Quimbele, Uíge, onde nasceu a 6 de Setembro de 1993. "Os meus pais são naturais de Quimbele e eu nasci no bairro Kizuila, uma aldeia sem serviços sociais”, apresenta-se.

"Fiz a formação de jornalismo na IERA (Igreja Evangélica Reformada de Angola) em 2013, trabalhei para o jornal "Visão” de 2016 a 2018, passei pelo gabinete de comunicação institucional do Ministério da Saúde, de 2018 a 2022, e frequento actualmente o terceiro ano do curso de Comunicação Social, no Instituto Superior Técnico de Angola (ISTA) e tenho o sonho de trabalhar num órgão de comunicação social como o Jornal de Angola, Angop, RNA, TPA”, prossegue.

Nos anos da sua meninice, Emiliano Baptista Caxala vendeu sacos e petróleo nos mercados de Luanda e ficou 2 anos sem estudar porque não tinha condições de pagar uma propina, e em casa muitas vezes não tinham nada para comer.

"Eu, como filho, tinha de fazer alguma coisa, então fui vender sacos para ajudar em casa, eu conseguia vender e ter algum dinheiro e comecei a estudar, pagando as minhas propinas, eu começava a vender às 6 horas, às 9h deixava o mercado para ir à escola, e às 14 horas voltava para o mercado”, recorda. "Aos 8 anos de idade saí do Quimbele a pé passando o município de Sanza Pombo até ao rio Cuilo. Foram 15 dias de caminhada com chuva e sol, no ano de 2000.”

A mãe carregava o irmão nas costas e Emiliano Baptista Caxala caminhava sozinho. "Depois de chegarmos ao município de Sanza Pombo, o único carro para nos levar para a província do Uíge estava totalmente lotado e o proprietário recusou-se a levar-nos até ao rio Cuilo, e nós começamos a caminhar até ao rio cerca de 120 quilómetros”, recorda. "Chegamos ao rio ás 17 horas, passamos a noite no mesmo local, quando eram 5 horas aparece um carro militar que nos levou ao município do Negaje, ficamos lá apenas um dia e pegamos um outro carro para o Uíge.”

Já havia pessoas que tinam saído do Quimbele e já estavam no Uíge há mais tempo, a espera da coluna militar para chegar a Luanda. "Nós chegamos às 13 horas ao Uíge, ficamos na casa de um parente, quando eram 18 horas chegou uma coluna militar. Fomos até ao local aonde estava a coluna militar para darmos os nomes para virmos para Luanda, conseguimos dar os nomes e subimos na viatura, às 5 horas saímos do Uíge para Luanda, mas quando chegamos ao Ukua fomos atacados.”

 O fogo durou apenas meia hora, recorda. "Chegamos a Luanda, ficamos em casa da irmã menor da minha mãe, mamã Isabel, esposa do apóstolo David Segunda, no Sambizanga. Eu fiquei apenas 7 dias no Sambizanga, fui para o Golfe 2, e por conta de não saber falar o português passei mal, fui discriminado pelos miúdos, chamavam-me de langa, refugiado, passei dificuldades mas consegui dar a volta.”

Em 2001 Emiliano Baptista Caxala vai morar no Golfe 2 com a irmã mais velha da mãe, mamã Helena Alberto. "Ficamos um bom tempo no Gofe 2, tive poucos amigos lá, como tudo tem um fim deixamos o Golfe 2 e fomos morar no Rangel, no Fundão, na famosa rua C 7 de cima, lá passei a minha infância, fiz amigos que hoje eu chamo de irmãos, Emanuel Gabriel Luther, meu grande amigo e irmão, crescemos juntos, até hoje estamos sempre juntos. Um irmão que levou e levarei para a vida toda grande pessoa um amigo e conselheiro sempre que nos cruzamos é uma alegria.

Emiliano Baptista Caxala lembra com gratidão os seus familiares Flávio, Filipe, Tony, Ady, tia Chana, Fany, Helena, Ilda, Nicha, Tania, Carla, Josemar… "Estão sempre no meu coração, em especial as minhas avós Julieta Mawonzo, Maria Lubengo e Teresa Lucala.”

Mas Emiliano Baptista Caxala quer referir "especialmente o meu pai afectivo, que ganhei ao longo da caminhada, António Zacarias da Costa. É uma pessoa com um bom coração pelo que fez e faz até hoje na minha vida e nunca terei um valor que pague tudo o que fez por mim e pela minha formação académica”.

 
Anos sem estudar

Quando terminou o ensino médio, ficou 6 anos sem estudar, procurava trabalho mas era muito difícil, mas quando menos esperava apareceu um anjo na sua vida. "Para o homenagear eu tive o prazer de dar o nome dele ao meu primeiro filho, António Caxala, no dia 1 de Maio de 2021, pelas 13 horas, a minha esposa acabava de dar a luz o meu primogénito.”

Nas ruas do Fundão Emiliano Baptista Caxala momentos de alegria no seio da minha família e diz que viveu momentos de felicidade com amigos. "Mas nem tudo foi sempre felicidade, várias vezes chorei nestas mesmas ruas, andei descalço e com calções rasgados, um jovem chamado Hélder Vuezona (Manucho), compadeceu-se de mim, chamou me a casa dele e ofereceu me roupas muito bonitas.”

Quando chego a casa mostro à mãe e ela não acreditou achando que ele tivesse roubado as roupas, pelo que foi surrado por ela, até que a sua tia Xana chegou para explicar à mamã Helena, mas ele já tinha apanhado, ficou muito triste com aquela situação e fechou-se quase uma semana dentro de casa, já tinha os seus 9 anos de idade. "Quando o Hélder se percebeu do que tinha acontecido ficou muito triste tanto mais é que ele foi claro em dizer que eu não pedi nada, fui eu que lhe ofereci as roupas, foi uma humilhação que passei e hoje ele é o meu padrinho e a madrinha é Mariana Vuezona, eles hoje moram no Cuito, eu agradeço por fazerem parte da minha vida.”

Em 2004, Emiliano Baptista Caxala deixa o Rangel e vai morar em Viana na Estalagem 6 Cajueiro, onde fixa residência.”Vivo aqui há mais de dez anos, tenho aqui os meus amigos, aqui encontrei o meu primeiro emprego, na discoteca Mukua na vila de Viana, ganhava 1.500 kwanzas, esse dinheiro era para ajudar a minha mãe e pagar as minhas propinas no colégio, lavava copos de sexta-feira a sábado, ao longo da semana eu estudava e fazia algumas formações profissionais. Aqui nos "Estados Unidos de Viana” tive momentos de tristeza e de glória, conheci pessoas muito boas fiz amigos, em cada esquina há sempre alguém que me chama Caxala ou mesmo Emiliano, não passo despercebido no seio dos mais velhos, crianças e jovens.”

"O Filipe Maquengo (HIP), sempre que nos cruzamos, faz questão de cobrar para mim um livro que narre a minha história, conclui.

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