Opinião

Um subsídio indiscutivelmente injusto e cego

Adebayo Vunge

Jornalista

Já ninguém questiona o quanto os subsídios aos combustíveis representavam uma distorção macroeconómica com efeitos severos para as contas públicas, para a maior empresa de Angola (a Sonangol) bem como para os cidadãos de uma maneira geral, uma vez que estamos a falar de números astronómicos. Só em em 2022, calculado em 2,15 biliões de kwanzas (cerca de 3,8 mil milhões de dólares).

05/06/2023  Última atualização 08H47

Portanto, para os observadores mais atentos, há algum tempo que se vislumbrava tal medida. Uma notícia aqui, um comentário acolá, outra medida ali e chegámos então ao dia D, o passado 1º de Junho em que o Executivo, representado pelo Ministro de Estado para a Coordenação Económica, o Professor-Doutor Manuel Nunes Júnior, acompanhado de outros ministros, anunciou, em conferência de imprensa, na passada semana, o programa de reforma dos subsídios aos combustíveis, que começou por abarcar um ajustamento no preço da gasolina, preservando-se, nesta fase, os preços do gasóleo e do petróleo iluminante, uma vez que é público que o Governo irá manter o subsídio sobre o gás de cozinha.

Mas os males do combustível barato de Angola não se resumem ao que enunciámos anteriormente. O combustível barato de Angola tem alimentado a venda ilegal de combustíveis, com suporte de redes altamente sofisticadas e com padrinhos em vários pontos, para os países da região austral e central em dimensões incomportáveis.

Os subsídios estavam por isso a prejudicar mais do que a beneficiar o Estado, do qual fazem obviamente parte os seus cidadãos que se viam assim privados de largas somas – já o dissemos que em 2022 foram cerca de 3,8 mil milhões de dólares, que poderiam ser canalizados para atender outras necessidades verdadeiramente prementes ao nível da saúde onde a rede de cuidados primários precisa de ser rapidamente ampliada, para além da valorização de pessoal, equipamentos, medicamentos e vacinas. Poderíamos ainda citar a educação onde continuamos a registar números vergonhosos de crianças fora do sistema escolar; poderíamos falar da necessidade do Estado prover assistência aos grupos mais vulneráveis, de que o Kwenda é um exemplo singular.

O economista Heriwalter Domingos defendeu, aqui neste jornal, num artigo interessante com o o título "Subsídios de combustíveis: a oportunidade para realocar recursos a programas sociais” que os recursos desmobilizados da subsidiação dos combustíveis deveriam ser canalizados para programas sociais como o Kwenda. E essa sua assertividade coincide com a abordagem seguida pelo Executivo angolano que prevê reforçar o Kwenda em toda a escala, ou seja, as famílias passam a estar mais tempo em termos de transferências monetárias, passando de um para dois anos; o valor mensal que lhes era atribuído aumentou passando de 8 mil e 500 kwanzas para 11 mil hwanzas.

O "Kwenda”, é um programa que tem mostrado resultados muito concretos em todo o país, junto de famílias em situação de extrema vulnerabilidade que passam para um patamar diferente, para além do impacto nas suas comunidades onde passa a existir uma maior circulação do capital, o que impulsiona a produção e o consumo. Com um financiamento de 420 milhões de dólares, desde a sua implementação, em 2020, já beneficiou 610 mil 382 agregados familiares com pagamentos directos de 33 mil kwanzas trimestrais.

O economista a que nos referimos valoriza outros dados importantes: "Além das transferências, o Kwenda conta com um Cadastro Social de mais de 3 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade em todo o país, uma ferramenta essencial para delinear políticas de combate à pobreza, e que precisa de recursos para ser ainda mais robusta e ampla. O projecto tem também as componentes de Municipalização da Acção Social, através da criação dos Centros de Acção Social Integrados, e de Inclusão Produtiva – apoio às famílias vulneráveis para iniciar actividades geradoras de renda em áreas como a agricultura, pecuária, pesca, artesanato, cultura, turismo rural e ambiente, transformação de produtos agro-pecuários, fundos e caixas comunitárias e energias renováveis”.

E o Governo angolano adopta essa medida num timing mais do que favorável. Como ditam as ciências políticas, é após as eleições que se enunciam e tomam-se as medidas impopulares, para que estas não provoquem nenhum efeito de contágio sobre os processos eleitorais intercalares. Por outro lado, também, no quadrante internacional, a reforma dos combustíveis em Angola coincide com o anúncio esta semana, no novel presidente da Nigéria em como o país passaria a eliminar igualmente os subsídios aos combustíveis para aliviar as finanças públicas.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião