Em diferentes ocasiões, vimos como o mercado angolano reage em sentido contrário às hipóteses académicas, avançadas como argumentos para justificar a tomada de certas medidas no âmbito da reestruturação da economia ou do agravamento da carga fiscal.
O conceito de Responsabilidade Social teve grande visibilidade desde os anos 2000, e tornou-se mais frequente depois dos avanços dos conceitos de desenvolvimento sustentável. Portanto, empresas socialmente responsáveis nascem do conceito de sustentabilidade económica e responsabilidade social, e obrigam-se ao cumprimento de normas locais onde estão inseridas, obrigações que impactam nas suas operações, sejam de carácter legal e fiscal, sem descurar as preocupações ambientais, implementação de boas práticas de Compliance e Governação Corporativa.
Já ninguém questiona o quanto os subsídios aos combustíveis representavam uma distorção macroeconómica com efeitos severos para as contas públicas, para a maior empresa de Angola (a Sonangol) bem como para os cidadãos de uma maneira geral, uma vez que estamos a falar de números astronómicos. Só em em 2022, calculado em 2,15 biliões de kwanzas (cerca de 3,8 mil milhões de dólares).
Portanto, para os observadores mais atentos, há algum tempo que se vislumbrava tal medida. Uma notícia aqui, um comentário acolá, outra medida ali e chegámos então ao dia D, o passado 1º de Junho em que o Executivo, representado pelo Ministro de Estado para a Coordenação Económica, o Professor-Doutor Manuel Nunes Júnior, acompanhado de outros ministros, anunciou, em conferência de imprensa, na passada semana, o programa de reforma dos subsídios aos combustíveis, que começou por abarcar um ajustamento no preço da gasolina, preservando-se, nesta fase, os preços do gasóleo e do petróleo iluminante, uma vez que é público que o Governo irá manter o subsídio sobre o gás de cozinha.
Mas os males do combustível barato de Angola não se resumem ao que enunciámos anteriormente. O combustível barato de Angola tem alimentado a venda ilegal de combustíveis, com suporte de redes altamente sofisticadas e com padrinhos em vários pontos, para os países da região austral e central em dimensões incomportáveis.
Os subsídios estavam por isso a prejudicar mais do que a beneficiar o Estado, do qual fazem obviamente parte os seus cidadãos que se viam assim privados de largas somas – já o dissemos que em 2022 foram cerca de 3,8 mil milhões de dólares, que poderiam ser canalizados para atender outras necessidades verdadeiramente prementes ao nível da saúde onde a rede de cuidados primários precisa de ser rapidamente ampliada, para além da valorização de pessoal, equipamentos, medicamentos e vacinas. Poderíamos ainda citar a educação onde continuamos a registar números vergonhosos de crianças fora do sistema escolar; poderíamos falar da necessidade do Estado prover assistência aos grupos mais vulneráveis, de que o Kwenda é um exemplo singular.
O economista Heriwalter Domingos defendeu, aqui neste jornal, num artigo interessante com o o título "Subsídios de combustíveis: a oportunidade para realocar recursos a programas sociais” que os recursos desmobilizados da subsidiação dos combustíveis deveriam ser canalizados para programas sociais como o Kwenda. E essa sua assertividade coincide com a abordagem seguida pelo Executivo angolano que prevê reforçar o Kwenda em toda a escala, ou seja, as famílias passam a estar mais tempo em termos de transferências monetárias, passando de um para dois anos; o valor mensal que lhes era atribuído aumentou passando de 8 mil e 500 kwanzas para 11 mil hwanzas.
O "Kwenda”, é um programa que tem mostrado resultados muito concretos em todo o país, junto de famílias em situação de extrema vulnerabilidade que passam para um patamar diferente, para além do impacto nas suas comunidades onde passa a existir uma maior circulação do capital, o que impulsiona a produção e o consumo. Com um financiamento de 420 milhões de dólares, desde a sua implementação, em 2020, já beneficiou 610 mil 382 agregados familiares com pagamentos directos de 33 mil kwanzas trimestrais.
O economista a que nos referimos valoriza outros dados importantes: "Além das transferências, o Kwenda conta com um Cadastro Social de mais de 3 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade em todo o país, uma ferramenta essencial para delinear políticas de combate à pobreza, e que precisa de recursos para ser ainda mais robusta e ampla. O projecto tem também as componentes de Municipalização da Acção Social, através da criação dos Centros de Acção Social Integrados, e de Inclusão Produtiva – apoio às famílias vulneráveis para iniciar actividades geradoras de renda em áreas como a agricultura, pecuária, pesca, artesanato, cultura, turismo rural e ambiente, transformação de produtos agro-pecuários, fundos e caixas comunitárias e energias renováveis”.
E o Governo angolano adopta essa medida num timing mais do que favorável. Como ditam as ciências políticas, é após as eleições que se enunciam e tomam-se as medidas impopulares, para que estas não provoquem nenhum efeito de contágio sobre os processos eleitorais intercalares. Por outro lado, também, no quadrante internacional, a reforma dos combustíveis em Angola coincide com o anúncio esta semana, no novel presidente da Nigéria em como o país passaria a eliminar igualmente os subsídios aos combustíveis para aliviar as finanças públicas.
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