Por conta de algum ajuste da pauta aduaneira, concretamente relacionada com a taxação dos produtos de uso pessoal, nos últimos dias, a Administração Geral Tributária (AGT) esteve, como se diz na gíria, na boca do povo. A medida gerou uma onda de insatisfação e, sendo ou não apenas a única razão, foi declarada a suspensão daquela modalidade de tributação, nova na nossa realidade.
Persigo, incessante, mais um instante para privilegiar o sossego. Para a parte maior da raça humana, pondero tratar-se da necessidade que se vai evidenciando quando a tarde eiva as objectivas da vida. Rastos de águas passadas há muito direccionam o moinho para a preciosidade do tempo.
As eleições legislativas de domingo (10.03), em Portugal, confirmaram a tendência de crescimento da extrema-direita na Europa, com o Chega, de André Ventura, a obter resultados muito acima do que as sondagens previam, as últimas das quais apontavam para uma descida significativa nas intenções de voto, de 16 para 12 por cento, para essa formação política.
Esse resultado coloca o Chega como terceira força política mais votada e, também, um embaraço à coligação de direita Aliança Democrática (AD), formada pelo Partido Social Democrata (PSD), o Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Popular (PP), que venceu com margem mínima (29,49 por cento dos votos - 79 deputados) e cujo líder, Luís Montenegro, sempre recusou qualquer acordo de governação que integrasse o partido de André Ventura.
O Partido Socialista, sob liderança de Pedro Nuno Santos, conseguiu apenas 28,66 por cento dos votos, ou seja, 77 deputados eleitos (contra os 120 mandatos em 2022), o que levou o seu líder a reconhecer a derrota e a declarar-se pronto para ser oposição. António Costa, ex-líder do PS e que comandou o Governo durante oito anos, assumiu o ônus da derrota do partido nestas eleições. Desta forma, Costa retira de Pedro Nuno Santos toda a carga política negativa resultante da derrota eleitoral e deixa, ao novo líder do PS, caminho aberto para reformar o partido e conferir-lhe uma nova imagem.
Era expectável que estas eleições resultassem numa guinada política à direita em Portugal. A derrota do Partido Socialista explica-se pela sucessão de casos de alegada corrupção, de irregularidades contratuais, com cada vez maior impacto mediático, que foram acontecendo no Governo de António Costa, entretanto suscitados pelo Ministério Público.
Embora no cômputo geral o Governo de António Costa tenha somado resultados positivos, com contas certas e uma almofada financeira que permite a Portugal encarar o futuro próximo sem sobressaltos, factos que abonam a favor do prestígio do Primeiro-Ministro cessante, algumas das figuras de que se rodeou no Executivo tiveram desempenho que acabaram por manchar a sua imagem. Tal foi o caso do director do seu gabinete, em cujas instalações foi encontrada soma avultada de dinheiro, o que comprometeu a reputação de António Costa.
Quer a direita quer a extrema-direita cavalgaram nesse cordel de "casos e casinhos” que formaram uma bola de neve, numa onda em que não esteve alheia a actuação do Ministério Público, como é reconhecido por vários analistas portugueses, e que acabaria por destruir a figura política de António Costa se, in extremis, não tivesse pedido a demissão do cargo de Primeiro-Ministro.
Por apurar, entretanto, ainda faltam os resultados dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa (são quatro deputados em disputa), que poderão ou não alterar o número total de assentos parlamentares por formação política, com as chances de a AD, o PS e o Chega serem os mais votados. Esses resultados só serão conhecidos a 20 de Março. Quer dizer que as contas podem vir a complicar-se ainda mais do que já estão.
Tanto os partidos integrantes da coligação AD, com o PSD à cabeça, como o Partido Socialista, não querem que o Chega faça parte do arco da governação. Com um discurso anti-sistema, o partido de André Ventura fez do populismo, com mensagens incisivas e eficazes, a sua bandeira de afirmação. Mesmo sabendo que algumas dessas mensagens iriam chocar, o líder do Chega optou pela disrupção.
Os casos de corrupção ajudaram o Chega. Talvez mais ao Chega do que à AD. E, por aqui, não estando no Governo, a margem de crescimento do Chega pode aumentar se, no novo Executivo, sem a sua participação, voltarem a acontecer situações dessa natureza em que o Ministério Público tenha de intervir; se não forem suficientemente esclarecidas ou desconstruídas mensagens de André Ventura que são apodadas como pura demagogia; se se mantiverem assimetrias como as denunciadas durante a campanha eleitoral, como foi o caso da diferença de subsídios entre os ramos das forças policiais, e o abandono de que se queixam algumas regiões do interior de Portugal.
André Ventura e o Chega querem alcançar o pote. Esse é o objectivo de qualquer político e da formação que o sustenta. Há, pela frente, muito trabalho para os partidos tradicionais do arco da governação (PSD, PS, CDS-PP), que passa pela apropriação do discurso da reforma moral e ética do Estado que o Chega agita como estandarte e que acusa, em parte, a esquerda de minar esses valores, mas, também, a direita de não fazer o suficiente para "restaurar a República”.
*Jornalista
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