Opinião

Para não dizerem que não falei do ataque do Irão a Israel

João Melo*

Jornalista e Escritor

Durante a 2ª Guerra Mundial, os alemães não atacaram nenhuma representação diplomática dos países seus inimigos, contra os quais combatiam nos campos de batalha, sonhando em conquistar o mundo pela força das armas e impor o seu tenebroso regime nazista, racista e ditatorial.

17/04/2024  Última atualização 07H00
No passado dia 1 de Abril, o regime sionista de TelAvive perpectrou um ataque contra o consulado iraniano em Damasco, quebrando todas as tradições diplomáticas existentes desde há milénios (sim, há milénios) e matando sete altos militares. Teerão ameaçou que iria ripostar de modo contundente a essa agressão, o que a opinião pública encarou com natural apreensão e expetativa.

A resposta iraniana à agressão israelita ocorreu no último sábado, 13, tendo Teerão lançado cerca de 300 drones e mísseis contra Israel, a maioria dos quais falhou o seu objectivo.

O presidente norte-americano, Joe Biden, principal aliado de TelAvive, exultou: - "Hoje foi uma noite vitoriosa! Nenhum alvo significativo [ em Israel ] foi destruído.” Muitas personalidades ocidentais apressaram-se a classificar como "precipitada”, no mínimo, a decisão de Teerão de atacar Israel. Um deles foi o antigo primeiro-ministro inglês, David Cameron, o qual, entretanto, se contradisse, quando a jornalista que o entrevistava lhe perguntou o que faria o Reino Unido se um dos seus consulados fosse atacado. Respondeu ele: - "Tomaríamos medidas muito fortes! ”. 

Muitos comentaristas não têm dúvidas de que a retaliação do governo dos aiatolás ao ataque ao seu consulado na capital síria é o pretexto de que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, esperava para alastrar a guerra pela região. O mínimo que é possível dizer é que talvez essa leitura seja um tanto ingénua, pois a actual liderança de TelAvive já demonstrou que não precisa de pretextos especiais para recorrer à guerra e à matança de palestinos, no quadro da estratégia sionista de proceder à limpeza étnica da Palestina, a fim de consolidar o Estado de Israel.

De todo o modo, o facto é que os acontecimentos no Médio Oriente vêm aumentar as preocupações da maior parte da humanidade com a possibilidade de uma generalização dos conflitos armados no mundo, que conduzam a uma terceira guerra mundial, a qual, quase certamente, será a derradeira.

Refiro-me apenas à "maior parte da humanidade”, pois a outra – minoritária, mas de um poderio determinante -, não apenas económico, mas também político, ideológico e, sobretudo, militar, parece caminhar alegremente para esse conflito final. O facto de continuar a autoconsiderar-se superior, em termos morais e civilizacionais, à maioria da humanidade torna essa perigosa minoria ainda mais patética e ameaçadora.

A verdade é que assistimos hoje a sinais perturbadores, os quais, estendendo-se da Europa ao Médio Oriente e à Ásia-Pacífico, podem fazer descambar os actuais conflitos e tensões nessas regiões numa guerra generalizada, que chegue ou afecte todo o mundo.

Por enquanto, os conflitos de cariz militar apenas atingem a Europa (a guerra entre a Rússia e a Ucrânia) e o Médio Oriente (o genocídio de Gaza, a que é preciso acrescentar os ataques de Israel ao Líbano e à Síria e a recente retaliação do Irão a TelAvive).

Mas é preciso, igualmente, prestar atenção às fricções existentes na região da Ásia-Pacífico, como as disputas marítimas entre a China e as Filipinas ou as tensões entre a China e os EUA, devido à pretensão de Pequim de reunificação da maior nação asiática.

Em termos geopolíticos, os alinhamentos são claros: o eixo EUA/UE/OTAN (a que podemos chamar o Ocidente Alargado) constitui uma aliança formal que, na guerra na Europa, apoia o regime ucraniano, com o mal oculto objectivo de destruir a Rússia e, no limite, estender-se até à fronteira com a China; e, no Médio Oriente, continua indefectível ao lado de Israel, a que os EUA chamam o seu "porta-aviões” e cujo papel é impedir a expansão da China (e da Índia?) para ocidente.

Por outro lado, países como a Rússia, China, Irão e Coreia do Norte, embora informalmente, estreitam crescentemente a coordenação entre elas. Mas, na região da Ásia-Pacífico, os EUA, com o apoio da OTAN e da União Europeia, reforçam a sua cooperação, inclusive militar, com países como o Japão, Coreia do Sul, Austrália, Filipinas e outros, o que tem enfurecido a China. Basta olhar para o mapa para entender as razões da inquietação chinesa.

A comentarista Andrea Rizzi, num artigo publicado no espanhol El País na última segunda-feira, 15, escreve o seguinte: - "(...) quando as dinâmicas de tensão se desatam, as coisas podem sair do controlo, por acidente ou porque algum actor decide o que lhe convém”. Ela acrescenta que as probabilidades de isso acontecer são maiores no Médio Oriente, onde Netanyahu tem interesse na persistência da guerra, "pois disso depende a sua permanência no poder”.

Quanto à região da Ásia-Pacífico, a autora diz que as probabilidades são menores, uma vez que a China "não tem um interesse racional” em que isso aconteça. Estranhamente, a autora não faz qualquer previsão, no artigo em causa, dos possíveis desenvolvimentos da guerra em curso há mais de dois anos na Europa.

            *Jornalista e  escritor       

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