Opinião

Os receios em relação à Inteligência Artificial

Filomeno Manaças

Na primeira semana deste mês prestes a terminar, em que se comemorava o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o tema sobre a Inteligência Artificial inundava a media internacional em virtude de novos desenvolvimentos tecnológicos que se tornaram notícia e rapidamente animaram os debates em torno do assunto.

26/05/2023  Última atualização 08H50

Desde o New York Times, o Guardian, a Reuters, a France Press, a EFE, o Le Monde, o Le Figaro, a Lusa, o Diário de Notícias, O Globo, ao Público, as matérias sobre Inteligência Artificial mereceram abordagens de destaque.

Talvez porque a liberdade de imprensa esteja associada à liberdade de pensamento e de expressão, o mês de Maio tenha sido escolhido para dar um novo sopro às discussões sobre a matéria. É que, desde então, o assunto mantém-se como tema da actualidade, tendo inclusive merecido a sua inscrição na pauta de trabalhos da cimeira do G7, dos principais países industrializados (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá), realizada em Hiroshima de 19 a 21 deste mês.

O Parlamento Europeu, através das suas comissões de Mercado Interno e Liberdades Cívicas, avançou a 11 de Maio com os trabalhos preliminares que deverão conduzir à criação de um regulamento da Inteligência Artificial na União Europeia. De recordar que em Abril de 2021 a Comissão Europeia já havia feito uma abordagem sobre o assunto.

Até aqui, de que estamos a falar em concreto? Das chamadas tecnologias de "Inteligência Artificial” generativas, com capacidade para realizar tarefas até então percebidas como só possíveis de serem executadas pelo homem. Esta percepção começou a mudar a partir de Novembro do ano passado, quando foi lançado o robôt ChatGPT (da sociedade americana OpenAI) com capacidades impressionantes de, uma vez lhe solicitado, redigir em linguagem articulada textos sobre os mais diversos assuntos de interesse público.

Quando esse lançamento aconteceu as reacções subsequentes foram de um campo a outro; da surpresa e satisfação à apreensão pelas potencialidades que as novas ferramentas apresentam, nomeadamente os riscos para a sociedade. Não demoraram a ser feitos estudos sobre o impacto que a tecnologia poderá ter, entre os quais a possibilidade de levar ao desaparecimento de 300 milhões de empregos nos Estados Unidos!!!

Interessantes são os comentários a propósito de figuras emblemáticas da sociedade norte-americana. O antigo patrão da Microsoft, Bill Gates, é referido como tendo feito a seguinte afirmação: "Na minha vida, vi duas demonstrações de tecnologia que considerei inovadoras. A primeira vez foi em 1980, quando fui apresentado a uma interface gráfica do usuário (…). A segunda grande surpresa veio no ano passado (com o ChatGPT)”. O que impressiona - diz uma reportagem do Le Monde - é a capacidade dessas ferramentas criarem uma infinidade de textos, de imagens, de vídeos ou de música, como o fariam os seres humanos, ou até melhor em alguns casos.

Geoffrey Hinton, considerado o pai da IA e que já trabalhou para a Google, manifestou em entrevista ao The New York Times as suas preocupações quanto aos perigos que representam essas novas tecnologias. "A ideia de que essas coisas [IA] na realidade poderiam vir a ficar mais inteligentes do que as pessoas, era algo que algumas pessoas acreditavam. Mas, na sua maioria, pensavam que levaria muito tempo. Eu pensava assim, que faltariam entre 30 a 50 anos, ou talvez mais. Obviamente, já não penso assim", disse.

Noam Chomsky, reputado filósofo e linguista, considerou, por seu turno, que "esta inteligência artificial é o ataque mais radical ao pensamento crítico”.

Yusuf Mehdi, vice-presidente da Microsoft e director de marketing para o consumidor da empresa, vê a questão por um outro prisma. Segundo ele, "os simuladores de conversa (chatbots) com inteligência artificial (IA) não vão poder ser mais inteligentes do que as pessoas, porque precisam do "entendimento humano", no sentido de que são as pessoas que lhes dizem o que fazer”. Mehdi acrescenta que "o essencial da IA é prever texto. É prever o que vem depois. Mas precisa do entendimento humano. Os humanos são os que se ligam com a IA e lhe dizem o que fazer”.

Para o perito da Microsoft "o receio com a IA em parte é devido por ser uma novidade, que se popularizou com o lançamento do ChatGPT, da OpenIA (em Novembro), bem como aos anúncios de "chatbots" de IA nos motores de busca da Edge e Google, respectivamente Bing e Bard, há três meses”.

"Temos de passar por este ciclo de compreensão da tecnologia (...) e, à medida que aprendemos mais, creio que esses medos vão passar", disse ele confiante.

Mas, já há notícias a contrariar esse optimismo e a dar razão aos que nutrem fundados receios.

O jornal The Irish Times, da Irlanda, foi, a semana passada, obrigado a pedir desculpas por ter publicado um artigo de opinião criado com base na Inteligência Artificial. A publicação afirma ter sido vítima de "fraude deliberada e coordenada” do autor do texto, intitulado "A obsessão dos irlandeses pelo falso bronzeado é problemática”. Publicado numa das suas edições da semana passada, o texto, que foi um dos mais lidos, teve de ser retirado do site do jornal depois de um internauta ter informado ao britânico The Guardian que usou a ferramenta de inteligência artificial GPT4 para criar 80 por cento do texto, e que a foto de perfil usada foi, também ela, criada a partir do gerador de imagens Dall-E 2. Tudo isso, afirmou ainda o autor, com o objectivo de "provocar um debate sobre a política identitária e também divertir os amigos”.

Como a Internet, que possibilitou o surgimento das redes sociais, os avanços tecnológicos no domínio da Inteligência Artificial estão a ser encarados como algo que tanto pode ser benéfico como prejudicial ao Homem.

O debate em torno do assunto está apenas no início. Em entrevista à BBC, o cantor britânico Sting fez um alerta contra as canções escritas via Inteligência Artificial (IA). Disse prever uma "batalha" em que os artistas defenderão as suas obras e pediu cautela perante esta nova tecnologia."Os componentes básicos da música pertencem-nos, aos seres humanos", afirmou o ex-vocalista dos The Police, hoje com 71 anos.

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