Opinião

Os partidos políticos quase perfeitos

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Vocês sabem que eles não precisam de ter cabeça de lista, nem apresentarem candidato algum às eleições gerais, nem estarem no parlamento, eles são já os vencedores simbólicos de todas as eleições: fazem parte das escolhas mais íntimas dos cidadãos avisados e vêm tendo, sem o saberem, cada vez maiores espaços de poder político ali onde estão instalados e actuam.

23/02/2021  Última atualização 07H50
Eles satisfazem-se, apenas, mostrando-nos como é que as coisas são feitas noutras partes do mundo, na ficção ou na realidade, nos sonhos ou nas fantasias, por homens ou por extraterrestes, na análise ou na especulação, transmitindo conhecimento ou facilitando-nos o entretenimento: todas as vezes que tocam as nossas fibras mais sensíveis, eles nos transformam e, de certa forma, passamos a ser indivíduos um pouco diferentes.

Fazem política de um modo tão perfeito que não só não têm que fazer nada para além de ser somente o que são como, sempre que a consciência do cidadão coagula fortemente arredor de uma ideia, adverte uma injustiça ou identifica qualquer imperfeição no sistema, lá vai ele sozinho às ruas sem saber que, afinal, os seus actos são o resultado de um impulso educativo quase subliminar que, todos os dias, ele vai recebendo sem sequer se aperceber, no sofá da sua casa, sem slogans nem intrigas.

São tão consequentes, sólidos, sofisticados e irreverentes que, precisamente por isso, estando à frente do nosso nariz há quem nunca calibrou quanto lhes adora: é tal a fascinação que sentimos por eles que, apesar de não fazerem comícios nem passeatas, nem terem comissões instaladoras, não terem que prestar contas, nem estarem em nenhuma coligação de partidos nem nada que se lhes pareça, não perdemos nenhum"discurso” deles.

Eles são das poucas coisas que nos fazem repensar sempre o nosso lugar, o sítio a partir do qual pensamos, lemos, vemos filmes, ouvimos música, brincamos e se quisermos até rezamos, nos entretemos ou, simplesmente, existimos como quisermos e como nos apetecer.
 Quando não queremos vê-los sozinhos convidamos alguém, para confirmar que fazemos parte de uma comunidade que nos une a muitas outras pessoas: o conhecimento liberta-nos.

Falam diversas línguas e não é o dinheiro. Têm para todas as idades, para os mais distintos géneros e inclassificavéis orientações sexuais, não pensam em raças: pensam em ideias que estão a transformar o mundo, que farão naturalmente parte do mundo, no futuro. São revolucionários, imprevisíveis, satisfazem todos os nossos desejos do espírito, sustentam qualquer das nossas ousadias reflexivas: parecem ter conhecimento profundo dos nossos traumas e até mesmo quando não pedimos nada, eles dão-nos os antídotos, mostrando-nos outras experiências similares, novos caminhos.

Temos de obrigatoriamente ter algo equivalente aos cartões de militantes e pagamos por isso – razão da sua imperfeita condição -: não temos camisolas, nem bandeiras de nenhum tipo, para adorar de pés juntinhos. Não temos líderes, nem clarividentes e muito menos confusos, pensamos pelas nossas próprias cabeças. Eles impõem-nos séries distintas de imagens, concebidas para fins diversos, nem sempre para aquilo que estamos à espera, nem do modo como o desejaríamos, mas gostamos de ser surpreendidos.

Têm projectos políticos dos mais avançados e, por conseguinte, se és militante destes partidos políticos tens que estar e viver, necessária e forçosamente, numa dimensão diferente da de os militantes de outros partidos políticos. Chegaram a Angola, em tempo de paz: para eles a guerra faz parte da história e da ficção. Por oportunismo, há militantes dos partidos políticos quase perfeitos que não dispensam os partidos políticos tradicionais, sempre imperfeitos.

Eles conseguem ser e estar tão presentes como se, na verdade, fizessem parte da nossa cultura: não duvido que já o façam, são os maiores oásis de liberdade, de justiça e de imaginação com o que convivemos todos os dias.
São partidos políticos quase perfeitos. Para fazer parte deles exigem esforço e dedicação: para estares neles e lhes compreenderes tens que pensar, constantemente. Convivemos com eles todos os dias e nos permitem distinguir entre o que gostamos e o que detestamos.

Eles são grandes empresas que, na verdade, funcionam como se fossem partidos políticos, assentes na criatividade, não perdem eleições: são os cavalos de Tróia da inteligência mais distinta, os únicos que demonstram saber da importância profunda e transformadora das artes, das ideias e da cultura.
Vocês sabem quais são, ou não?

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