Opinião

O primeiro cartaz para a luta de libertação

Manuel Rui

Escritor

Quando cheguei a Coimbra, em Portugal, havia uma série de posters simbólicos para se colocar na parede. Não me esqueço do IF (Se) de Rudyard Kipling ,um dos escritores mais populares de Inglaterra, no final do séc. XIX e início do séc. XX, considerado o maior “inovador na arte do conto curto.” O IF (o SE) era uma espécie de conselho fundamental para um jovem ser homem. E recordo aqui a última estrofe:

08/06/2023  Última atualização 06H05

                       (…)

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes  E, entre reis, não perder a naturalidade,

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,  Se a todos podes ser de alguma utilidade,  E se és capaz de dar , segundo por segundo,                                

 Ao minuto fatal todo o valor e brilho, Tua terra com tudo o que existe no mundo E o que mais – tu serás um homem, meu filho!

Este poster esteve na parede do meu quarto. Mas depois surgiram outros. Alguns, clandestinos, comprados na Almedina do Machado em Coimbra ou na Barata de Lisboa.

O poster era uma maneira de identidade comunicacional e também instrumento de ideias e ideais de libertação. Depois foi um na horizontal com a reprodução da grande obra de Picasso que celebrizava os terrores do Franquismo na guerra civil de Espanha. Era preciso mandar colocar contraplacado para fazer um quadro de  colocar na parede. A Pide, polícia política portuguesa, quando entrava numa residência, república ou escritório e via a Guernica na parede já ficava a saber que aquele território era de gente contra o regime salazarista. Mas o poster mais afetivo para a juventude era sem dúvida o de Che Guevara, uma espécie de Cristo ressuscitado em guerrilheiro depois de assassinado.

 Quando regressei do meu "Regresso Adiado”, livro editado em Portugal pela coragem de Manuel Ferreira e dos irmãos Prata da editora "Plátano”, vinha o ancho da cela 13 na cadeia do Aljube, onde, dois anos antes, havia estado Agostinho Neto. Nessa mesma cela 13. Do castigo. Lá no fundo.

Em Luanda, havia uma imensidão de euforia para explodir sem ódio e plena de fantasia no imaginário da insónia misturada, para mim, com o amanhecer manhãzinha suave para além da serra do alemão que assim se chamava na minha terra de nascer.

Agora, no governo de transição, havia um hangar para produzir agitação e propaganda. E vieram os posters. O cérebro apaixonado por posters era Helder Neto. Mas havia toda uma militância de pintar, desenhar, filmar e fotografar. Um dia apareceu-me Iko Carreira para mandarmos fazer o lindo pôster da proclamação das Fapla. Depois foram-se sucedendo posters. E as pinturas murais comandadas pela artista Teresa Gama, incluindo o mural à volta do hospital  militar, lembro-me que fui lá dar uma pincelada. Seguiram-se outros maiores em escolas mas um dia, a estupidez, sempre perdoável, mandou apagar esses murais. Infelizmente, podíamos, pelo menos, ter um museu do poster e um álbum com as pinturas murais. Para mim, que logo no 2º ano da universidade, descobri um álbum barato num alfarrabista e logo me apaixonei por Siqueiros, o artista dos grandes murais mexicanos. Infelizmente, quando fui convidado para ir ao México à grande feira do livro de Guadalajara, os murais estavam tapados com malha para trabalho de conservação.

No que ao nosso país diz respeito, recordo com emoção a mukanda que Artur Miguel me mandou de Bruxelas e explica como foi feito o primeiro cartaz. Reza assim:

Caros amigos

Quando em 1971 o Carlos foi à Argélia visitar o irmão, Jorge, levou de Paris os materiais necessários (tintas, papel…) pedidos pelo autor do desenho, Henrique Abranches, para lá fazerem o primeiro cartaz do MPLA. Depois o Carlos levou exemplares para entregar às pessoas que lhe indicaram em Argel. E levou um bem escondido para Lisboa.

Aqui junto um exemplar do cartaz publicado em Arte e Combate. Cartazes e Posters do Acervo ATD.

Abraço amigo Artur.

Em resumo, o irmão do que viria a ser o general Piricas, meu conterras, foi de Paris a Argel ver o Piricas e…aparece o primeiro cartaz que não sei se anda por cá…ou se perdeu. No fundo, para quem conheceu as mil artes e ofícios de Abranches que fez aqui escola e deixou seguidores, resta uma certa e áspera nostalgia sobre a preservação da memória entre nós.

Hoje, se eu fizesse um poster era para CARLOS MORAIS, o genial basquetebolista que tantas alegrias nos deu e ainda tem para dar. Treinadores há muitos e angolanos. Mandem esse embora… CARLOS MORAIS há só um!

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