Opinião

O mundo todo está literalmente num grande movimento de migração

Ismael Mateus

Jornalista

O tema da emigração dos angolanos entrou no debate político nacional e, como sempre, regista-se um silêncio do partido no poder e uma abordagem populista do maior partido da oposição.

27/03/2023  Última atualização 06H10

Não está obviamente em causa a preocupação legítima da sociedade para a massiva saída de jovens do país por falta de esperança e oportunidades de emprego.

O silêncio como estratégia de comunicação do partido maioritário permite que o espaço público seja dominado por mensagens negativas que, por sua vez, alimenta a falta de diálogo na sociedade, a ausência de perspectivas e amplia a percepção de degradação da vida social e económica.

Estamos a viver mais um pico de emigração dos angolanos, tal como aconteceu em 1975, em meados dos anos 80, e nos conflitos pós-eleitorais dos anos 90, o que desmente a ideia que se trata de uma inédita emigração dos nossos jovens.

Antes procurava-se auxílio como refugiados de guerra ou asilados. Agora, procura-se por melhores condições de vida, num cenário de uma inflação de dois dígitos, altíssimos níveis de desemprego, alta polarização política, e ausência de perspectivas de melhorias.

A ausência de uma estratégia de diálogo com a sociedade tem como consequência imediata o fim do imaginário colectivo de "Angola – país com futuro”, onde os jovens angolanos estariam dispostos a trabalhar em busca daquilo que imaginavam ser uma boa vida: salários compatíveis, segurança, educação mais qualificada e assistência médica. A ausência da percepção de mudanças concretas nas suas vidas, as narrativas negativas e os escândalos, a corrupção e a desilusão com os políticos fazem com que os cidadãos, sobretudo os mais jovens, usem das alternativas que o mundo global da actualidade lhes oferece. Com a grande aldeia global, qualquer cidadão do mundo ganhou o direito de buscar, onde entenda, trabalho, melhores condições sociais e melhor qualidade de vida. É um direito do mundo contemporâneo. Não há nada a fazer. Não havendo emprego nos seus países, é legitimo procurarem fora deles, venderem a sua inteligência e força de trabalho lá onde se mostrar necessária.

Os angolanos emigram principalmente para Portugal, França, Brasil, Namíbia, África do Sul e Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida e de trabalho, como segurança, educação de qualidade, saúde e estabilidade económica. Essas são exactamente as mesmas razões que levam os brasileiros a emigrarem para os Estados Unidos e Portugal; os portugueses a emigrar para o Reino Unido ou os sul-africanos a emigrar para os EUA, Países Baixos e Reino Unido. O mundo todo está literalmente num grande movimento de migração.

Num mundo que se percorre num click, cada um é um cidadão do mundo, a competição é global e a emigração tornou-se uma alternativa contra o desemprego estrutural contemporâneo e a desigualdade e a exclusão que enfrentam nos seus países.

De acordo com o Ministério brasileiro das Relações Exteriores, o número de brasileiros no exterior saltou nos últimos anos de cerca de quatro milhões para mais de 6 milhões, cerca de 3% da população. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que, se tiverem essa oportunidade, 47% dos brasileiros, entre 15 e 29 anos, gostaria de deixar o país.

Cerca de 60.000 portugueses emigraram em 2021, mais 15.000 que no ano anterior. Citando os dados disponibilizados pelas Nações Unidas em 2022, cerca de três milhões de portugueses estão a viver no estrangeiro, o que representava, em 2019, cerca de 26% da população residente no país. O Reino Unido liderou os destinos dos emigrantes portugueses (12.000 entradas), seguindo-se Espanha (8.000), Suíça (8.000), França (6.000) e Alemanha (6.000). Fora da Europa, os principais países de destino da emigração portuguesa integram Angola e Moçambique.

Em Angola, como em todos os outros países aqui citados, os fluxos migratórios são conjunturais e estão directamente relacionados com a diminuição de oportunidades de trabalho e com a crise económica e financeira, havendo também uma tendência de retorno quando a situação económica se mostre mais favorável.

Os políticos angolanos, em vez de discutir o direito de cada um de emigrar ou não em busca de melhores condições de vida, deveriam aprender as lições de outros países e aproveitar a oportunidade para preparar o país contra os problemas que são associados aos grandes fluxos migratórios. O primeiro deles é a criação de redes de tráfico de imigrantes que se aproveitam das fragilidades e inexperiência para engrossar redes criminosas.

A segunda preocupação deve ser com o controlo da quantidade e da qualidade dos estrangeiros que entram em Angola para que a saída massiva não corresponda a uma entrada de estrangeiros igualmente massiva com prejuízo para a oportunidade para os angolanos que decidam permanecer no país.

Em terceiro lugar, a necessidade de adopção de medidas selectivas que possam proteger o país contra a saída de profissionais qualificados e contra a fuga de cérebros.

Na administração pública e no mercado angolano há uma completa ausência de políticas de protecção dos profissionais qualificados. Pelo contrário, a competência e a capacidade técnicas são, na maior parte das vezes, ostensivamente combatidas, sujeitas a intrigas e asfixiadas ao ponto de os cérebros preferirem emigrar ou se verem apenas reconhecidos no exterior do seu país.

Precisam-se de medidas que contribuam para a valorização do mercado da mão de obra qualificada sobretudo em termos de salários competitivos, crescimento profissional e de planos de carreiras, ambiente harmonioso de trabalho e benefícios sociais atractivos.

Infelizmente, enquanto o partido no poder se mantiver incapaz de tomar dianteira na discussão dos assuntos verdadeiramente importantes para o futuro e o maior partido da oposição estiver mais preocupado com os "likes” e populismo das suas declarações, o país não iniciará um debate sério sobre as reformas necessárias para a valorização dos profissionais nacionais, fomento da empregabilidade e protecção contra a fuga de cérebros, incentivo à produção de ciência e tecnologia e apoio aos criadores angolanos.

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