Diz-se que constitui um gesto de fraqueza o exercício de se queixar aos entes e e organizações estrangeiros sobre os problemas da nossa terra, para depois receber como resposta a exortação óbvia segundo a qual “as soluções devem ser encontradas entre vós mesmos”, da mesma maneira como as sucessivas iniciativas externas para acabar com a guerra se comprovaram ineficazes.
Numa pequena cidade, escondida entre colinas suaves e campos dourados pelo sol, ocorria um fenómeno curioso, a que os moradores, por falta de um termo melhor, chamavam de “O Labirinto da Ignorância”. Não era um labirinto físico, com paredes e passagens secretas, mas um emaranhado de crenças e desinformação que tecia a trama da vida quotidiana.
O labirinto começou a formar-se há muito tempo, quando um rumor surgiu, tão subtil quanto a brisa da manhã. Dizia-se que a água da fonte central da cidade possuía propriedades milagrosas, capaz de curar doenças e trazer longevidade. A origem dessa crença era desconhecida, mas a sua aceitação foi quase instantânea. As pessoas, sedentas por esperança, não buscaram evidências ou questionaram a veracidade da afirmação; ao contrário, abraçaram-na com fervor.
A partir desse ponto, a ignorância colectiva começou a expandir-se como raízes sob a terra. Sem que ninguém percebesse, ela influenciava decisões, moldava opiniões e dirigia acções. Escolas começaram a ensinar sobre as propriedades mágicas da água como se fossem factos, médicos a recomendavam, e a fonte tornou-se um local de peregrinação.
O poder da ignorância colectiva não residia na crença em si, mas na sua capacidade de unir a comunidade numa visão partilhada, mesmo que essa visão fosse fundamentada em falsidades. Ela criava um sentido de pertença, uma identidade comum, embora construída sobre areias movediças de desinformação.
Contudo, o labirinto tinha as suas sombras. Crianças cresciam acreditando cegamente em tudo que lhes era ensinado, sem o incentivo à curiosidade ou ao pensamento crítico. Adultos, por sua vez, viam qualquer desafio às suas crenças como ataques pessoais, defendendo-as com vigor, mesmo diante de evidências contrárias.
Um dia, um viajante chegou à cidade, trazendo consigo conhecimentos de terras distantes e uma visão desimpedida pelas paredes do labirinto. Ao ouvir sobre a fonte milagrosa, propôs um estudo para investigar as suas supostas propriedades. A reacção foi imediata e visceral. A comunidade, tão unida pelas suas crenças, viu nesse questionamento uma ameaça ao tecido da sua existência colectiva.
O viajante, perplexo com a hostilidade recebida, decidiu partir, deixando a cidade às voltas com o seu labirinto. Mas a sua breve presença plantou sementes de dúvida em alguns, sussurros de que talvez houvesse mais fora das paredes invisíveis que construíram à sua volta.
A crónica desta pequena cidade é um espelho para o mundo maior, um lembrete de que a ignorância colectiva, embora possa oferecer conforto e unidade, também pode aprisionar e cegar. Ela fala do poder das histórias que contamos a nós mesmos e dos perigos de não questionar as verdades que aceitamos. O labirinto da ignorância é construído não com tijolos, mas com as palavras não ditas, as perguntas não feitas e as verdades não procuradas. E somente pela coragem de enfrentar o desconhecido, de questionar e aprender, podemos encontrar a saída.
10/02/2024
Mário Ndala
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