Opinião

O Huambo de ouvir e contar (3)

Manuel Rui

Escritor

“Com mais de sessenta indústrias activas subdivididas entre fábricas têxteis, confecções, couro, calçado, alimentos, bebidas e tabaco, madeira e mobiliário e materiais de construção, o Planalto Central não importava quase nada, evidenciando, claramente, a sua robustez no sector.”

08/02/2024  Última atualização 07H05
É o tal gigante que se esfumou pelos 11 municípios: Huambo, Bailundo, Ecunha, Caála, Cachiungo, Londuimbale, Longonjo, Mungo, Chicala-Choloanga, Chinjenje e Ucuma.

Agora, o caminho é reerguer tudo. E já funcionam  as fábricas de colchões, de tijolos, confecções , mobiliário - incluindo carteiras escolares-. Renasce o que já fora o 2º parque industrial do país com o avanço da Caála,  seu Pólo industrial e os 952,5 hectares aráveis.

A ideia de Norton de Matos, que criou a cidade por norma legal antes de chegarem colonos, é significativa: O caminho de ferro iria servir os parceiros do Congo para a exportação de minério e a cidade foi desenhada.

Foi Vicente Ferreira quem lhe mudou o nome para Nova Lisboa. Dizem que Norton de Matos terá pensado a cidade como centro do império; a capital de Portugal era Lisboa e, Nova Lisboa, a capital do império.

As memórias de Norton de Matos deveriam ser chamadas à colação para o ensino da nossa história. Norton foi um homem culto, com vários cursos, entre os quais de agrimensura, que terá pesado no desenho da cidade, e membro de várias maçonarias, tendo chegado ao mais elevado posto de Grão Mestre.

Quando se saturou de Salazar, num acto de irreverência, candidatou-se à presidência da república. Assisti, na minha adolescência, à movimentação das pessoas "contra a situação” organizarem uma comissão eleitoral chefiada por gente ligada à maçonaria.

Meu pai, filho de um maçon fundador da loja Kuribeca, na Catumbela, meteu-se nisso e foi preso. Lembro-me de lhe ir levar o terno com comida e ficar na escadaria da polícia até que mo recebessem.

Por causa de Norton de Matos, seguiu-se a irreverência de Humberto Delgado, o general que Salazar mandou assassinar…e em Benguela, mesmo com as falcatruas todas, Delgado ganhou.

Em Portugal, durante vinte anos, fui ao "Congresso Correntes Descritas” onde encontrei sempre a académica argentina Cristina Norton e ia com ela às escolas ensinar escrita criativa.

Um dia apareceu o marido, neto de Norton de Matos e passámos a conversar sobre Nova Lisboa, já regressada ao nome de Huambo.

Como ensinar às crianças quando perguntarem quem inventou a nossa cidade? Foi Norton de Matos, para os colonos. Depois ficou para nós. Então, ele faz parte da nossa história. Sim, é verdade. Então porque é que tiraram a estátua dele sem deitarmos abaixo a cidade que ele fez e hoje é nossa?

"Olha, nós é que, nas guerras entre angolanos, em vez de conversarmos, partimos quase tudo. A Casa Branca em ruínas é um exemplo. Um doido que mandou queimar mulheres vivas e partir a linha do comboio é outro exemplo.”

No Huambo há a Universidade Eduardo dos Santos, o Instituto Superior de Ciências da Educação, o Instituto Superior Politécnico de Humanidades e Tecnologias (SUPE-EKUIKUI II), o Instituto Lusíada, que ensina direito.

Tenho na gaveta um livro intitulado "Estátuas”, mas muita gente não sabe que o cambuta francês, Napoleão, resolveu invadir tudo e todos, incluindo Portugal, obrigando o rei a pirar-se para o Brasil.

Napoleão, por onde passou, pilhou arte e depois fez o célebre Museu do Louvre. Se o  ochimuno tivesse passado por aqui teria levado a estátua de Norton de Matos, que hoje estaria no Museu do Louvre…

Esta questão de Norton de Matos deve merecer uma ponderação epistemológica. Hoje, os antropólogos modernos, incluindo os africanos, pensam as antropologias do sul, eliminam a linha abissal, só o norte é que pensava.

Agora, acabou a linha abissal, o respeito pelos saberes universais, exactamente para uma ecologia dos saberes onde as antropologias do sul dialogam com o norte em pé de igualdade. Tenho informação de que o ensino superior no nosso Huambo é meritório e cada vez será melhor.

Sabem, durante a minha estadia na minha terra, nem sequer fui ver a estação do comboio. Antigamente, quando passava o comboio mala, de passageiros, pagava-se um angolar, aquela nota verde com um boi, para entrar na estação e ver as chegadas e partidas. Isso aconteceu porque fiquei de assédio noites e noites, com a suíte cheia de gente para conversar.

Agora vou parar, alugar um cupapata, tomar um quentex e comer torresmos na Casa Lupuca.

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