Política

João Lourenço: “Não há golpes de Estado que possam ser considerados bons, menos maus ou toleráveis”

Ao fim da tarde de sábado, o Presidente da República de Angola usou da palavra na sessão plenária da Conferência Cimeira anual de Chefes de Estado e de Governo da União Africana. O discurso de João Lourenço foi, essencialmente, um balanço da actividade que desenvolveu desde que foi eleito Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África, em Maio de 2022.

18/02/2024  Última atualização 08H30
© Fotografia por: Foto CIPRA

Senhor Presidente,

Excelências,

Permitam-me começar por felicitar a eleição de Sua Excelência Presidente Mohamed Ould Ghazouani, para a função de Presidente em Exercício da União Africana, porquanto estou convencido de que a nossa organização vai beneficiar, no decurso do seu mandato, do seu dinamismo e dedicação às grandes causas de África, do desenvolvimento e consolidação da democracia, da paz, da estabilidade e da segurança do nosso continente.

Desejo-lhe bom trabalho e muito sucesso, e coloco-me, na minha qualidade de Presidente da República de Angola e de 1º Vice-Presidente da Mesa da Assembleia, à sua disposição contribuindo para o bom desempenho e o êxito da sua missão.

Felicito Sua Excelência, o Presidente Azali Assoumani pela forma assertiva e empenhada como dirigiu a União Africana, num período crítico e recheado de incertezas, decorrentes das crises de segurança que o mundo está a viver.

Estou convencido de que o trabalho desenvolvido durante o ano de 2023 será crucial para que possamos dar passos importantes rumo ao crescimento da nossa organização e ao desenvolvimento do continente africano.

Permitam-me, Excelências, que felicite o senhor Embaixador Bankole Adeoye, Comissário para os Assuntos Políticos, Paz e Segurança da Comissão da União Africana, pela excelente apresentação dos relatórios sobre as actividades do Conselho de Paz e Segurança, e destaque a esclarecedora abordagem sobre as ameaças comuns que entravam a paz e segurança em África, que devem merecer a atenção e acção imediata dos Estados-membros para a sua resolução, bem como sobre os desafios e oportunidades existentes para a consecução dos objectivos da Agenda 2063 da União Africana.

Os temas que estes relatórios abordam têm constituído uma das grandes prioridades das reuniões cimeiras da nossa organização, por fazerem parte de um conjunto de preocupações constantes dos nossos países e da União Africana em geral, por estarmos todos conscientes de que se não formos capazes de resolver as questões da paz e segurança em África, muito dificilmente conseguiremos solucionar os problemas que se prendem com o progresso e o desenvolvimento económico e social do nosso continente.

É nesta base que, no âmbito do meu mandato como Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África, dediquei esforços na coordenação e colaboração de várias iniciativas sub-regionais, regionais e a nível do continente, com vista a contribuir para a prevenção, gestão e resolução pacífica dos conflitos prevalecentes, particularmente, na Região dos Grandes Lagos, onde persiste a tensão entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, o conflito na RCA, no Sudão e no Sudão do Sul.

Durante o ano de 2023, realizámos duas Mini-Cimeiras com o objectivo de harmonizar e assegurar a coordenação regular dos processos de Luanda e Nairobi e reforçar a necessidade de se implementar o Plano de Acção Conjunto sobre a Resolução da Crise de Segurança na região Leste da RDC, para atenuar o clima de tensão e normalizar as relações político-diplomáticas entre a RDC e o Ruanda.

As Mini-Cimeiras colocaram, ainda, em destaque aspectos importantes como a cessação das hostilidades na referida região, a necessidade do desdobramento pleno das Forças da CAO e da SADC, o acantonamento e desarmamento do M-23 para garantir o regresso dos refugiados às zonas de origem, bem como a execução célere do Plano de Acção Conjunto para a Resolução da Crise de Segurança na referida região.

Importa realçar que a República de Angola preparou um contingente militar das Forças Armadas Angolanas com o objectivo de assegurar as áreas de acantonamento do M-23 imediatamente após o cessar-fogo, processo que lamentavelmente nunca se realizou.

Paralelamente, devo sublinhar que o desdobramento da Missão da SADC na RDC (SAMIRDC), em harmonia com a decisão dos Chefes de Estado e de Governo daquela organização, visando, igualmente, apoiar o Governo da RDC nos esforços de pacificação no Leste daquele país, já teve o seu início com o envio de efectivos do Exército sul-africano para o terreno.

Destaco, igualmente a criação do Mecanismo Quadripartido para a Paz na RDC, integrado pela Comunidade da África Oriental, a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), sob os auspícios da União Africana, evento que teve lugar durante a Cimeira Quadripartida de Luanda de 27 de Junho de 2023, com o objectivo de coordenar e harmonizar as iniciativas de paz na Região Leste da RDC.

Não obstante tudo isso, constatamos o agravamento da situação no Leste da RDC, com a tentativa de ocupação por parte do M-23 de novas áreas naquela região, em violação clara ao que foi estabelecido nos processos de Luanda e de Nairobi, destruindo todos os esforços e iniciativas desenvolvidas nos últimos anos.

Por este facto, tomámos a iniciativa de realizar, ontem, aqui em Adis Abeba, uma Mini-Cimeira com o objectivo de se relançarem as bases para o restabelecimento dos compromissos assumidos anteriormente.

Relativamente à República do Sudão, a Mini-Cimeira realizada em Junho de 2023,  em Luanda (Angola), recomendou a reactivação do processo de paz da União Africana, o da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) e outras organizações sub-regionais, tendo sido enfatizada a necessidade de liderança africana e coordenação dos esforços com as autoridades sudanesas, para o fim do conflito e o início de acções visando a transição pacífica e democrática por via de um processo político inclusivo.

Contudo, apesar dos esforços empreendidos para a resolução deste conflito, não se efectivaram as recomendações acima referidas, facto que retarda a realização da transição do governo militar, para um governo civil e a implementação do processo de paz.

Relativamente à República Centro Africana, em Outubro de 2023 o Comité Estratégico de Supervisão do Processo Político para a Paz neste país fez uma avaliação do processo, verificando os progressos significativos obtidos na implementação do Acordo de Paz, com destaque para o facto de se ter registado a apropriação nacional do Acordo e o cumprimento de algumas tarefas dos seis eixos constantes no roteiro, nomeadamente o engajamento com os líderes dos Grupos Armados, o Cessar- Fogo, o Programa DDR, a Reforma no Sector da Segurança, o Controlo de Fronteiras e o Processo Político.

Devemos realçar o progresso assinalável registado no combate ao terrorismo e ao extremismo violento na província do Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, graças à solidariedade e ao esforço concertado dos países da SADC, com o desdobramento de uma missão regional SAMIM no terreno desde 2021.

Tendo em conta os bons resultados obtidos, a Missão está a preparar-se para a sua retirada gradual, enquanto decorre um processo de formação, treinamento e reforço da capacidade combativa dos efectivos das forças de defesa e segurança moçambicanas.

Senhor Presidente

Excelências,

 Apesar dos passos positivos que têm sido dados no sentido da pacificação total do continente africano, devo continuar a manifestar a nossa preocupação com o facto de, ainda, prevalecerem no continente vários conflitos com origem em causas diversas, que perturbam seriamente a vida das populações, afectam e fragilizam os países em que se desenrolam.

Gostaria de destacar os acontecimentos que se registam no Sudão do Sul, na Líbia e na Somália, em cujo âmbito se vão desenvolvendo iniciativas de grande realce ao nível das Comunidades Económicas e Mecanismos Regionais, com o fim de se pôr em marcha a conjugação de esforços genuínos, principalmente dos países das regiões em que se desenrolam, para se encontrarem os melhores caminhos para a sua resolução.

A União Africana deve continuar a trabalhar por todos os meios para o mais rápido restabelecimento da normalidade democrática no Mali, no Burquina Faso, no Níger, na Guiné e, mais recentemente, no Gabão.

É importante não sermos tolerantes com os Governos constituídos na base de mudanças inconstitucionais, tal como postula a resolução saída da 16ª Assembleia Extraordinária dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana de Malabo, pelas consequências dramáticas para as populações, economias e de um modo geral para a vida normal das sociedades afectadas por este problema.

Não há golpes de Estado que possam ser considerados bons, menos maus ou toleráveis, já que todos eles atentam gravemente contra os princípios defendidos pela União Africana, a Constituição e a Lei dos Estados membros, facto que constitui um retrocesso para África.

O Governo da República de Angola, a União Africana e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizaram, de 22 a 24 de Novembro de 2023, em Luanda, a 3.ª Edição do Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz e Não-Violência – "Bienal de Luanda”, sob o tema "Educação, Cultura de Paz e Cidadania Africana como Ferramentas para o Desenvolvimento do Continente”, com o objectivo de promover a paz, prevenir a violência, fomentar a resolução pacífica de conflitos e o incentivo ao intercâmbio cultural em África e ao diálogo intergeracional por um lado.

Por outro, no âmbito da implementação das atribuições do Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação e das acções do Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz e Não-Violência "Bienal de Luanda”, foi realizado em Luanda, nos dias 25 e 26 de Maio de 2023, o 1.º Fórum Internacional da Mulher para a Paz e Democracia, sob o lema "A Inovação Tecnológica como Ferramenta para o Alcance da Segurança Alimentar e Combate à Seca no Continente Africano”.

Este Fórum visou promover acções conducentes à paz e reconciliação continental, tendo no centro a liderança da Mulher, no processo de manutenção da paz e consolidação da democracia.

Muitos esforços foram empreendidos para a resolução pragmática dos conflitos em África, mas a realidade mostra que ainda temos que trabalhar aturadamente para o alcance do grande projecto que consiste em "Silenciar as Armas em África” até 2030 e da 4ª aspiração da Agenda 2063 que visa à construção de "Uma África em Paz e Segura”.

A África venceu o colonialismo, venceu o Apartheid e vencerá também o terrorismo e as mudanças inconstitucionais!

Muito obrigado pela Vossa atenção.

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