Entrevista

Diocese de Benguela quer reabilitar escola para a formação de leigos cristãos

A Diocese de Benguela tem em vista reabilitação da Escola dos Evangelistas para a formação de leigos cristão, revelou o bispo local, Dom António Jaca. Em entrevista ao Jornal de Angola, para fazer o balanço do que foi o ano de 2022, o prelado católico admitiu que a Igreja precisa de muita coisa, como de mais sacerdotes e agentes pastorais, pelo que há a necessidade de que a formação de leigos cristãos continue. Um primeiro passo, segundo o bispo, vai passar pela reabilitação da Escola dos Evangelistas e encontrar um formato que se adeque aos tempos novos.

09/01/2023  Última atualização 09H21
© Fotografia por: DR

Faleceu, recentemente, o Papa emérito. Que referências tem do pontificado dele?

O Papa emérito, Bento XVI, foi personalidade da Igreja Católica que dedicou as suas orações pelo amor, espalhou a sua fé com carinho para os crentes. Infelizmente, perante a morte, nada somos e nada podemos fazer; deixemos tudo nas mãos de Cristo. Os fiéis católicos, em particular, tinham uma admiração pela capacidade de Bento VXI em promover o diálogo como meio para superar qualquer conflito. Sentimos nos nossos corações muita gratidão, gratidão a Deus por o ter doado à Igreja e ao mundo, e gratidão a ele por todo o bem que conseguiu e, acima de tudo, pelo seu testemunho de fé e oração, especialmente nestes últimos anos de vida aposentada.

No ano recém-terminado, a Diocese de Benguela teve muitas realizações com forte impacto no seio dos fiéis, a começar pela consagração episcopal do bispo auxiliar, Dom Estévão Binga.

 É um momento histórico para a diocese?

É, acima de tudo, uma bênção! D. Estévão Binga é o primeiro bispo auxiliar da história da Diocese de Benguela, nomeado pelo Papa Francisco. É uma demonstração de firmeza, crescimento e estabilidade da Igreja. Acima de tudo, é um ano de graça. Penso que vivemos um prolongamento do nosso ano jubilar como semente extraordinária a nível da nossa Diocese, portanto, um tempo, de graça. Realizamos visitas pastorais em todas as comunidades paroquiais, tivemos a ocasião de reencontrar as comunidades e não tivemos entraves na nossa acção pastoral. Tivemos alegria de ordenação sacerdotal de jubileus e vidas religiosas, de profissão religiosa, de muitos matrimónios. Tivemos a administração do sacramento de confirmação a centenas e centenas de jovens e adultos na nossa diocese. Temos um grande número de seminaristas religiosos e diocesanos, mais de 500 jovens, e tivemos a graça da ordenação episcopal do Senhor Dom Estévão. Acolhemos os bispos da CEAST que vieram para vários encontros. Portanto, foi um ano de graça e a todos os níveis positivo, no sentido em que a nossa comunidade cristã cresceu. Tivemos a criação de 15 paróquias neste ano, é um número grande. Quer dizer que as nossas paróquias crescem, o número de cristãos aumenta e há necessidade de fazer que todas elas sejam mais bem assistidas, fazendo novas paróquias e penso que a possibilidade de serem providas com sacerdotes é muito boa. Não temos nenhuma paróquia sem presença de sacerdotes, mas temos, sim, paróquias sem a presença de religiosos…

 

E o que dizer em termos de movimentos apostólicos?

Tivemos a oportunidade de encontrar, nas nossas visitas pastorais, vários movimentos apostólicos, a Fraternidade, ligada às congregações, a Promaica, a Legião de Maria, os grupos ligados ao apostolado de oração em infância missionária, movimentos ligados à rede de oração pelo Papa, movimentos apostólicos e grupos de jovens em actividade. Pelo que me têm dado a ver nas nossas visitas pastorais, as nossas paróquias estão fortes, estão bem, mas temos de crescer. O número de cristãos deve também corresponder à qualidade de vida cristã. Creio que ainda haja um caminho longo por percorrer no sentido de fazer com que as famílias cresçam também naquilo que é o sacramento. No cômputo, podemos dizer que foi um ano abençoado.

 

Diante destas realizações a que faz referência, ainda sente que a Igreja precisa de alguma coisa?

Precisamos de muita coisa; mais sacerdotes e agentes pastorais. Tivemos um encontro extraordinário com os evangelistas e vimos a necessidade de fazer com que a formação de leigos cristãos continue. A formação de catequistas de leigos, no sentido de assumirem com maior responsabilidade maior formação, maior competência as actividades que têm de levar a cabo enquanto catequistas, estes que muito bem fazem à Igreja Diocesana. Portanto, temos em vista reabilitação da Escola dos Evangelistas e encontrar um formato que se adeque aos tempos novos para fazer com que continuemos a formação de leigos cristãos. Há necessidade de prover as nossas paróquias de religiosos e religiosas. A nossa diocese tem poucos religiosos, do género masculino sobretudo. Os carismas da Igreja devem estar presentes na nossa diocese para que façamos mais apelos às mais congregações religiosas.

 

Neste processo são chamados sobretudo os jovens…

Há a necessidade de continuar a dotar os jovens de boa formação. Os jovens reclamam do acompanhamento deficitário por parte dos agentes pastorais, mas também precisam de uma formação maior, pois que os adultos poderiam acompanhar os jovens uma vez que os sacerdotes não podem estar em todo a lado, nem a fazer tudo. Os jovens têm de assumir maior responsabilidade na Igreja Diocesana. A Dinâmica da Igreja nunca está acabada, estamos sobretudo num caminho sinodal, o que quer dizer que temos de nos habituarmos a fazer da igreja uma instituição que promova comunhão, participação e missão; este é um caminho sinodal que temos de fazer. Portanto, quer dizer que só neste aspecto, há muito a fazer no sentido em que as pessoas percebam que ela a Igreja não é propriedade do bispo, dos padres nem das religiosas, uma igreja é família de Deus, onde todos têm uma palavra a dizer, uma responsabilidade a assumir. Logo, é uma igreja sinodal que caminha para comunhão onde todos temos algo a fazer e levar todos a participar. Temos um desafio muito grande a nível administrativo-financeiro de dar às nossas comunidades autonomia.

 

Este trabalho já está a ser feito?

É um processo. Estamos a recordar aos fiéis a necessidade das nossas paróquias estarem bem, do ponto de vista administrativo-organizativo. Isto é um serviço que deve ser confiado fundamentalmente aos leigos cristãos que devem ser peritos em Administração. Não podemos pensar que os sacerdotes podem fazer tudo na paróquia. Há a necessidade de uma participação maior dos leigos. No campo da Administração, temos um caminho a percorrer. Os conselhos económicos das nossas paróquias devem funcionar, não de forma aparente, mas de verdade; assumir o seu verdadeiro papel de gestor das paróquias. Portanto, só neste pequeno particular da Administração, temos um longo caminho a percorrer. temos muito por fazer. Desde casas paroquiais a paróquias por reabilitar; temos, diante de nós, muito trabalho. Assim, creio que nunca se pode dizer está tudo feito.

  Nas movimentações feitas durante o ano, esteve várias vezes no interior da província. Que igreja encontrou?

A nível do interior da nossa Diocese temos comunidades muito vivas. Infelizmente, pensamos que temos muitos padres e não temos. As nossas comunidades no interior sofrem de má presença dos sacerdotes do ponto de vista da extensão do território do número dos seus habitantes, é difícil citar. Damos um exemplo, sobre a comunidade da Yambala, no município do Cubal que tem mais de 40 centros.

 É realmente difícil para dois ou três sacerdotes visitarem todas estas comunidades. Temos algumas que se tiverem missa uma vez por mês, já é muito. Não têm porque não há sacerdotes. Não consegui ainda visitar todos os centros e catequeses quando vou ao interior, é quase impossível, mas essas comunidades também têm direito a uma visita pastoral. Estão afastadas da sede da paróquia, da missão, regra geral vêm a missão para visita pastoral do bispo ou do sacerdote, mas é necessário nós irmos, também, ao encontro destas comunidades. Aí temos muito trabalho por fazer.

 Também é um processo já avançado na divisão da Diocese,  e isso vai persistir por muito tempo porque as comunidades rurais estão muito afastadas umas das outras, mas é importante que elas sejam bem assistidas pela pastoral. Graças a Deus temos os catequistas que mantêm essas comunidades vivas. Mas elas necessitam também de eucaristia. Nós também não conseguimos servir a Diocese no seu todo tendo a eucaristia dominical por todas as comunidades. Agradecemos os catequistas, evangelistas que na ausência do sacerdote mantêm essas comunidades com celebrações ou cultos dominicais. Mas, é verdade que nós aqui estamos na cidade,  as nossas paróquias têm missas diárias, mas no interior não, onde a realidade é muito diferente.

"Temos de deixar de ver o Estado como o único que deve dar soluções a todos os problemas”

Na homília do dia 25 de Dezembro, na Sé Catedral, o Senhor bispo disse que o Natal vem, de certa forma, romper com todas as formas de "guerra” e implantar a paz e a justiça. Pode sustentar a afirmação?

É o sonho de Deus. Quando Deus criou o mundo e fez o homem é para ser feliz e não para se guerrear. Sabe, o pecado introduzido no mundo pelo espírito do mal ou demónio é o causador de toda esta maneira de agir e de ser que Deus não quer. Portanto, o ódio faz com que as pessoas vivam uma situação de pecado permanente e pecado é afastar-se de Deus, do convívio com os irmãos, é a negação da própria essência de Deus, porque Deus é amor. Só quem ama permanece em Deus e Deus permanece nele. Então, todas as formas de violência, tudo aquilo que divide as pessoas, tudo aquilo que cria rotura nas relações entre as pessoas não é vontade de Deus. O Natal veio recrear, digamos assim. O Deus feito homem assumiu a nossa natureza mortal, carnal, pecadora para nos tornar capazes de vencer o mal. Agora temos "armas”, como  o diálogo, instrumento suficiente para vencer o mal. Temos o Espírito de Deus que nos conduz, transforma, e se o invocarmos, suplicarmos e pedirmos, certamente ajuda-nos a vencer o mal. É uma luta permanente, evidentemente, mas o mal e o ódio não têm a última palavra. Deus venceu a morte, venceu o mal e tudo aquilo que podia ser causa da desgraça do homem. E o Natal relembra-nos tudo isso, a ternura de Deus. E, portanto, Deus veio ao mundo criado por Ele para dizer novamente aos homens que devem voltar a esta amizade com Ele, isto é, a salvação que Deus nos trouxe. Já não estamos perdidos, já não estamos sob o domínio do pecado do demónio e do mal. Podemos romper essa cadeia do mal nos ancorando ao Cristo, para a nossa salvação. O Natal dá-nos essa possibilidade de voltar à amizade com Deus que foi selada na cruz. Temos agora a oportunidade de vivermos essa filiação divina. Esta é a alegria do Natal que queremos transmitir às irmãs e aos irmãos, recordando, justamente, a lógica do mal, do ódio, da violência que não se vencem com ódio, nem com a violência, mas com o amor. O amor é que vence o ódio.

 

Vamos para o capítulo social. Acompanhou, certamente, as movimentações durante o ano. Que leitura faz do ambiente político e social da província onde é pastor?

Creio que depois das eleições ainda estamos num processo muito lento de dar corpo à nova governação. Penso que ainda estamos num processo. A nossa província também é extensa desse ponto de vista. Verifiquei que foram efectuadas várias obras do ponto de vista de infra-estruturas a nível de Benguela e mais alguns municípios mas parece-me que a periferia das nossas cidades continua sem grandes mudanças. Fiquei feliz em ver uma parte da cidade de Benguela, ao menos, a ser cuidada do ponto de vista de estradas e das ruas, mas há muito a fazer a nível da periferia e nas nossas cidades. Eu tenho visitado os bairros aquando das visitas pastorais e, de facto, as condições de vida das pessoas estão muito longe de serem as mais adequadas, as mais desejadas. Ainda há problemas de energia, de água, de saneamento aliás, mesmo a nível urbano ainda é difícil a distribuição de energia. Pensamos Angola no geral e a nossa província não foge à regra; há muito trabalho a fazer para ocupar a força humana, há muita gente desempregada, há muita gente no mercado informal, portanto, há um trabalho a fazer a nível da educação, da formação profissional. Há muita gente desocupada e os jovens sobretudo. Pessoas desocupadas mais facilmente são propensas à criminalidade, mais propensas a uma vida fácil. Há um problema grande de prostituição a nível das nossas cidades, e tudo isto tem muito a ver com a miséria, com a pobreza, com a falta de recursos. Há necessidade de dar uma atenção especial e não é só tarefa dos governantes, é de toda a sociedade, dos empresários. É preciso envolvimento de toda a sociedade. Provavelmente nos habituemos à centralização dos serviços a nível do Estado e deixemos de dar ao cidadão e às instituições privadas o papel que devem desempenhar. Parece ser que o Estado é o único empregador, parece todo mundo quer estar na função pública mas creio que isto é absurdo. Têm de ser as instituições privadas a criar, a fomentar o emprego…

 

Qual é o papel do Estado?

Evidentemente, o Estado deve criar condições para que os empresários tenham capacidade e condições financeiras para poderem criar emprego, tem de haver por parte dos jovens a capacidade de ser empreendedor. Podemos fazer muito mais do que corrermos todos para a Função Pública. Tenho dito, várias vezes e inclusive aos sacerdotes que temos escolas nas nossas paróquias, temos e devemos não só continuar a construir mais escolas, mas também pôr à disposição das comunidades creches e jardins-de-infância. Temos, ao nosso nível, enquanto Igreja, possibilidades de contribuir para o auto-emprego e desenvolvimento das pessoas.

 Temos de deixar de ver o Estado como o único que dever dar soluções a todos os problemas. Ele deve criar e dar condições mas o cidadão deve também contribuir para a manutenção das estradas, para a beleza das estradas, para o saneamento básico. É uma contribuição grande do cidadão. Se o cidadão não cuidar do lixo, evidentemente teremos uma cidade suja. Portanto, penso que a situação social da nossa província deve melhorar se houver um esforço conjunto; obviamente do governo que é maior, mas também dos cidadãos, dos empresários e do mundo privado que deve contribuir. Penso que o nosso país só avançará quando deixarmos essa mentalidade de assistencialistas, de dependência e foram capazes de ser actores, e os protagonistas do nosso próprio desenvolvimento.

 Só assim sairemos da miséria e da pobreza, criando e fomentando empregos. Mas, a nível das instituições privadas há tanta coisa a fazer nesta terra que não vejo porquê as pessoas estão desempregadas!

 

O ano terminou com uma série de greves, sendo a mais sonante a dos professores. Acompanhou certamente todas estas movimentações. O que recomenda às partes?

A educação tem de ser sempre prioridade. Educação e saúde são prioridades num país, por isso é necessário valorizar o professor e o profissional da saúde, porque eles têm um papel importantíssimo naquilo que é a base do desenvolvimento.

Pessoas saudáveis têm capacidade para trabalhar e pessoas bem formadas também ajudarão no desenvolvimento do nosso país. Portanto, é preciso que nesse capítulo haja um esforço comum para garantir aos professores um salário adequado compatível com as suas necessidades e o Governo dar prioridade a estes dois sectores. Não podemos só investir em betão. As infra-estruturas são importantes, mas o homem é mais importante. Estava a dizer que o homem deve ser criador, homens formados e bem formados serão capazes de empreender. É bom termos boas estradas, autoestradas, necessitamo-las deles mas quem constrói essas auto-estradas?  Quem é que fabrica os instrumentos de trabalho? A nível do nosso país, importamos quase tudo.

Portanto, um investimento na formação do cidadão pode fazer com que estas pessoas formadas possam evidentemente formadas aqui e fora trazer conhecimentos que farão do país independente e que se produza o que se precisa aqui mesmo. Há a necessidade de se dar uma atenção especial a estes dois sectores (Saúde e Educação).

 Creio que a greve é um direito do trabalhador mas tem de ser feita sempre com moderação e sentido de dever. Há estudantes que ficaram prejudicados. Deve haver sempre um entendimento para que não se prolongue no tempo, de tal maneira que os estudantes fiquem ocupados, porque se não estiverem ocupados vão ocupar-se noutras coisas que são menos úteis, tem de haver um equilíbrio. Mas, necessariamente, penso eu, deve-se dar uma atenção muito particular aos sectores da Educação e da Saúde. O orçamento que lhes é atribuído, ainda não é suficiente, penso eu.

Que perspectivas para 2023?

Vamos dar prioridade ao sector da formação da criança. Educação cristã das crianças. Temos de voltar a nossa atenção para este sector do ponto de vista pastoral "Cuidar das crianças”. Dotar as nossas paróquias de capacidade, do ponto de vista de gestão. É necessário que tenhamos uma gestão transparente, cuidada e esperamos o concurso dos leigos nas nossas paróquias. A nível de infra-estruturas, temos obras por realizar. Vamos continuar a trabalhar na criação de mais paróquias e das condições necessárias para que a nova diocese que está a ser criada possa surgir. Penso que tem de haver uma maior e melhor colaboração e participação das instituições do Estado no que diz respeito às obras públicas. A Igreja presta serviço social muito relevante e serve o cidadão, portanto, as nossas escolas, o jardim-de-infância, os nossos lares que temos a cuidar de crianças e órfãos, temos obras sociais importantes que deviam ter por direito uma colaboração do Estado. É importante que o governo da província tenha no seu orçamento atenção a esse factor social da igreja.

Sampaio Júnior  e Pedro Tchindele | Lobito

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