Reportagem

As aspirações do Estado palestiniano

Faustino Henrique

Jornalista

Parece ser já consensual, em função da realidade no terreno, a ideia de que se esfumam, ao que tudo indica irreversivelmente, todas as expectativas de efectivação da solução dos dois Estados, relativamente ao eterno conflito israelo-palestiniano, uma visão da comunidade internacional, nos últimos 30 anos.

28/06/2023  Última atualização 06H20

E, contrariamente ao ideal de "dois povos, dois Estados”, Israel e todos os territórios, em princípio destinados ao futuro Estado palestiniano, encaminham-se para uma realidade não apenas inesperada e inevitável, mas, igualmente, insustentável e perigosa.

A noção de um Estado para os dois povos, cada vez mais, ganha contornos que se evidenciam com a política expansionista de construção em áreas da Cisjordânia, Judeia e Samaria para os judeus que, em função de Acordos passados e compromissos, que prevalecem inalterados até hoje, deverão fazer parte do futuro Estado palestiniano. Sem pressão do principal mediador, os Estados Unidos que, pelo contrário, se têm mostrado completamente subservientes ao Estado judaico, e na ausência de um papel mais actuante da União Europeia, China e ONU, a realidade no terreno joga a favor da erradicação de todas as condições para a efectivação da solução dos dois Estados.

Há dias, o Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, foi citado, pelo The Jerusalem Post, alegadamente a dizer  que ” Israel precisa de eliminar as aspirações dos palestinos a um Estado”, declarações que não surpreendem, atendendo aos vários posicionamentos que tomou no passado, independentemente de ter, também, defendido em tempos a ideia de um "Estado desmilitarizado”. Na verdade, nunca foi a favor da criação de um Estado palestiniano e, "amarrado” pelas sucessivas coligações governamentais em que os religiosos e ultra-nacionalistas tiveram sempre uma palavra a dizer, Netanyahu preferiu, constantemente, entre estar bem com a comunidade internacional, respeitando o Direito Internacional, e salvar o seu Governo, escolher a última opção. 

Em 2009, na Universidade de BarIlan, em Tel Aviv, Netanyahu tinha defendido a criação de um Estado palestiniano desmilitarizado desde que a comunidade internacional ajudasse na garantia das condições de segurança para o Estado judaico, tendo, na altura, recebido o apoio de Barack Obama.

Mas, ao longo de vários anos, a figura que mais tempo se encontra a exercer o cargo de chefe de Governo em Israel, até hoje, além dos problemas judiciais, tem sido envolvido em vários posicionamentos contraditórios, levando a enfrentar conflitos, inclusive, com homólogos.

Numa conversa privada, realizada durante a cúpula do G20 na cidade francesa de Cannes, em 2011, depois de ter sido transmitida inadvertidamente por um sistema usado para tradução, vazou para a imprensa a troca de palavras entre o então Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o antigo Presidente americano, Barack Obama, sobre o Primeiro-Ministro israelita. Na gravação, dizia Sarkozy a Obama, referindo-se a Netanyahu, que "não o posso mais voltar a ver, ele é um mentiroso" e, por sua vez, Obama respondeu a Sarkozy que "você pode estar cansado dele, mas eu tenho que lidar com ele todos os dias", facto que espelhava, naquela altura, a forma como dois líderes de países influentes pensavam sobre o "Premier” israelita.

Na edição online, de hoje, do jornal Ha´aretz, Mary Robinson, ex-Presidente da Irlanda e comissária de direitos humanos da ONU, que visitou Israel e os territórios palestinos, há dias, é mencionada a fazer uma advertência às autoridades israelitas, palestinianas e à comunidade internacional, nos seguintes termos: "a sociedade israelita está a ser corroída pelo movimento em direcção a uma realidade de um só Estado”. Ao anunciar a aprovação de milhares de construções na Cisjordânia, territórios ocupados e não reconhecidos pela comunidade internacional, esperava-se uma oposição dos principais "players”, Estados Unidos e União Europeia, pelo menos estes, que fosse consentânea com o  que sempre defenderam.

Hoje, o Departamento de Estado diz que não pretende reverter políticas por via das quais considerava ilegais os assentamentos israelitas na Cisjordânia, numa espécie de luz verde completamente inesperada e, igualmente, contraditória. Aliás, é estranho que, há anos, que nem Biden, nem Blinken, tenham deixado de usar a expressão "Estado palestiniano”.

Trata-se de uma contradição insanável que, a efectivar-se a cada dia, apenas abre caminho para que Israel "elimine, de facto, as aspirações a um Estado”, aliene os sectores moderados em ambos os lados e reserve aos palestinos o recurso legítimo à violência como saída para alcançar os seus objectivos, de curto, médio e longo prazos. Tudo isto, além de, no imediato,  a "solução de um único Estado”, ameaçar a maioria judaica que se pretende preservar à democracia em Israel, daí a insustentabilidade e perigo envolvendo as políticas ultranacionalistas do actual Governo israelita. Quando se pensava que Netanyahu iria enfrentar um duelo com Biden mais ou menos semelhante ao o primeiro que teve com Obama, tudo indica que, mais uma vez, os Estados Unidos se vão contradizer, ao defenderem o alegado compromisso com a solução dos dois Estados e capitularem perante políticas que o inviabilizam. Assim, morrem, a cada dia, as aspirações do povo palestiniano a um Estado soberano, independente e seguro, lado-a-lado com Israel, igualmente em segurança.     

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