Diz-se que constitui um gesto de fraqueza o exercício de se queixar aos entes e e organizações estrangeiros sobre os problemas da nossa terra, para depois receber como resposta a exortação óbvia segundo a qual “as soluções devem ser encontradas entre vós mesmos”, da mesma maneira como as sucessivas iniciativas externas para acabar com a guerra se comprovaram ineficazes.
Quando, em 2017, por três vezes, propus e debati com o Presidente da República, João Lourenço, sobre o país, adotar a estratégia de criação de um quadro regulatório para o sistema de pagamentos instantâneos, na verdade, não se poderia vislumbrar a rápida proliferação no surgimento de várias entidades financeiras não bancárias. Um sucesso solitário do PR que não se quis deixar para trás ao conhecer o processo no Quénia e onde Barack Obama, nas praças do povo, se sentara com os agentes do Mobile Money e sorridente concluiu: “É o futuro”.
Aprovada a lei, as direções dos bancos sentiram algum receio, nervosismo e, naturalmente conhecedores dos dados estatísticos e histórias que indicam que as fintechs são mais versáteis em trazer soluções amigas para os jovens e também para os não bancarizados, sem hesitações, trataram de entrar no jogo. Infelizmente, vingou o paradoxo em que caíram: serem bancos e fintechs de Mobile Money, simultaneamente. Com o esfriar do entusiasmo, certamente acabarão por vender essas novas valências por não fazer parte do seu core business e, no essencial, trata-se de uma problemática diferenciada.
Dou um exemplo: a capilaridade das sociedades financeiras não bancárias (Mobile Money) é baseada na criação de uma vasta rede de agentes a espalhar nas zonas dos musseques, aldeias, nos grandes aglomerados rurais e não vejo como os bancos se sentirão fora dos balcões e se terão uma acção vigorante de conquista e contratualização com os cidadãos que possam reunir as condições de agentes com quem terão de dividir as baixas comissões do processo de prestação de serviço através dos depósitos e pagamentos.
Aquando do espaço de criação da Lei 40/20, e, enquanto promotor da iniciativa, à Assembleia Nacional, enviámos a proposta que contara com o contributo de dois renomados juristas da praça, na qual defendemos que os bancos não poderiam deter mais de 10% das acções no capital das fintechs. A lógica do argumento foi simples, entendível, já que no nosso ambiente de negócios não existem fundos dedicados às fintechs que acelerem o seu crescimento, a sua inovação e essa porta semiaberta, naturalmente acabaria por potenciar as fintechs que seriam assediadas pelo afã dos bancos em entrarem no negócio. Tivemos de tirar a nossa proposta mais adequada ao contexto.
Para terem a noção da disparidade de mercados de fintechs, refiro-me ao Brasil, os dados estatísticos revelam que de 2018 a 2024, o país tropical recebera mais de 14,8 bilhões de dólares em aportes, através de centenas de rodadas de investimentos. Na América latina o volume investido revela que as fintechs constituem hoje o sector mais maduro dentro do ecossistema financeiro. Apesar da queda em 2024, situada nos Usd 1,03 bilhões, foi o sector que mais captou investimentos que tornam as suas fintechs muito promissoras.
O segundo "vale da morte” das nossas fintetchs deve ocorrer no ano de 2028, momento em que teremos de lidar com os fatais oito anos de existência, o que torna urgente que o Executivo possa, desde já, criar um Fundo De Apoio às Novas Tecnologias de Inclusão Financeira, com valores que atenuem os inevitáveis efeitos de falta de rodadas de investimentos, verbas que garantam as iniciativas de inovações, serviços de Integrações, actualizações de softwares, fixação de talentos e que, nesse período amarelo, que seja muito mais salutar o surgimento de um forte mercado de fundos e com rodadas animadas pelos grandes grupos nacionais e estrangeiros que se interessem pelo negócio das startups.
E como as fintechs devem estar sempre num ambiente de inovação que se traduza em oferecerem novos e ousados serviços mais adequadas as necessidades dos cidadãos, e, porque em África essa ambição deve ser fulcral porque temos um forte universo de cidadãos excluídos dos serviços financeiros, média situada nos 60% da população do continente, e porque em todos os relatórios, também como causa, dizem, temos uma banca distante, selectiva, cara, burocrática. Eis que no nosso contexto do país com igual número estatístico de gente fora do sistema tradicional bancário, a plataforma AkiPaga, da Kwattel, acaba de entrar no "mundo das remessas”, um acordo histórico que permite cobrir mais de noventa países de distintos continentes, uma área virgem que tem tudo por se fazer.
Deparamo-nos, todos os dias, com cidadãos da classe média e baixa que têm os seus filhos a estudar na África do Sul, Namíbia, Quénia, Tanzânia, Marrocos e Portugal, França e Brasil, só para citar esses. As famílias, nessa condição, reconhecem que só as kinguilas lhes podem oferecer essa oportunidade de compra de cem ou quinhentos dólares, naturalmente com grandes custos especulativos, também de risco, mas fáceis de obterem enquanto simples cidadãos à procura de soluções que os bancos não lhes podem oferecer.
É do conhecimento geral que são esses parcos valores em divisas que têm servido para que as famílias não deixem de pagar as propinas dos seus filhos, ou usados para questões de saúde, compra de livros didáticos e, no contexto interno, utilizados para compra de uma peça para as oficinas, ou de produtos e fardos para revenda no mercado do bairro, com o intuito de aumentarem as suas rendas, o que melhora as condições sociais.
Nasce em Angola a primeira fintech que tem como comparação a Western Union, Resulut e MoneyGram, a primeira já no mercado em Angola. A nova solução, segue a matriz usada em outros países africanos e asiáticos, soluções com taxas mais amigas das poupanças das famílias, em virtude de não agregarem os custos altos dos bancos. Na Africa do Sul, por exemplo, o custo de enviar dinheiro é de 14,6% do valor total enviado que o torna no valor mais alto do mundo, de acordo com o FMI.
Quando mergulhamos nos estudos comparativos das remessas e trazendo o exemplo da oitava potência mundial, o Brasil, compreendemos que aí vigora a tríade de serviços: de um lado e mais tradicional, os bancos; de um outro lado, com grande presença física, as Casas de Câmbio; e, no mundo digital, as fintechs, mais operacionais, porque através de uma simples App o cidadão recebe ou faz o envio da sua remessa. Notamos também que é através das fintechs que os imigrantes preferem fazer o envio dos seus sacrifícios de trabalho nos países que os acolhera.
A exclusão financeira tem os seus dias contados.
*Escritor
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