A vandalização de bens públicos tomou contornos alarmantes. Quase todas as semanas, são reportados casos do género.Bens ou infra-estruturas que consumiram avultadas somas em dinheiro para serem construídos, são destruídos, quer para a busca fácil de dinheiro, quer por pura maldade. Os sectores da Energia e Águas, Transportes, Telecomunicações, Saúde e Educação têm sido os principais alvos.
Os sistemas educativos contemporâneos continuam com problemas para garantir que todas as crianças e jovens possam ter acesso a uma educação e formação que lhes permitam integrar-se plenamente nas sociedades.
Caxito, a capital do Bengo, não é só uma cidade de contrastes. A urbe está comprometida com um ritmo e cadência de vida próprios; histórias que moldam os habitantes a respeitar a natureza, a conviver com um passado de mitos e feitos, colocando, desta feita, alicerces na edificação de uma sociedade com os olhos postos no futuro.
As tradições, como sempre, fazem parte das lides diárias. Aqui vale o respeito pelo pacote histórico, dá-se importância e valor aos conselhos dos mais velhos. A toponímia da cidade tem particularidades, já que preza nomes de símbolos, valentia e contornos sociais que durante décadas suportaram migrações e preservaram um misto intercultural.
Em Caxito, onde a temperatura queima no dia-a-dia, vem de longe a transmissão de conhecimentos e pedaços de histórias passadas de boca em boca e que apetrecham gerações. Há relatos esquecidos. Outros ultrapassados pelo tempo. Entretanto, um mantém-se e teima em continuar: a lenda do jacaré bangão. Mito de resistência aos invasores que nos impuseram a escravidão, o colonialismo e ainda o imposto indígena.
O jacaré bangão tem direito de cidadania. Conquistou-o. Hoje, mantém as honras em momentos de grande exaltação. É porta-estandarte e símbolo de ondas hertzianas que percorrem o mundo, a Sintonia Ngandu. Por ora, salvo informação em contrário, tem direito a estátua em pedestal bem visível e apropriado para imagens de sonho, fotos e filmes, que os vão legar à posteridade.
O artefacto de betão, a estátua do jacaré, hoje anda pelas bocas do mundo. De algum tempo a esta parte, alguma euforia visando maior visibilidade e atenção, num simples capricho mudou-a do lugar original para o bairro Sassa Povoação, precisamente no triângulo que dá às Mabubas e ao açude.
O efeito da mudança foi de pouca monta. O impacto diminuto. Não houve romarias, antes críticas e muxoxos de gente antiga, num gesto de reprovação. Uma vez mais, defensores oficiosos,supostamente convincentes,estavam apetrechados de fracos argumentos para sustentar a opção.
Hoje, há uma corrente, modelo de massa crítica, que pede o retorno do jacaré de betão armado à procedência, no ponto de encontro entre as localidades de Porto Quipiri e Kinjanda, a escassos metros da antiga ponte destruída aquando das escaramuças pós-eleitorais de 1992 e substituída por outra metálica, hoje em desuso.
As razões do manifesto popular prendem-se com a falta de notoriedade do monumento, ao passo que o antigo local ainda é bastante concorrido e frequentado por turistas que, há muitos anos, se fazem ao Museu da Tentativa, localizado nos arredores. A área corresponde a uma mata tropical de árvores e arbustos nas margens do rio Dande. Os apreciadores de maruvo fresco fazem, igualmente, recurso à rota que dá às lagoas da Ibêndua, Úlua e Cabungo.
Jacaré dividido em dois
A história do jacaré e do seu gesto administrativo continua a dividir aficcionados e críticos na urbe. Uns juram, a pés juntos, que o facto foi verídico e defendem, em termos ferrenhos, que não se repete porque não há necessidade para tanto. "Hoje não há invasores estrangeiros, nem colonizadores”.
Os críticos da lenda comparam-na a uma peça de teatro. Donde sobressai aversão de um homem destemido, rabugento, de poucas falas, cuja alcunha era Jacaré, que fazia furor entre a população, de tão estranho o seu modo de agir, dominando o caudal do rio de lés a lés, todo envolto num secretismo sem igual. Vivia nas margens do rio, sem contactos. Certa vez, usando do seu poder e misticismo, partiu para a Administração colonial com o dinheiro do imposto indígena.
Ainda assim, em defesa do rigor e da autenticidade, numa clara avaliação dos factos, os críticos posicionam-se no direito de saber o local exacto onde o jacaré ou o suposto senhor Jacaré cumpriu com o acto administrativo. Querem igualmente saber de testemunhas, datas, recibos e rota utilizada.
Enquanto o debate não invade a academia para outros entretantos; enquanto a literatura mantém-se sem tinta para a impressão de livros afins; os músicos eternizam o facto com belas músicas e canções populares.
A realidade, no entanto, choca com outra verdade. Os jacarés, supostos descendentes daquele que foi ao guiché, hoje reivindicam espaço e reconhecimento das suas potencialidades enquanto predadores. Há exemplares que fazem rota no curso de água entre as localidades do Surilo e Capunga, onde passeiam agressividade, que já causou vítimas.
Há relatos que apontam para um povoamento das zonas ribeirinhas para a desova e outras acções visando a caça ao homem. A chamada de atenção vai para pais e adultos que devem redobrar cuidados e vigilância para ultrapassar as intenções da fauna bravia, no caso os jacarés, sempre à espreita para mais um ataque.
A presença de jacarés nos rios e lagoas aguça a curiosidade dos visitantes, que aguardam a oportunidade de ver um exemplar, algo raro, porque não há sequer jardins zoológicos para as encomendas e está longe a cultura de criá-los em viveiros para diferentes fins.
Lubango, na cordilheira da Chela, à Senhora do Monte, tem um restaurante rústico que apresenta variedades do anfíbio, e, inclusive, serve suculentos bifes. Pelas bandas do Cacuaco o jacaré faz das suas na boca do rio, à localidade da Barra do Bengo, onde algumas espécies isoladas atacam os banhistas. O Bengo tem o direito de manter-se fiel ao seu símbolo mais emblemático, o jacaré bangão. Idolatrando-o, colocando-o num pedestal para que se mostre aos olhos do mundo. Afinal, sempre pagou o imposto.
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