Reportagem

Altas temperaturas levam milhares às praias de Luanda

Engrácia Francisco

Jornalista

Aproximadamente dez mil cidadãos frequentam, durante os finais de semana, as praias da Ilha de Luanda, em consequência das altas temperaturas registadas nos últimos dias.

21/03/2024  Última atualização 12H11
O número de banhistas aumentou consideravelmente, nos últimos tempos, sobretudo, aos sábados e domingos, o que leva os Bombeiros a redobrar a vigilância © Fotografia por: Joao Gomes | Edições Novembro
Eram 10 horas da manhã de sábado, quando a equipa do Jornal de Angola chegou a uma das praias da Ilha de Luanda. O local estava cheio, com cidadãos provenientes de vários pontos da capital, uns, em companhia da família e outros, sozinhos, partilhavam o mesmo local para o lazer. 

Devido à dificuldade de táxi, muitos andavam a pé, a maioria, jovens. À beira mar, viam-se as sombrinhas e cadeiras para aluguer dos banhistas. O preço varia entre 1.500 e 2.000 kwanzas, cada, durante todo o dia.

Na praia adjacente à Marinha de Guerra, encontrámos André Filipe, morador e comerciante da Ilha de Luanda, que confirmou que o número de banhistas aumentou, consideravelmente, nos últimos tempos, sobretudo, aos sábados e domingos. Por hoje, ressaltou, a Ilha tem estado cheia, inclusive nos dias de semana, o que não era habitual. "Agora estamos como no Brasil, onde todos os dias as pessoas vão à praia", frisou.

O comerciante adiantou que, durante os dias de semana, muitos estudantes, adolescentes e não só, têm o local como refúgio para aliviar o calor. Por outro lado, as famílias levam, igualmente, parentes menores de idade para usufruírem da natureza. Por conta disso, André Filipe, de 50 anos, considera importante que se redobre o cuidado e se aumente o número de nadadores-salvadores ao longo das praias. "Em algumas zonas, não temos salva-vidas e acaba por ser perigoso, principalmente nesta fase em que o número de banhistas aumentou", recomendou.

Filipa Paim, de 28 anos, banhista, residente no Distrito Urbano do Zango, concretamente no condomínio Vida Pacífica, conta que o sol abrasador motivou-a a deslocar-se à praia, juntamente com a família. "O calor fez-nos sair de longe para aproveitar o mar", disse. Com o bebé da sobrinha de meses ao colo, Filipa cuidava dos pertences da família, enquanto os restantes membros nadavam. A jovem sugeriu que se colocassem mais nadadores salva-vidas, de forma a garantir maior segurança aos banhistas.

Mário Gerdel, de 24 anos, na companhia de cinco amigos, também aproveitou o calor intenso para dar um mergulho na praia. Residentes no Projecto Nova Vida, no Kilamba Kiaxi, os jovens afirmaram que, fruto do processo de sensibilização dos efectivos dos Bombeiros, observaram as medidas de segurança.


João Afonso, director -geral do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica


INAMET reconhece ligeiro aumento das temperaturas

O director-geral do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Angola (INAMET), João Afonso, afirmou que, nos últimos dias, os termómetros têm registado um ligeiro aumento das temperaturas, comparando com o verão passado. "Neste período, observámos um padrão dinâmico que favorece a entrada de massas de ar mais quente", disse.

Este facto, avançou, dá-se, por um lado, na medida em que a inclusão de um sistema frontal no Sul da África Austral facilitou a formação de uma baixa pressão térmica, associada a temperaturas altas, no litoral noroeste de Angola.

Outro factor, acrescentou, são as altas temperaturas da superfície do oceano, no litoral do país, o que favorece o índice térmico para a região de Luanda, Bengo, Zaire e parte do Cuanza-Sul. Actualmente, ressaltou, a província do Cunene é a mais quente a nível do país.

Sobre a previsão da temperatura para os próximos dias, João Afonso referiu que o INAMET realiza previsões diárias, num período equivalente a 24 horas. "Em termos de precipitação pluviométrica, conseguimos fazer uma abordagem numa escala de dez dias para frente, mas, quanto às temperaturas, temos apenas previsões diárias", declarou.

Em relação às altas temperaturas que se registam nos últimos dias, referiu, são característica desta época do ano, em que há o máximo da radiação solar e, consequentemente, o aumento das temperaturas em termos de calor. "De acordo com a previsão sazonal, estamos próximo do Outono, a  tendência é diminuir a temperatura em função da mudança temporal, por isso, os próximos tempos serão melhores", avançou. Actualmente, as temperaturas, em Luanda, variam entre 25 e 32 graus centígrados.

Plantação de árvores é uma das soluções

O especialista em Meteorologia Agrária e Alterações Climáticas Luís Constantino disse que, nos dias de hoje, as causas antropogénicas têm maior impacto nas alterações climáticas, que exacerbam o aquecimento global.

O também ambientalista recomenda que, em dias de temperaturas muito altas, se evite o mau manuseamento das florestas (atear fogo), o desmatamento e outras acções que aceleram o aquecimento global.

Para o ambientalista, as cidades, bairros, ruas e quintais arborizados podem ser uma solução para mitigar os efeitos das altas temperaturas. "A plantação de árvores é recomendável neste novo cenário climático que vivemos, pois  elas também desempenham o papel de amenizador da temperatura", disse. Luís Constantino ressaltou que as altas temperaturas são resultado do fenómeno climático denominado El Niño. "O El Niño, caracterizado pelo enfraquecimento dos ventos alísios (ventos que sopram regularmente sobre extensas regiões do globo) que sopram do Leste para Oeste, nas regiões tropicais e subtropicais, e o aquecimento acima do normal do Oceano Pacífico, influencia drasticamente o clima global, levando a variações extremas nas condições climáticas", explicou.

Quantidade de água consumida

A médica nutricionista Lucira Guedes explicou que, nesta fase, em que se regista um aquecimento acima do normal, é importante ter em atenção a quantidade de água que se consome. De acordo com a especialista, à quantidade de água a consumir deve estar relacionada com a idade, biotipo ou o nível de massa muscular do indivíduo.

As crianças de um a três anos de idade, aclarou, devem beber até um litro de água por dia. Ao passo que, dos cinco aos dez anos, devem ingerir de um litro e meio a dois litros.  Os adolescentes, acrescentou, devem tomar de dois a dois litros e meio e os adultos, de dois e meio a três litros de água.

"Na maior parte das vezes, consumimos menos água durante o dia do que deveríamos e, com esse aquecimento, a tendência é entrarmos para um quadro de desidratação", alertou.

De acordo com a especialista, os sintomas da desidratação são a tontura, mal-estar, cãibras, cefaléia, dor de cabeça e fraqueza. Nos casos mais graves, frisou, o paciente pode apresentar problemas respiratórios, problemas da pele e outros.

Para a médica nutricionista, nesta época, é importante que o cidadão se hidrate correctamente, para evitar possíveis problemas de saúde.

"Devemos consumir bastante água e outros líquidos. Outra dica importante é aproveitarmos as frutas da época para fazermos sumos naturais, com vista a fortalecer o sistema imunológico", recomendou.

Quanto aos alimentos recomendados nestas circunstâncias, Lucira Guedes cita os pescados, pelo tipo de nutrientes presentes, principalmente o atum e a sardinha. Por outro lado, disse, estão as saladas, que têm a presença das vitaminas A, C e ferro.

Município de Luanda conta com 40 salva-vidas

Durante os finais de semana, aproximadamente 8 a 10 mil cidadãos frequentam as praias do município de Luanda, com maior incidência na Ilha de Luanda. Para o efeito, o Quartel de Socorro a Náufragos do Comando Provincial dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB) conta com 40 nadadores-salvadores, para toda a extensão.

O comandante do Quartel de Socorro a Náufragos do SPCB, intendente Adilson Zacarias, disse que o município conta com uma extensão costeira de 32 quilómetros. "Para a extensão de praia que temos, o número de efectivos é irrisório, quase que não dá para muita coisa", afirmou, acrescentando que não tem sido fácil trabalhar, mas tudo tem sido feito para evitar o maior número de tragédias nas praias. "Até ao momento, registámos dez resgates e três afogamentos", disse.

A distribuição do efectivo, explicou, é feita em função da afluência dos munícipes nos locais autorizados para o mergulho.

Adilson Zacarias augura que os comandos sejam modernizados e equipados para dar melhor resposta às situações que surgem.


Nadador-salvador atento aos movimentos dos banhistas

Postos de vigia de nadadores-salvadores nas zonas autorizadas

Os nadadores-salvadores são colocados nos postos das praias autorizadas para o mergulho. Junto à Marinha de Guerra, encontrámos um posto de vigia do Quartel de Socorro a Náufragos, onde estavam destacados dois efectivos, Carlos Teixeira e Carlos Andrade.

Quando a reportagem do Jornal de Angola chegou ao local, os dois se encontravam ausentes do posto, mas compareceram logo depois de serem contactados pelo comandante, afirmando que estavam a realizar serviço de campo. Escalados para manter a segurança dos banhistas, os dois realizavam ronda apeada à volta da praia e, ao mesmo tempo, faziam campanhas de sensibilização.

Há 10 anos a trabalhar como nadador-salvador, na Ilha de Luanda, Carlos Teixeira conta que aprendeu a nadar aos seis anos e nunca teve medo do trabalho que exerce. "Aprendi a nadar muito cedo, com o meu pai, por isso, nunca tive medo do meu trabalho. O objectivo é dar a vida para salvar vidas", disse.

De 37 anos, Carlos Teixeira é efectivo do Comando Provincial dos Bombeiros, residente no bairro Prenda, e disse que o trabalho não tem sido fácil, porque o número de banhistas aumentou.

"A média diária de resgate é de sete a cinco cidadãos", disse. Além de salvar vidas, Carlos disse que também realiza trabalhos de sensibilização.

O nadador-salvador realçou que os adultos são os que mais se afogam. "A partir das 19 horas, são todos aconselhados a abandonar as praias, mas muitos não aceitam e acabam por perder a vida", lamentou. Carlos Teixeira disse que a ronda é feita de segunda a sexta e, nos finais de semana, os efectivos são colocados nos postos de vigia.

Entretanto, Carlos Andrade, também nadador-salvador, avançou que o Quartel de Socorro a Náufragos do SPCB tem feito vários trabalhos de sensibilização, para manter a cultura preventiva contra possíveis acidentes.

 
Sombrinhas e cadeiras são alugadas pelos banhistas, a preços que vão de 1.500 a 2.000 kwanzas, cada, para todo o dia

Exposição solar prolongada pode provocar cancro da pele

A exposição solar prolongada provoca efeitos nocivos à pele a curto e a longo prazo, segundo o médico dermatologista Luvualu Ndongala.

"Refiro-me às queimaduras solares, como efeito imediato, e às lesões precanceríginas, como efeito a longo prazo, que, se não forem diagnosticadas e tratadas precocemente, podem evoluir para câncer da pele", alertou.

As lesões cutâneas resultantes das altas temperaturas e exposição solar, esclareceu, são as fotodermatites, queratose actinca, elastose e agravamento de doenças dermatológicas pré-existentes, assim como a dermatite atópica, urticária, candidíases, micoses, lúpus cutâneo, xeroderma pigmentado e, particularmente na população com albinismo, o surgimento do câncer da pele.

Luvualu Ndongala disse que as temperaturas altas e, consequentemente, a exposição ao sol, secam, desidratam ou queimam a pele. Explicou que as doenças dermatológicas são resultantes da alteração das propriedades protectoras, como a imunológica, termoreguladora (regulação da temperatura corporal ) e secretora.

Segundo o especialista, numa primeira fase, as altas temperaturas provocam a queimadura solar, destruindo a estrutura superficial, ou seja, a camada epiderme, que perde as funções protectora e termostática, viabilizando a porta de entrada de agentes patológicos que provocam infecções na pele.

As queimaduras, prosseguiu, são identificadas inicialmente com o surgimento de um vermelhidão nas áreas expostas, como a face, pescoço e membros superiores, sendo que, na pele negra, aparece uma coloração escura fora do normal.

Por vezes, disse, surgem flictenas, isto é, formam-se  bolhas de água na pele, descolamento epidérmico e erosões, e, em alguns casos, ocorre o endurecimento da pele, ressecamento ou, até mesmo, fissuras por perda da elasticidade.

Com o aumento da temperatura ambiente (calor), disse, aumenta igualmente o processo da transpiração e, por isso, certas áreas de atrito da pele, como a região das axilas, pescoço e genitais, permanecem húmidas, proliferando, aí, fungos que causam as micoses.

O dermatologista Luvualu Ndongala recomenda banhos regulares com água morna e gel de banho ou sabonetes hidratantes, além de aplicar cremes, loções e emolientes, de acordo com o tipo de pele.

É importante, acrescentou, fazer o uso de loções ou cremes de protecção solar, de acordo com o tipo de pele. "Apesar do calor extremo, recomenda-se o uso de roupas compridas que cubram todas as áreas expostas, óculos de sol e chapéus de abas largas", aconselhou.

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