Diz-se que constitui um gesto de fraqueza o exercício de se queixar aos entes e e organizações estrangeiros sobre os problemas da nossa terra, para depois receber como resposta a exortação óbvia segundo a qual “as soluções devem ser encontradas entre vós mesmos”, da mesma maneira como as sucessivas iniciativas externas para acabar com a guerra se comprovaram ineficazes.
A culpa é do plástico. Dentro em breve termina o show dos pacotinhos, invólucros de bebidas espirituosas de várias marcas e sabores adquiridos um pouco por todo o lado, que fazem as delícias dos apreciadores do etílico de tamanho reduzido, porém, agressivo, quando em grandes quantidades.
O líquido vai deixar de ser comercializado em pacotes reduzidos de plástico. A versão aplaudida, por quem de direito, são embalagens de vidro, ao que tudo indica, mais apropriadas para conservação e controle como resíduo sólido.
"Enquanto o lobo não vem” em dois meses (prazo estipulado) para mudar o figurino, os apreciadores e vendedores de olhos grossos e visão no negócio, falam já no aumento da produção da Kapuca, que não necessita de vestimentas (vidro, plástico ou lata) para preencher o nicho de mercado ameaçado de estar vago, caso os pacotinhos sejam proibidos. A famosa "água do chefe” é apontada como alternativa fiel para quem degusta bebidas quentes ou líquidos agressivos.
Desprezada no passado, quando sob a égide do marxismo-leninismo era crime de lesa-pátria consumir o líquido de ponteira dos alambiques, com os consumidores relegados à clandestinidade; hoje preenche espaços em mesas famosíssimas.
O nome do produto de industrialização caseiro mudou. De início era Kaporroto, algo agressivo e de difícil pronúncia. Daí passou a Kapuca, mais fácil para a comunicação, dentre outros mil nomes. "Água do chefe”, no entanto, deu estatuto de cidadania, elevou a líquido com selo de marca, com direito de sair da clandestinidade da periferia e constar dos menus mais exigentes de restaurantes chiques.
A proveniência do produto, forma de fabrico, transporte e aquisição não interessam a alguns consumidores, mais preocupados em derrotar a acidez do estômago, do que garantir qualidade do que bebem. Os vendedores também não perdem tempo em catalogá-lo consoante o sabor. O que vale mesmo é a presença do produto, que tem clientela garantida.
A culpa é mesmo do plástico. A decisão foi tomada por juízes que pregam, de alto e bom som, higiene e alto padrão de conservação na venda de produtos "Made in aqui”. Com o material sintético a impedir a venda a grosso e a retalho, prevê-se uma disputa, em campo aberto, no mercado do Kapuca. Malanje, que lidera a lista de produtor de fina fibra, de qualidade reconhecida, há muito que é referência dos apreciadores. O produto feito à base de milho tem fama, qualidade e dá dinheiro.
No entanto, os alambiques das terras da palanca negra gigante não estão isolados na substituição dos líquidos revestidos em plástico. No Bié, o coração do país, há investidores que juram a pés juntos, que o abacaxi tem suco, que, quando transformado, supera "os que já nasceram com a quarta classe”, o de Malanje.
O Kassungueno do Huambo, a capital do planalto central, tem fama de bom, mas esconde-se muito, apontam-no como envergonhado, porque não conseguiu superar o Kaviquiviqui do Longonjo. O Kassungueno vai ter que suar às ponteiras para ter espaço na substituição dos pacotinhos. O mesmo acontece com o Katxipembe de Ombaka, que não se solta dos matrindindes e é muito caseiro. De quando em vez viaja até Porto Amboim, no Kwanza-Sul para dar um "alló”.
Caxito, no Bengo, "contratou” um catanhó para colocar grogue de cana-de-açúcar no mercado de Luanda (por enquanto, em fase de provas, o produto está apenas ao alcance de um círculo restrito de apreciadores). A aguardente de origem cabo-verdiana já está em algumas prateleiras em garrafas de vidro de 75 cl. Repito, garrafas de vidro, precisamente a embalagem eleita para conservar os líquidos agressivos.
Uíge tem no malavo de bordão e no "conhaque” lunguila, a fama repartida de "vão com todos”, mas o Kapuca das terras do bago vermelho também está em fila na luta pelas possessões que o plástico vai deixar em aberto. O mesmo acontece com Txikelei, Txincha, Katxipembe, substitutos naturais do hidromel do Moxico às Lundas. A aguardente do Kuando Kubango só queima mesmo no local. Está à espera da abertura do grande pavilhão do Okavango-Zambeze.
Cabinda e Zaire têm "água do chefe” para chefes mesmo, porque são fortes e bons de paladar. O Kwanza-Norte cola-se a Malanje com um líquido do mesmo sabor no corredor do Kwanza. O canhôme da Huíla e do Namibe já conquistou o Kunene. Há quem garanta que passou de forma clandestina a fronteira de Santa Clara.
Insisto que a culpa é mesmo do plástico. Acreditem, o negócio da Kapuca vai dar dinheiro, até ver. Aliás, o álcool de alambique, processado de forma industrial ou caseiro, que se chama vodka (industrial) ou samagon (caseiro) na Rússia; a aguardente portuguesa; a tequila no México; a cachaça no Brasil; outros e outros, tiveram de superar a ilegalidade e suportar o "chicote” das leis secas, para serem primeiras escolhas de mesas de bar.
Resta tão-somente ao plástico cristalizar-se em vidro, o que não acontece de imediato; tornar a fazer das suas, porque há mercado quanto baste à espera de um líder na cadeia de comando. O Kapuca que dispensa vestimentas, por hora, arca com as honrarias, mesmo sem ter em atenção padrões como o fabrico, conservação, comercialização e impostos. A culpa ainda é do plástico.
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