Opinião

A Constituição Económica de Angola – de 1975 a 1992

Francisco Queiroz*

NOTA DO EDITOR: Depois de, na primeira parte do texto, termos publicado as considerações que o autor faz sobre a Constituição Formal e Constituição Material, prosseguimos, nesta edição, com:

26/03/2023  Última atualização 06H55

 2. Noção de Constituição Económica

O sistema económico de uma formação social também tem a sua constituição, ou seja, também tem o seu conjunto de regras e princípios jurídicos fundamentais. Por se tratar de normas dirigidas à economia, a esse conjunto de regras e princípios tem-se chamado, no seu todo, Constituição Económica.

O debate à volta da Constituição Económica é recente. Começou na Alemanha do período imediatamente posterior à primeira guerra mundial, altura em que se formularam as primeiras teorizações sobre o Direito Económico.

Determinadas pelas transformações da realidade económico-social da industrialização ocorrida na Inglaterra a partir do Século XVIII, e o surgimento de novas tecnologias de produção com máquinas a vapor no Século XIX, produziu-se uma alteração da base de produção, passando de agrária, rural, para industrial urbana, movida por assalariados, com novas e mais prementes exigências sociais a que cumpria ao Estado acautelar e dar resposta. A subsistência e a dependência das famílias a salários aprofundaram as desigualdades sociais existentes, dando origem a reivindicações da classe operária representada pelos sindicatos. Estes movimentos sociais eram uma ameaça à estabilidade política. Depressa os Estados deixaram a filosofia de ´parar à porta da fábrica´ defendida pelas concepções liberais defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), para deixar os patrões e os empregados resolverem os seus problemas. Para passarem a intervir na solução desses problemas, pois o sistema republicano de governação, com o sufrágio universal e a alternância do poder, não podia deixar indiferentes as elites políticas da época, que queriam conquistar o poder ou manter-se no mesmo.

Sucedeu, ao abstencionismo de Adam Smith, o intervencionismo do Estado como sistema de organização da macroeconomia. Um dos maiores cultores desta nova visão foi o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), que defendeu a intervenção fiscal e monetária para o Estado criar empregos e manter a estabilidade social e o crescimento da economia.

Constatada a necessidade da intervenção do Estado na economia, logo surgiu a necessidade de consagrar, constitucionalmente, essa tarefa estatal, definindo os objectivos a atingir e os meios a utilizar.

 Pode definir-se Constituição Económica como o conjunto de normas e princípios jurídicos fundamentais que definem a estrutura de um determinado sistema económico e instituem a respectiva forma de organização e funcionamento. (nesse sentido, CANOTILHO, J. e MOREIRA, V. Coimbra, 1991)

Esta definição, comumente aceite na literatura jurídico-económico, privilegia o critério da fundamentalidade das normas para a sua classificação constitucional, não exigindo a sua inserção no texto constitucional. Conforme vimos atrás, é o que alguns estudiosos chamam de noção material de constituição.

Em Angola, o estudo da Constituição Económica emergiu com a institucionalização do ensino do Direito na Universidade, em 1979, e desenvolveu-se no âmbito da disciplina de Direito Económico dos cursos de Direito e de Economia.

A Constituição Económica de 1975 (CEA/75) e as suas sucessivas alterações de 1976, 1977, 1978, (esta a mais importante em termos de institucionalização do socialismo como modelo económico de desenvolvimento), 1980, 1986, e 1987, foi além da visão de Keynes, instituindo um modelo em que o Estado não só dirige a economia como é o detentor dos principais meios de produção e é ele próprio empresário. O Estado é a economia.

Para melhor se compreender a ratio demónica da CEA/75, torna-se necessário conhecer, por um lado, o conteúdo das constituições económicas socialistas e, por outro lado, o conteúdo e o carácter da Constituição que vigorou até à entrada em vigor da Lei 12/91, que pôs fim ao regime económico socialista baseado na direcção central da economia.

Como é sabido, as experiências socialistas conhecidas resultaram de revoluções operadas nas sociedades em que as mesmas se realizaram, e não de uma evolução natural e objectiva da economia. Em Angola, a institucionalização do modelo económico socialista não fugiu a essa regra.

Este método revolucionário de transição social obrigou os poderes políticos instituídos a socorrerem-se do Direito, entre outras instituições, para transformarem o carácter do modo de produção colonial-corporativista e implantar o modo de produção socialista.

Tal método de transformação social resultou de uma opção jus-racionalista pelo modelo económico socialista, seguindo-se a sua consagração constitucional, pois tratava-se de matéria com carácter fundamental para o projecto político, económico e social, com que toda a sociedade deveria conformar-se.

O modelo económico socialista nunca chegou, de facto, a consumar-se, mas constituiu uma referência programática de opção, passando então a falar-se numa economia de "transição para o socialismo”.

Por isso, nos seus aspectos político-económicos, a CEA/75 era essencialmente programática, visando o objectivo estratégico do socialismo (Continua).

 

Professor Associado da Universidade Agostinho Neto (UAN), docente da disciplina de Direito Económico, ex-decano da Faculdade de Direito da UAN e ex-ministro da Justiça e dos Direitos Humanos

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