Cultura

Valorização das línguas nacionais para a construção da identidade

Estácio Camassete | Huambo

Jornalista

O antropólogo e linguista Gregório Tchikola apelou, na cidade do Huambo, à necessidade de valorização das línguas nacionais como um dos principais vectores para a construção da identidade dos diferentes estratos sociais.

22/05/2023  Última atualização 10H17
Antropólogo e linguista Gregório Tchikola © Fotografia por: M. machangongo | Edições Novembro

Gregório Tchikola falava à margem do primeiro Simpósio Internacional do Instituto Superior Politécnico Católico, do Huambo, no quadro da comemoração do quinto aniversário da instituição universitária, celebrado sob lema "Investigar para desenvolver”.

O académico afirmou que as línguas devem ser defendidas, promovidas e grafadas, para que não sirvam só como instrumento de comunicação, mas também como um elemento de desenvolvimento e de afirmação da identidade.

"A língua de um território está ligada ao conceito de Nação e nacionalidade, e pode ajudar muito para a descoberta da consciência da história”, disse ao Jornal de Angola.

Manifestou que as línguas nacionais estão a perder a força que elas antigamente tinham, em que se destaca a primeira influência negativa contra elas a colonização, como um dos primeiros factores do enfraquecimento e da "morte dos idiomas”.

Gregório Tchikola referiu que, no outro plano, contra as línguas nacionais angolanas está, igualmente, a questão da falta da prática da fala das mesmas em vários círculos familiares e sociais, em que não se promove o exercício das línguas maternas.

O antropólogo reprova o não ensino das línguas nacionais nas instituições públicas e nas empresas, o que em seu entender pode afectar directamente para o desaparecimento das mesmas.

"É preciso ter consciência de que a língua é um dom natural ao indivíduo utilizador da mesma, que serve como elemento de comunicação com os outros membros da comunidade para garantir o princípio da identidade, uma vez que a mesma se identifica com os indivíduos que a utilizam e tornar o grupo social mais coeso”, afirmou.

Disse ser, também, um elemento conciliador, e ao mesmo tempo um instrumento da afirmação da personalidade.

 

Desaparecimento

Gregório Tchikola considerou como um fenómeno o desprezo das línguas nacionais. Caso prevaleça, algumas podem desaparecer, "se a língua não é falada morre, a morte da língua ocorre com  o desaparecimento natural  morte do seus falantes. Estamos a notar cada vez menos falantes das línguas nacionais”.

Para reverter esta situação é de opinião que sejam elaboradas políticas de oficialização das mesmas, pois, não podem ser promovidas a nível das escolas, e precisam de ser utilizadas para se veicular informações sobre ciência e tecnologia.

"Pensar que as línguas têm a função comunicativa e não como elemento instrutivo arrisca-se a ter cada vez menos falantes, porque os usuários aos poucos estão a morrer e levam os conhecimentos”.

Gregório Tchikola acredita que este fenómeno se pode reverter caso se definam novas políticas a nível do Executivo, porque a língua é uma das questões de soberania nacional, que visa ressuscitar todos os pressupostos para a valorização e preservação dos símbolos e padrões de conduta nacionais.

A outra medida, na óptica do antropólogo, está relacionada com a acção psicológica social, para que as famílias sejam incentivadas e, também, estimulem os membros, principalmente as crianças, para que conheçam desde cedo as línguas nacionais.

"A juventude precisa de aprender e tirar o véu da suposta vergonha que os envolve em falar as línguas nacionais, porque muitos alegam sentir discriminação, quando se expressam, em público,  em umbundu, nganguela ou nhaneka-humbi”, acrescentou.

 

Confusão gráfica

O docente universitário Gregório Tchikola defendeu que a escrita das línguas nacionais deve ser divulgada de forma correcta, para evitar equívocos, apesar de se admitir que elas evoluem - se modificam - através do contacto com outros idiomas, considerado como interferência positiva, que motiva o surgimento de novos termos.

"As línguas nacionais registam uma promiscuidade gráfica, principalmente o um-bundu, que hoje exibe duas grafias, uma de origem Católica e outra evangélica”, afirmou  o antropólogo.

Por isso, disse ser importante encontrar um consenso neste dilema e optar pela grafia que se aproxime aos sons naturais da língua. Advogou que a grafia mais próxima da pronúncia natural é de origem Católica, está mais trabalhada, e tem mais originalidade, um soar natural.

Este problema, acrescentou, só acontece com a língua umbundu, caso permaneça haverá sempre problemas, uma vez que a cultura linguística deve ser passada para as novas gerações sem máculas.

"Tem de haver uma concertação mais científica, sem olhar pela emoção das pessoas que não desejam perder a grafia, é preciso despir-se dessas vaidades históricas e pensar o país num todo”, defendeu, e entende que as línguas podem contribuir de uma forma "muito forte”, no processo de reconciliação e unidade nacional, "não valorizar elas é adiar a unidade nacional”.

Lembrou que as línguas nacionais, quando bem estudadas, dominadas e valorizadas, podem servir como vector do desenvolvimento da economia nacional e cultural, da história, do direito e da agricultura. "Estas línguas interligadas ajudam a formar e a fortalecer o país como uma só Nação e um só povo”. 

 

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