Entrevista

“Urge revolucionar o sector ambiental”

O país assinala hoje o Dia Nacional do Ambiente. Em entrevista ao Jornal de Angola, respondida por escrito, a secretária de Estado para o Ambiente (que foi ministra do Ambiente até à junção dos sectores da Cultura, Turismo e Ambiente) faz um retrato do sector e admite que há muito trabalho por fazer. Desde logo ao nível das leis mas, sobretudo, na educação ambiental e na consciencialização dos cidadãos sobre as questões com impacto no meio que nos rodeia. Sobre a eventual exploração de petróleo em zonas reservadas, a governante optou por não responder às questões.

31/01/2021  Última atualização 09H59
Paula Coelho, secretária de Estado para o Ambiente © Fotografia por: Dombele Bernardo | Edições Novembro
Durante o tempo em que foi ministra do Ambiente, afirmou publicamente que a sua prioridade era a educação ambiental. Mantém a mesma preocupação?

A educação ambiental continua a ser uma prioridade, sobretudo agora que o mundo tem uma nova agenda de educação e consciencialização. A educação ambiental está inserida no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, com o objectivo de promover o bem-estar social e as boas práticas ambientais. Perante o seu carácter transversal, a educação ambiental carece de outra atenção. Ou seja, precisa de ter a mesma atenção que a educação geral.
A educação ambiental deve ser implementada nos mais distintos ramos da nossa vida activa e, para isso, destacamos os grandes temas da actualidade mundial sobre o ambiente, tais como as alterações climáticas, biodiversidade, gestão ambiental, desenvolvimento sustentável, camada de ozono, novas tecnologias e normalização e saneamento.

Que programas existem neste momento em implementação sobre educação ambiental, que é um tema importante para o futuro do país?

Temos em curso uma campanha nacional de educação e consciencialização ambiental. Essa campanha levou-nos a reflexões mais profundas, que permitiram o surgimento da Estratégia Nacional de Educação Ambiental para o período 2020-2025. Este documento constitui um instrumento que visa contribuir para o desenvolvimento e a implementação de acções conjugadas no domínio da literacia ambiental dos cidadãos, com o objectivo de promover a sua consciencialização para questões relacionadas com o ambiente e a sua protecção. No quadro estratégico da educação ambiental promovida pelo Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente (MCTA), a cidadania ambiental marca o início de um processo de mudança de atitude dos cidadãos e visa criar um espaço de debate e reflexão sobre as questões ambientais.

De que forma isto pode ser concretizado?

A estratégia nacional de educação ambiental para o período 2020-2025 define três eixos prioritários, designadamente, a cidadania ambiental, o consumo consciente e sustentável e a gestão de resíduos. O critério para a definição desses eixos está relacionado com o actual contexto nacional, que clama por uma forte intervenção relativamente à promoção de valores e boas práticas sobre as medidas de preservação e conservação ambiental, bem como sobre a influência da participação dos cidadãos na protecção do ambiente. O desenvolvimento de programas de educação ambiental voltados para toda a sociedade permitirá consciencializar os cidadãos, famílias, empresas, instituições e entidades públicas e privadas sobre a sua intervenção e influência na degradação do ambiente. Também poderá garantir uma mudança de atitude generalizada e mobilizar a cultura da consciência ambiental caracterizada pelo conhecimento e pela sustentabilidade.

Por que razão as escolas e o sistema de ensino em geral dedicam pouco tempo curricular e extra curricular à educação ambiental? Que projectos existem em comum entre os sectores do Ambiente e da Educação?

Razão como tal, não consigo apresentar. Mas é do nosso entendimento que ainda é diminuto o volume de matérias ambientais nos currículos escolares. Por este facto e por mandato do Despacho Presidencial número 74/20 de 29 de Maio, foi criado um grupo de trabalho multissectorial com o objectivo de actualizar e corrigir os programas e os manuais escolares da educação pré-escolar, do ensino primário e do primeiro e do segundo ciclo de ensino secundário geral. O MCTA está a dar o seu contributo, com realce para a possibilidade de leccionamento de matérias ambientais em tenra idade de modo a construir-se uma Angola próspera. Fruto do trabalho entre os dois sectores, existe hoje o Instituto Politécnico do Ambiente "31 de Janeiro", localizado na província do Cuando Cubango. É uma escola co-participada. Parte dos docentes foram recrutados junto do Ministério da Educação mas, em de concorrência da pandemia, o estabelecimento teve que alterar o seu programa curricular.

Quais são as principais mensagens que estes programas pouco conhecidos transmitem aos alunos?

Em regra, os focos de abordagem no sistema de educação giram à volta de temas como a legislação, economia verde, economia circular e economia solidária. Ainda nesta vertente, o currículo de formação e de capacitação dos fiscais ambientais constitui outro passo conjunto entre o Ambiente e a Educação. Reconhecemos que é fundamental educar e formar os fiscais para a salvaguarda do património natural. Hoje ainda é necessário concluir o processo de reconhecimento da própria formação, que deve ter um currículo aprovado e inserido no programa geral de educação e não apenas no sector de formação técnico-profissional. Felizmente, nos congratulamos pelo facto de haver mais sensibilidade para as questões ambientais e de boa parte da sociedade já não pensar que ambiente significa apenas plantar árvores. Plantar árvores, sim, mas não é tudo.

O que falta para que a escola seja não só um local de aprendizagem e educação ambiental, mas também de prática ambiental, de envolvimento e intervenção da comunidade escolar na gestão do meio ambiente?

As escolas já não são apenas um local de aprendizado. São também oficinas práticas para a implantação de modelos de gestão para a recolha de resíduos, de implementação do manual de separação de resíduos, erguendo-se também como "salão” para exposições de apresentação de resultados científicos. Um exemplo disso mesmo é o caso do sabão artesanal, que foi desenvolvido com recurso a ensaios feitos por estudantes que, com o apoio do laboratório, conseguiram tornar sólida a pesquisa. E hoje temos uma fórmula de base que tem ajudado a promover a geração de renda familiar. Também o programa de não defecação ao ar livre e de lavagem das mãos foi reforçado no seio da comunidade devido à pandemia. Fruto da importância deste trabalho, ao nível mundial temos o Dia da Lavagem das Mãos, a criação de modelos de reaproveitamento de águas residuais e, consequentemente, o aumento da consciência ambiental. Há também a necessidade de acompanhar melhor as acções oriundas da sociedade civil, pois temos ainda associações ambientalistas no país que não estão legais mas que possuem um legado e, por isso mesmo, não podemos deixá-las nessa condição.


Formou-se na África do Sul, um país que é reconhecido internacionalmente pelas políticas de gestão e conservação ambiental. Também é um país que possui uma dinâmica economia ambiental (sobretudo virada para o turismo) em áreas de conservação. Que aprendizagens podemos retirar da experiência sul-africana ou mesmo namibiana?

Antes de tudo, aprendi que devemos entender ou perceber primeiro para depois desenhar as acções mais adequadas. Depois aprendi a ver as áreas de conservação como uma indústria de arrecadação de receitas. A gestão da geração de receitas, no contexto das áreas de conservação do nosso país, carece de aprovação de novos diplomas (existentes apenas em esboço, por enquanto).
Embora aparentemente com pouco impacto, um exemplo positivo é o fornecimento comunitário de lençóis e de cestaria feitos com espécies vegetais nativas a distintos lodges.
Desde 2018 – ano em que foi exposto o potencial de Angola de forma mais presente com o documentário realizado pela National Geographic – foram desenvolvidas várias actividades que culminaram com uma mini-digressão às áreas de conservação. Na sequência destes eventos, foi possível elaborar o Programa Nacional de Investimento nas Áreas de Conservação. A sua efectivação ainda carece de melhor análise, facto que motivou a preparação de uma conferência de investidores que deve realizar-se em Março. Olhando para os modelos dos países vizinhos, temos aqui um novo começo, uma nova era.

E sobre as regras internacionais de protecção de espécies em vias de extinção, também considera que estamos a entrar numa nova era?

A implementação efectiva da convenção sobre o Comércio Ilegal das Espécies em Vias de Extinção (CITES) e do mecanismo de comércio das espécies, através de quotas, é outra área onde vislumbramos barreiras, principalmente por desconhecimento da matéria.
Ao falar das áreas de conservação, chamo a atenção para a necessidade de se investir em todo o país para alavancar a economia, gerar empregos e, de algum modo, sermos inovadores. Para o efeito, já existem parceiros, como os guias turísticos, exemplos concretos que contribuem para aumentar as receitas do sector.
Acreditamos que o pacote legislativo, que está pronto, será aprovado ainda no decorrer deste trimestre.
Olhar para as áreas de conservação é olhar para o potencial da descoberta da Tesmanea camoniana (exclusiva do Parque Nacional da Kissama), da Oryx Gazella, do deserto do Namibe ou da floresta do Mayombe. E também pensar na costa atlântica com a corrente fria de Benguela, as áreas de conservação marinhas - e pensar ainda nos ecossistemas e na natureza em geral como base de financiamento à economia.

Em termos de políticas de conservação de animais de grande porte, o Botswana, por exemplo, aplica um regime jurídico bastante apertado. A sua população de elefantes é uma das maiores do mundo e o país é mesmo considerado um santuário para este tipo de animais. Concorda com estas políticas de conservação bastante restritivas no que diz respeito à caça e ao consumo dos sub-produtos com origem nas espécies mais procuradas?

Não havendo fórmulas estanque, cada caso é um caso. Angola, com o seu passado ligado ao conflito armado, ainda com sinais visíveis, sobretudo no que diz respeito à desminagem, não poderá ter outra opção nesta fase: antes de tudo, é preciso inventariar e saber o que realmente temos para tomar as melhores decisões. É necessário efectuar um inventário biológico mais pormenorizado, assim como um censo populacional de animais selvagens, que permitirá saber onde estamos e que caminho devemos seguir.
Por outro lado, o Botswana é uma zona de planície baixa e tem uma história diferente à de Angola. Isso levou a que acolhesse elefantes angolanos, que hoje pretendem regressar. Temos sempre que ter em atenção que os elefantes têm um amplo território que ultrapassa as fronteiras dos países. Existem ainda mecanismos de controlo populacional, bem como a possibilidade de abrir corredores ecológicos, efectuar translocações ou reintroduzir animais no país. Ao aderir aos tratados e convenções para a sua aplicação nacional, Angola reconhece a importância desta temática.

Se pensarmos que, daqui a poucos anos, os países mais avançados serão aqueles que apresentam modelos de desenvolvimento mais responsáveis em termos ambientais, que caminhos deve Angola trilhar?

As linhas mestras estão traçadas universalmente. Devemos trilhar o caminho de um novo modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade, conjugado com a agenda 2063 da União Africana. De facto, já estamos nesse caminho, mas ainda fazemos pouco devido aos entraves administrativos.
O fomento das indústrias de transformação, reconhecendo a importância do licenciamento ambiental, é também um factor determinante para o próprio ordenamento e desenvolvimento do país.

Um modelo de desenvolvimento mais responsável em termos ambientais também vai girar em torno do próprio desenvolvimento humano. Os recursos humanos são um factor determinante.
Recentemente, o ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Jomo Fortunato, em entrevista ao semanário Novo Jornal, frisou que o único sector onde há problemas é no ambiente porque há dinheiro de multas, projectos, autorizações e emolumentos para cobrar aos cidadãos e às empresas. Que tipo de problemas estamos a falar?

A temática foi, de facto, muito bem resumida na referida entrevista. Todavia, vou também resumir a minha resposta: tudo gira em torno do ambiente. O desarraigar de uma árvore, o despejo de óleo no chão ou a não separação de resíduos são vícios que devem ser erradicados. Para que isso aconteça é necessário que haja regulação, é necessário que haja licenciamento, de modo a não incentivarmos práticas incorrectas. Por exemplo, é preciso melhorar os mecanismos de emissão manual de licenças. Urge revolucionar o sector. Estamos numa nova era, por sinal digital, e as máquinas não mentem. Triste é ainda haver quem pense que a licença ambiental é só mais um requisito para formalizar os seus negócios. E não perceba que estamos a salvaguardar as próximas gerações.

Em relação à gestão de resíduos (lixo doméstico ou industrial), por que razão até não foi possível implementar um modelo que promova a recolha urbana e a reciclagem em larga escala?

Não diria que não foi possível implementar. O investimento e a desburocratização da economia, reconhecendo que os carros de recolha de lixo não vão entrar no beco de um bairro, levaram o MCTA a sugerir um modelo que preconizava a utilização de kupapatas. E assim foi apresentada a proposta ao Conselho de Governação Local. Ao mesmo tempo, tivemos que acudir as questões relacionadas com a seca e a falta de água na região Centro-Sul do país. Infelizmente, ficamos sem dar seguimento ao dossier. Há muitas iniciativas ligadas à gestão de resíduos que precisam de maior divulgação. Por exemplo, está concluído todo o pacote legislativo para o lançamento de um concurso público para a recolha de resíduos e gestão de aterros em Luanda. A empresa vencedora do concurso não deverá onerar o Estado, além de ser obrigada a envolver as empresas menores.
Relativamente às taxas inseridas nos serviços públicos e às taxas ambientais, devem ser implementadas para que o poluidor deixe de lesar o meio que nos rodeia. Incentivamos aqui os angolanos em geral, aproveitando este veículo de informação, para que mesmo em  casa aproveitem as embalagens usadas, os baldes ou os sacos de lixo para separar os resíduos. É possível contactar depois os serviços da Agência Nacional de Resíduos para obter informação sobre que empresas lidam com determinados materiais. A valorização dos resíduos está em curso e acreditamos que, mais do que as grandes indústrias, podemos fomentar o surgimento de pequenas indústrias como contributo ao combate do desemprego e à pobreza.   

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