Cultura

Uma homenagem necessária

Em tempos de crise, com muito tempo de sobra e muita vontade de tudo querer e (nada) poder fazer, fui “visitar” a minha caixinha de recordações. Nela, encontrei e revivi as memórias da criação do “nosso” Instituto Nacional de Línguas, em Luanda, sob a direcção da saudosa Doutora Maria Celeste Pereira Albakaye Kounta, Linguísta Africanista, que elaborou um trabalho de base para o desenvolvimento das Línguas Nacionais de Angola.

09/05/2021  Última atualização 14H55
Maria Albakaye Kounta (1936-1987) © Fotografia por: DR
Embora o Decreto nº 62/78 proclamando a criação do Instituto Nacional de Línguas date de 6 de Abril de 1978, o Instituto já tinha iniciado a sua actividade desde 1976. Os trabalhos começaram com uma equipa formada por quadros angolanos, filólogos, Elsa Maria Campos e eu própria e 33 "Informadores/Utentes” em Línguas Nacionais:  Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu, Mbunda e Kwanyama, trabalhando todos em conjunto, num bom e são ambiente de trabalho.

 Destaco o trabalho de Justino Frederico Katwiya que, para além de Pedagogo em Língua Mbunda, teve um papel importante na organização administrativa do Instituto.
Esta foi a primeira fase Nacional, dirigida e orientada pela Doutora Maria Celeste Kounta. A equipa nacional, foi iniciada à Linguística e em trabalho de recolha das tradições orais em todas as províncias, e na sistematização e análise do material recolhido, que culminou com a elaboração dos projectos dos alfabetos em estudo.

Esta investigação teve como base o Projecto nº ANG/77/009/C/01/13 assinado entre a UNESCO/PNUD e o Governo da RPA (República Popular de Angola).
Neste Projecto constava também uma segunda fase que compreendia um incremento à formação Linguística dos quadros angolanos com a chegada do primeiro perito da UNESCO, Dr.ª M. Trifkovic em Fevereiro de 1980.   Foi complementado com  deslocações às províncias por equipas das diferentes línguas selecionadas para gravação sonora do material recolhido e descrição do sistema fonológico das línguas.  Por fim, a criação dos alfabetos das seis línguas acima referidas e a sua oficialização pelo Departamento de Cultura e Desporto do MPLA.

O saudoso António Jacinto sublinhou o trabalho realizado pelo Instituto Nacional de Línguas, funcionários e colaboradores e o apoio e assistência das organizações internacionais NESCO/PNUD a este magno empreendimento!
Realizaram-se viagens de estudo a Universidades Africanas, tais como em Brazzaville, Kinshasa, Nigéria (Lagos, Ibadan, Kano), Níger, Tanzânia, países escolhidos pelo seu grau de desenvolvimento a nível das línguas nacionais. Em consequência destas investigações e do trabalho realizado, as seis Línguas Nacionais foram apresentadas nas diferentes províncias por um "Informador/Utente” em Língua Nacional e um perito em Linguística.

O Instituto Nacional de Línguas, para além do Depto. das Línguas Nacionais, incluía o Depto. de Patologia – Sector de Reabilitação da Audição e Sector de Logopedia e o Depto. de Ensino da Língua Veícular (Português) e Estrangeiras (Francês, Inglês, Alemão e Russo).

No 2º Depto., foi feito um protocolo com a Universidade de Zagreb, Croácia, com equipamento tecnológico, técnicos, professores para audiometria e trabalho individual, ritmos musicais e corporais, educação e trabalho colectivo com a  colaboração da Dra. Marija Milosev, para o Ensino Especial. Foram formados jovens quadros angolanos dos quais recordo a Anot (Audiometria e Reabilitação Individual), Elsa Carlos, Lúcia Ribeiro, Elisabeth Francisco (Terapia da Fala e Reabilitação Colectiva), Mª José Isabel e Isabel Baganha (Ritmos Corporais) e muitos mais que poderíamos enumerar mas… os anos passaram e como se diz "o tempo não perdoa”…

No 3º Depto., para além de equipamento áudio-visual (gravador de bobines, écran, material didáctico, etc.) fornecido pelo Instituto de Zagreb, Professor Peter Guberina, com  suporte e apoio tecnológico da UNESCO, foi  feito um acordo com uma equipa de professores alemães, Dr. e Drª Hans, e a Drª. Marija Milosev, para a formação em Metodologia Áudio-Visual aos professores. Integravam este departamento professores angolanos, tais como Mª José Teixeira, Silvia Ochôa, Odemira Airosa, Anabela Perez, que deram um contributo notável ministrando aulas a estrangeiros, cooperantes, diplomatas e angolanos de várias empresas e ministérios. Tivemos a colaboração, no ensino de Língua Francesa, do Professor Boubacar Diarra da UNESCO. Em Língua Inglesa, a ong M.A.G.I.C. (Britânica), a participação do Prof. Nkubi Telama e, posteriormente, do Prof. Chisseva.

Este RESUMÉ é dedicado à Doutora Maria Celeste Pereira Albakaye Kounta e a todos os que com ela partilharam este empreendimento tão importante e com um alcance nacional, no início da nossa tão almejada Independência Nacional! Este contributo é realmente meritório! Marcou o início!
Foram tempos de formação e de crescimento, que ainda relembro com muita saudade e uma pontinha de nostalgia mas que, sem qualquer dúvida, valeram a pena!

*Maria  de Lourdes Dias Ribeiro Dias nasceu no Huambo aos 31/01/1946. Licenciada em Filologia Românica, pela Université Catholique de Louvain (Bélgica). Ao regressar a Angola em 1975, exerceu funções de professora na Faculdade de Letras e Humanidades no Lubango, ingressando depois no quadro do Instituto Nacional de Línguas, Luanda. Passou pela UNICEF (15 anos), Chevron e Total, ocupando funções de Administração e Recursos Humanos. Actualmente é reformada pelo INSS (Angola). Neste texto teve a colaboração da Equipa do INL.

O legado da linguista  Maria Celeste Kounta

A Doutora Maria Celeste Pereira Albakaye Kounta nasceu no Bié aos 6/05/1936.  Em 1961, estando em Lisboa, onde fez o Curso de Magistério Primário, seguiu para a antiga União Soviética, onde obteve os títulos de Master of Arts (Philology) e Doctor of Philosophy (PhD). Foi investigadora no Institut de Sciences Humaines de Bamako, Mali;  Professora de Português na Ecole Normale Supérieure e Université de Saint Cloud, Paris;  Linguista Africanista da equipa de APRAUFOR (Association pour la promotion de l’audiovisuel) em Paris, onde trabalhou na elaboração de métodos áudio-visuais destinados à alfabetização dos emigrantes oriundos do Mali, Senegal, Jugoslávia e Portugal.

Autora de publicações em Russo e Francês, tais como "Política Linguística em Angola” (em Russo), tese de licenciatura, Moscovo, 1966;  "Lexique Bambara” (co-autora),  Bamako 1967;  "Enriquecimento do léxico da língua Bambara - Edificação linguística da República do Mali”, tese de doutoramento, Instituto dos Povos de Ásia e África junto à Universidade de Estado de Moscovo, 1973 (em Russo).

De 1976 a 1981 exerceu as funções de Directora do Instituto Nacional de Línguas (INL). Escreveu: "Reflexões sobre as nossas Línguas Nacionais”, INL, 1977; "Histórico sobre a Criação dos Alfabetos em Línguas Nacionais”,  INL, Edições 70 e  "Linguística - Angola – Sobre as Línguas Nacionais”.
Elaborou os Manuais de Alfabetização nas 6 Línguas Nacionais (trabalho colectivo). Maria Celeste Kounta faleceu em Luanda, por doença, aos 5 de Setembro de 1987.

Maria  de Lourdes Dias

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