Opinião

Uma força-tarefa para o lixo em Luanda

Sousa Jamba

Jornalista

As redes sociais estão cheias de clipes de cidadãos enfurecidos por causa das águas e do lixo em partes de Luanda. Uma das coisas de que muito aprecio nos Estados Unidos é que em momentos de calamidades naturais há uma espécie de trégua nas disputas partidárias; todas as forças unem-se para aliviar o sofrimento das populações.

09/04/2021  Última atualização 06H25
Em 2005, as atenções do mundo estavam viradas para Nova Orleães, onde o furacão Katrina estava a causar uma das maiores tragédias da História dos Estados Unidos. O presidente da câmara da cidade de Nova Orleães não parava de dar entrevistas; havia cidadãos que lhe dirigiam críticas muito duras. Isto até que a Guarda Nacional, parte do exército americano que tem a especialidade de lidar com calamidades naturais, entrou em cena. Lembro-me claramente do General Russel Honore; ele insistia que havia um plano e ele estava em Nova Orleães para a implementação desse plano. Muita gente sentiu-se aliviada; a operação para lidar com os efeitos do furacão estava nas mãos de um General.

Quando fiz o Mestrado em Estratégia na Universidade de Seton Hall, em Nova Jérsia, muitos dos meus colegas eram oficiais do exército americano, que pretendiam ir para o sector privado. Muitas empresas nos Estados Unidos gostam de empregar oficiais do exército por eles terem uma imensa capacidade de não perderem o foco quando se está a implementar uma operação. Neste momento, Luanda vai precisar de uma força de missão com objectivos bem claros. Primeiro, eliminar todo o lixo em todos os bairros; segundo, limpar todos os sistemas de drenagem. Terceiro, e finalmente, avaliar o processo de gestão dos resíduos na capital e recomendar formas mais eficazes de tratar disso. 

Tal operação não seria, de forma alguma, uma usurpação das competências do Governo Provincial de Luanda. Uma das coisas que às vezes me espanta em Angola, sobretudo nas instituições governamentais, são as disputas desnecessárias para conquista de território. Alguém vai para um hospital onde as torneiras não funcionam; onde até as casas de banho estão entupidas. Alguém sugere outras formas de superar estes problemas — sugerindo, por exemplo, que na Tanzânia, muitos hospitais nas áreas rurais usam energia solar para purificar a água. O chefe deste hospital em Angola sente-se logo ameaçado. Ele insiste, indignado, que ele é o chefe do hospital e ponto final. Claro que este chefe não vai querer lidar com a questão da razão principal de um hospital, que é velar pela saúde dos cidadãos. 

Na defesa do seu território, muitos chefes perdem a noção da interconexão das coisas. Muitos órgãos governamentais têm a sua cultura organizacional — como as coisas foram sempre feitas; quem sugerir uma inovação, é tido como um subversivo que deve ser parado de imediato. O problema é que este tipo de atitude resulta em muita complacência. Em Dezembro do ano passado, eu tive que ir para Luanda saído do Huambo (onde resido) e tinha antes que fazer o teste da Covid-19. Primeiro tinha que ir à delegação de saúde no centro da cidade, depois tinha que ir a um banco designado por este órgão. Só que o banco em questão tinha um sistema que não aceitava pagamentos para aquela conta. Passei todo o dia a correr de um lado para outro da cidade do Huambo. Depois de oito horas (uma viagem de avião de Nova Iorque para Londres), consegui, finalmente, fazer o teste. Quando eu reclamava, os oficiais insistiam que eles só estavam a obedecer as ordens que tinham vindo de cima. Ninguém estava interessado em ouvir sugestões de como o processo poderia ser simplificado. 

Imaginemos, então, uma força-tarefa para limpar Luanda. Esta seria liderada por alguém vindo de qualquer ramo da sociedade que tenha demonstrado uma imensa capacidade de implementar projectos. Há muitos angolanos que trabalharam e brilharam em projectos em multinacionais. Também pode ser alguém vindo do Exército ou de um outro órgão. 

O chefe desta força-tarefa teria que identificar uma equipa para o ajudar na implantação do projecto. Aqui não seria uma questão de "job for the boys” ou "emprego para os compadres.” Esta equipa teria que ser composta por técnicos competentes. Logo depois haveria uma clarificação do projecto — objectivos, duração, etc. Isto seria seguido pelo orçamento necessário para a sua implementação. (As sobrefacturações estariam completamente fora do jogo). Teríamos, então, um delineamento claro das várias operações que seriam necessárias para a implantação do projecto. Haveria, também, mecanismos para garantir que tudo estaria nos trilhos. Foi isto que aconteceu em Nova Orleães. Depois de cumprida a missão, o General Honoré e os seus homens deixaram Nova Orleães para ser gerida pelas autoridades locais. Luanda, certamente, iria beneficiar de uma força-missão para a sua limpeza. Curiosamente, o General Honoré agora tem uma outra missão: liderar o inquérito para se saber exactamente como é que os apoiantes do Donald Trump conseguiram invadir o Capitólio e fazer toda aquela "mbwanja”...

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