Entrevista

Um angolano a caminho do cesto

Omar Prata

Por detrás da gestão da página “Angolanos a Caminho da NBA” está o estudante na faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, José Muiza, de 29 anos. O fã do lendário Kobe Bryant deixou-se maravilhar pelo ícone de uma geração, apaixonando-se pelo basquetebol e desde então, tornou-se num assíduo acompanhante da modalidade. Nesta entrevista, o JA Online revela um pouco mais do trabalho que o mesmo desempenha.

14/03/2023  Última atualização 19H45
© Fotografia por: Cedida
Fale-nos um pouco acerca da página "Angolanos a Caminho da NBA”, de onde surge a ideia? 
Nasce do amor que tinha pelo basquetebol na época e por ter conseguido realizar o sonho de me tornar basquetebolista profissional. Decidi fazer algo pelo basquetebol angolano, passaria por ajudar os miúdos que tinham o sonho de se tornarem profissionais. Surge a ideia de criar a página, em Agosto de 2016.

E o fascínio pelo basquetebol? 
Ao assistir NBA, em 2008, na época em que o Kobe era o melhor jogador da Liga.

Isso faz de si um adepto dos Lakers? 
Exacto, sou um eterno Laker.

O Kobe morre em 2020, como foi lidar com isso como fã? 
Nem imagina. Ele é o melhor jogador da história do basquetebol pra mim. Foi muito difícil lidar com o passamento físico dele. Quase que iria abandonar a página e a paixão pelo basquetebol. Quase que nada mais fazia sentido. 

Mas não desistiu da página, tal como também não desistiu do sonho de ser jogador profissional, encontrou muitos obstáculos para alcançar essa meta? 
Muitos. A começar pela condição financeira indo até à falta de documentos, acabei por nem treinar como federado.

Isso leva-me a outro ponto, como avalia o estado da modalidade no país?
Em termos de qualidade parámos no tempo. As condições na formação não são as melhores, se continuarmos assim dificilmente Angola voltará a comandar África.

E pensa que poderiam ser tomadas medidas para mudar o paradigma?
O basquetebol é uma ciência e a ciência é dinâmica. Precisa-se de investir mais na formação de treinadores. Os métodos de treinamento mudaram.  Actualmente, o desporto é mais táctico do que físico, então é necessário que os treinadores passem por um processo de refrescamento. Tem de se investir fortemente na formação e por outra seria uma mais valia se houvesse mais jogadores a militar em ligas como a Francesa, a Espanhola, a Grega, a Alemã e até a NBA.

Tocou num ponto importante, a aposta na formação, como olha para a nova geração de jogadores angolanos?
Angola tem jogadores com qualidade para fazer uma óptima prestação no Mundial. O maior problema é a falta de entendimento entre o corpo técnico, a FAB com alguns jogadores que actuam na diáspora e no país. E caso isso se resolva a tempo, será uma selecção forte. Penso que ficará entre as 15 melhores equipas do mundial.  A nova geração tem muito potencial, mas falta-lhes disciplina, comprometimento, aconselhamento e melhores condições salariais.

Disciplina e exigência é um marca visível no trabalho de Pep Clarós, como acha que tem sido marcado o seu reinado? 
Essa é uma pergunta complicada de responder. Mas acho que o "Coach” só tenta passar aos jogadores que todos estão ao mesmo nível e que não há estrelas e quem manda na selecção é ele. O Pep gosta de comprometimento, isso tem significado muito para si. Se não notar comprometimento num jogador, não se irá dar bem com o mesmo.

Em contrapartida, há um técnico angolano a dar cartas em Cabo Verde, Emanuel Trovoada, o que pensa do seu percurso?
Emanuel Trovoada é um grande treinador. Acompanho-o desde o Afrobasket que decorreu há uns anos em Angola. E tem feito um grandessíssimo trabalho com a selecção de Cabo Verde. Neste momento é um dos melhores técnicos de África.

E virando os olhos para a diáspora, como é que encara o regresso de Bruno Fernando a Atlanta?
Num olhar profundo, creio que o regresso do Bruno aos Atlanta Hawks será um pouco duro para ele, visto que tem jogado pouquíssimos minutos. O que o Bruno mais necessitava era de uma equipa em reconstrução assim como os Houston Rockets, onde estava.

E os restantes basquetebolistas, quais são os nomes que têm despertado a atenção?
Cléusio Castro, ex-jogador do D’Agosto, actua no Sangalhos da primeira divisão portuguesa, e é neste momento um dos melhores postes do campeonato, prova disso é a média pontual.Eduardo Francisco, é um extremo que alinha no SL Benfica (19 anos, 2.03m) e embora jogue com mais frequência na equipa B dos encarnados, dois anos depois de ter saído do país com a mesma idade que chegou à selecção de honras de Angola. Enfatizo, disputou esta última fase de qualificação para o Mundial. Há outros como o Tedoyame Simão, um jovem base, de 20 anos, actua no Eléctrico FC da segunda divisão de Portugal. E claro, não posso deixar de mencionar a joia da coroa, que se tem destacado nos EUA, chama-se Alexia Dizeko e já é Internacional pelo nosso país. Joga na South Georgia Tech, college da NJCAA e é uma jogadora extremamente polivalente, consegue jogar 4 posições. É também uma Two Way player (jogadora que é boa no ataque e na defesa) de raiz, e recentemente foi considerada a jogadora do ano da conferência, Georgia Collegiate Athletic Association. Com o andar da carruagem vai-se tornar na primeira jogadora angolana de origem e de nacionalidade a ingressar na NCAA e quiçá na WNBA. 

Ora, mas nem tudo vai tão bem no sector feminino, a Selecção ficou de fora do Afrobasket, sendo bicampeãs em título, perdendo três vezes com Moçambique, pode-se anunciar o fim de uma Era de domínio angolano? 
Não. A Selecção que perdeu contra Moçambique é muito jovem, com excepções de Nadir Manuel e Italee Lucas, acima dos 30 anos.
Estamos no princípio de uma era de Sara Caetano, Avelino Peso, Alexia Dizeko, Priscila Varela, Cristina Matiquite, Isabel João, e outras. As jogadoras citadas, como a Alexia Dizeko e a Sara Caetano fazem partem da lista de atletas com mais potencial em África, creditadas por sites internacionais. 
Estas raparigas ainda nos trarão muitas alegrias e títulos. Mais do que talento e potencial é preciso organização, com isso quero dizer que a Federação tem de trabalhar mais no sentido acompanhar a par e passo a evolução das atletas, inclusive as que jogam na diáspora.

E quais são as maiores dificuldades que tem para acompanhar todos estes jogadores e jogadoras?
As maiores dificuldades que a minha página apresenta são a falta de alguns materiais importantes como a câmara fotográfica e de vídeo, a falta de credencial para ter acesso aos jogos da selecção e das principais equipas do Liga. Infelizmente, sinto que o meu trabalho é pouco valorizado, motivo pelo qual continuo a dar no duro e o que faço para conseguir acompanhar tantos jogadores/as é fácil, é só utilizar um telemóvel à mão e problema resolvido.

E desejos profissionais tem? 
O meu maior desejo a nível profissional é tornar-me numa referência Internacional na área do Scouting. Adoro observar talentos. O basquete depois do Real Madrid, é o amor da minha vida. A minha paixão de infância. Vivo e respiro o basquetebol. Assistir uma boa partida de basquete é tão emocionante que nem consigo descrever. Gostaria de acrescentar também que a página  "descobriu” e deu visibilidade e projecção a nomes como: Kevin Kokila, Internacional angolano, actua no JL Bourg, clube da primeira divisão da Liga francesa, Joshua Kashila, outro Internacional angolano, actua nos EUA e, por fim, Pedro Bengui, actualmente na Suíça. Em 2020 tinha perdido a página com 14 mil seguidores. Tive de começar do zero. Voltei a criar outra página e hoje já conta com 16 mil seguidores no Facebook.

E para os leitores tens uma última palavra?
Na vida nada é fácil. Para alcançarmos os nossos objectivos temos de ir à luta. Sempre que pensarem em fazer alguma coisa, pensem em algo que ninguém fez ou que poucos têm coragem de fazer. E acima de tudo, não desistam.

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