Política

Tribunal decide hoje sobre o caso GRECIMA

Quando Manuel Rabelais e Gaspar Santos comparecerem hoje no Tribunal Supremo será a última que ambos estarão diante do júri que, durante quatro meses, dirigiu as audiências de discussão e julgamento em que os arguidos são acusados de peculato sob a forma continuada e branqueamento de capitais na gestão do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA).

12/04/2021  Última atualização 09H30
Manuel Rabelais e Gaspar Santos são acusados pelo Ministério Público © Fotografia por: Dombele Bernardo | Edições Novembro
Hoje, termina a fase judicial, em primeira instância, do processo de arguição criminal nº 68/2018, com 1.769 páginas, em que Manuel Rabelais e Gaspar Santos são acusados pelos crimes de peculato sob a forma continuada e branqueamento de capitais depois do início, em Dezembro último, do julgamento.

Foram cerca de quatro meses de audiência de discussão e julgamento repartidos entre as fases de produção da prova, depois da leitura da acusação do Ministério Público (titular da acção penal pública) e a consequente constatação da defesa dos únicos arguidos, da apresentação das alegações finais (orais) da acusação, do assistente e da defesa, e da leitura dos quesitos do tribunal.

Hoje, deve ficar provado em acórdão (decisão colectiva do júri) se, durante a gestão do GRECIMA, entre 2012 até à sua extinção em 2017, os arguidos terão urdido um esquema que lesou o Estado em mais de 900 milhões de euros, envolvendo empresas de Manuel Rabelais e pessoas singulares alheias à actuação da instituição pública em operações de obtenção de cambiais (dólares e euros) junto do Banco Nacional de Angola (BNA).

Durante toda a fase de produção da prova, a mais longa do processo, entre confissões e provas documentais, o ju-rado terá apurado que Manuel Rabelais usou empresas particulares e pessoas singulares para adquirir divisas junto do banco central, à data governado por Valter Filipe, numa altura em que, no mercado cambial, escasseavam divisas, e que apenas algumas instituições públicas ou entidades individuais tinham acesso, directo ou por via de leilão, às divisas.


Os argumentos da acusação
O Ministério Público, defensor do Estado, dirigiu as investigações que cruzaram o território nacional e estendeu-se além fronteiras, para apurar elementos que sustentam a sua acusação e a pronúncia do juiz.
O órgão dirigido pela Procuradoria-Geral da República chegou, entre outras, às seguintes conclusões, apresentadas em formas de alegações finais:

-Manuel António Rabelais e Gaspar Santos "ardilosamente, em conluio, além dos valores que recebiam do Estado, e prevendo não conseguir um contravalor em kwanzas, transformaram o Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA) em casa de câmbios.”
-Era Hilário Alemão Gaspar Santos quem arregimentava pessoas singulares e colectivas "duvidosas” para fazerem depósitos em kwanzas nas contas bancárias daquela instituição.

-Manuel Rabelais credenciou Gaspar Santos, à data funcionário da Rádio Nacional de Angola, para fazer as operações bancárias.
- Gaspar Santos, no dia 24 de Março de 2016, depositou 21.000.601 kwanzas na conta do GRECIMA sem justificar a origem do dinheiro.
-Manuel Rabelais, que a par com José Eduardo dos Santos era um dos funcionários do GRECIMA, foi o único assinante das contas bancárias.

-A maioria das empresas que fez depósitos na conta do GRECIMA para adquirir divisas não foi identificada. Foram ao todo depositados 21.500.757.580 kwanzas, grande parte deste depósito foi feito por anónimos.
-À medida que eram adquiridas as divisas, Manuel Rabelais e Gaspar Santos efectuavam planos de levantamento, compra ou transferência para o estrangeiro, segundo o Ministério Público nas suas alegações.

-Os arguidos transferiram para o exterior valores em euros a várias empresas. Ao todo foram 16.126.986 euros, conforme o relatório de perícia bancária, facto provado por documento.
-Manuel Rabelais recebeu 2.822.600 euros, valores que, depois, transferiu para contas de parentes. Foram ainda transferidos 12 milhões de kwanzas para a conta de um desconhecido.

-O GRECIMA beneficiou de 4.528.978 euros que foram canalizados a várias empresas, entre as quais a Semba Comunicação, sem prova de que tenha prestado serviço ao Estado, tal como ficou provado por documentos.
-Manuel Rabelais e Gaspar Santos descaminharam deliberadamente valores mesmo depois de extinto o GRECIMA e desfizeram-se de documentos comprovativos de transacções de avultados valores por forma a não deixar rasto.


A "nuvem cinzenta” da carta do ex-Presidente  
Foi o juiz principal da causa quem admitiu, em julgamento, que uma carta, apresentada como sendo da autoria de José Eduardo dos Santos, baralhou o sentido dos depoimentos em relação a algumas questões abordadas desde o início do processo.
Na carta,  José Eduardo dos Santos, atribuiu ao então ministro de Estado e chefe da Casa Militar, Manuel Hélder Vieira Dias "Kopelipa”, a responsabilidade sobre a forma como foi gerido o GRECIMA.

O magistrado judicial afirmou que muitas questões deviam mesmo ser colocadas ao general na reforma porque a gestão da instituição era dele. Os juízes chegaram a admitir a possibilidade de, "em função de toda essa confusão sobre quem geria o GRECIMA", chamar ao processo como declarante Hélder Vieira Dias "Kopelipa” para ser ouvido. Não aconteceu.
Chegada de Barcelona (Espanha), dirigida à Câmara Criminal do Tribunal Supremo durante a fase de instrução preparatória, José Eduardo dos Santos escreve que "não tem nada que esclarecer porque a questão da gestão do GRECIMA foi acompanhada pelo general na reforma Manuel Hélder Vieira Dias."

Manuel Rabelais reconheceu que, enquanto ministro de Estado, "Kopelipa”, além da gestão, era responsável pelo funcionamento da instituição, porque o GRECIMA era um órgão dependente do ponto de vista orçamental da Casa Militar do Presidente da República (predecessora da actual Casa de Segurança).
O juiz principal da causa concluiu então que, pelo que disse Manuel Rabelais, as contas deviam mesmo ser prestadas a "Kopelipa” e este directamente ao Presidente, e não o GRECIMA ao Chefe de Estado.

Das transferências a familiares às facturas milionárias em fatos
Foi em plena fase das alegações finais que o Ministério Público surpreendeu Manuel Rabelais com provas documentais de que o arguido transferiu em dólares o equivalente em cerca de 18 mil libras esterlinas aos filhos Jesus Rabelais e Crisna de Sousa Rabelais, para pagar estudos universitários em Inglaterra.
A justificação da defesa de ter sido incluído num "apoio social" não convenceu o Ministério Público, que desconfiou também dos valores alocados para esta finalidade.

Rabelais foi confrontado ainda com um documento que atesta que, só em fatos, gastou 300 mil dólares num ano, em Portugal. O defensor do Estado receia que tenha havido neste negócio outros propósitos.
A Manuel Rabelais foi também atribuída a aquisição de uma casa, no Porto (Portugal). A investigação aturada, iniciada em 2018, que sustentou a acusação do Ministério Público, detectou ainda o descaminho de elevadas somas monetárias.

A defesa dos arguidos
A defesa de Manuel Rabelais considerou que a acusação e pronúncia estão feridas de inúmeras subjectividades, numa linguagem pejorativa para sujar o bom nome do arguido.
-Manuel Rabelais era o único assinante das contas porque era um dos dois funcionários do GRECIMA, além de José Eduardo dos Santos.

-Os valores em causa, 98.141.632 de euros, foram uma "junção aritmética" dos valores constantes das cartas de conforto remetidas ao Banco Nacional de Angola e, por isso, não correspondem à verdade.
-A constatação do Ministério Público, de que houve "conluio ardilosamente preparado”, constitui uma expressão redutora e infeliz, que põe em causa a acção de um órgão criado pelo Presidente da República.

-A defesa de Gaspar Santos considera que nada ficou provado que o co-arguido tivesse cometido os crimes de que é acusado, a começar por peculato sob a forma continuada.
-Negou que Gaspar Santos tenha cometido o crime de branqueamento de capitais, porque a compra e venda de divisas é um negócio lícito, previsto na lei.
-O GRECIMA não era casa de câmbio porque as operações eram feitas em bancos e não nas instalações da instituição.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Política