Sociedade

Trabalhou sempre para ser uma mulher autónoma

Rui Ramos

Jornalista

Teresa Cândida da Costa Zinga nasceu em Cabinda, em 1983, há 38 anos, primogénita de 10 irmãos.

04/04/2021  Última atualização 06H55
Teresa Cândida da Costa Zinga é a primogénita de 10 irmãos © Fotografia por: DR
"Vivi a minha infância em turbulência, que só entendi depois dos 12 anos, na rua da Cadeia Civil de Cabinda”, recorda Teresa Zinga. "A minha mãe sofreu um acidente, caiu do quinto andar de um edifício e nós tivemos de ir viver com a nossa avó.”

Tinha 3 a 4 anos, quando a avó a levou com os outros netos para a aldeia de Bucumazi (Água que trata), rica em rios. "Tudo era feito nos rios, lavar louça, roupa, tomar banho. A minha mãe foi expulsa da casa onde vivíamos pela família do meu pai por causa do acidente.”
Alugaram, então, uma casa muito modesta no bairro Comandante Jika, próximo do mercado Cala Boca, e viviam no meio das maiores dificuldades.

 "O meu pai já estava com a segunda mulher e a minha mãe engravidou de novo, ficámos na casa de uma amiga dela, cujos filhos nos maltratavam severamente.”
 O pai compra um pequeno terreno no bairro 4 de Fevereiro, constrói uma casinha e Teresa Zinga vai para a escola dos missionários da Igreja Católica, onde foi construído o condomínio fechado Manguisseco.

 "Não tínhamos paz, o meu pai batia constantemente na minha mãe mesmo grávida, era uma vida muito instável com o pai a ir e vir da outra casa, onde também tinha filhos. Pouco tínhamos para comer. Prometi a mim mesma  nunca me casar porque achava que todos os homens eram iguais ao meu pai.”

A mãe adere então a uma igreja que a aconselha a ignorar o homem. O pai abandona a família, que fica sem qualquer provento para sobreviver, e arranja uma terceira mulher.
Em 1995 ela frequenta a escola Barão de Puna no Zangoio. "Passávamos fome, vivíamos de doações da nova igreja da minha mãe”, lembra Teresa Zinga. "A mãe começou a vender gasosa, cerveja, iogurte caseiro e bolinhos e eu como filha mais velha ajudava em tudo. Ela fazia micates em casa mas  não conseguiu manter o negócio. A mãe era professora até se casar e o homem proibiu-a de continuar a profissão.”

Em 1995, com 12 anos, Teresa Zinga vende no mercado do Cala Boca, mas não tinha capital para iniciar, pedia farinha, óleo, açúcar, sal e lenha emprestados. "Fazia a massa dos micates em casa e às 5h da manhã íamos para o mercado a pé, eram muitos quilómetros.”  Quando vendia os primeiros micates comprava pão, chá, margarina e corria para casa para fazer o pequeno almoço para os irmãos e ia para a escola.

Depois das aulas ia a pé para o mercado pegar o dinheiro para comprar a comida que  era almoço e jantar em casa. Os horários das aulas mudaram e Teresa Zinga fazia bolinhos para vender numa pracinha do bairro. "A mãe quando saía da escola, às 22h, pegava-me na pracinha e voltávamos juntas para casa.”

Vende petróleo, pois não havia luz eléctrica nas casas. Sobrevivem penosamente, o pai desaparece quando arranja uma quarta mulher e a mãe tem de ir vender gasosa em lata no mercado do Cala Boca "Era uma luta diária e sem fim para conseguir valores para comermos.”
A mãe já não conseguia vender, não havia dinheiro e Teresa Zinga começa a fazer "paié-paié de gasosa. "Vendi na rua uma caixa de gasosa, comprámos comida e fomos para casa.”

Em 1997 a mãe dá à luz mais um filho, o que vem agravar ainda mais as dificuldades da família.
O pai decide mudar-se para Ponta Negra, no Congo Brazzaville, em 1999, e manda ir a família, que faz a viagem por estrada.
"Sofremos muito bulling na escola por sermos estrangeiros e não entendermos a língua. Passei 6 anos no Congo e estudei com dedicação.”

 Depois de terminar o médio, vai estudar na Ucrânia, apoiada pelo pai. Estudava e trabalhava para pagar os estudos. "Eu estava a fazer duas faculdades, Geologia e Economia, estudava muito, e em 2012 fiz o mestrado e completei a licenciatura em Economia Empresarial. Foi um ano muito duro, abandonei o emprego, tive de me dedicar somente aos estudos.” Recebe então uma proposta da Universidade para fazer o doutoramento com 50% de desconto se se matriculasse naquele ano. "Em 2015 completei os 3 anos do doutoramento mas não consegui defender por ter trabalhos atrasados, sem verbas suficientes para pagar os trabalhos que deviam ser publicados.”

Em 2015 volta definitivamente para Angola. "Tinha grandes expectativas de me integrar no mercado de trabalho.”
Em 2017 inscreve-se para uma vaga na Universidade Óscar Ribas para leccionar mas não foi chamada nem lhe deram qualquer resposta. "Fui trabalhando como maquilhadora em eventos.”


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