Sociedade

Terrenos rendem milhões no Luena

Na cidade e arredores do Luena, os terrenos localizados em zonas privilegiadas estão a ser comercializados a preços exorbitantes.

18/02/2021  Última atualização 16H55
© Fotografia por: DR
No bairro Sinai Velho, arredores da cidade do Luena, o espaço de 500 metros de cumprimento e 300 de largura, antes identificado como reserva do Governo Provincial do Moxico, foi parte integrante de outros dois já vendidos à Pumangol e à Shoprite, que custaram milhões de kwanzas.Outro espaço, com 20 metros de cumprimento e 30 de largura, está a ser comercializado no valor de três mi-lhões de kwanzas. Devido às condições de acesso e da existência de vários serviços sociais a volta do local, o terreno é muito solicitado.

Segundo o munícipe Marcos Calombo, o Estado perdeu o seu património pelo facto de permitir a ocupação arbitrária de terrenos em locais estratégicos, e como consequência disso assiste-se hoje a construção de vários em-preendimentos sociais fora do casco urbano, em locais ainda desprovidos de vários serviços complementares. Marcos Calombo é de opinião que o acto de vender os terrenos ocupados, talvez a custo zero, impedem que esses espaços sejam revertidos a favor do Estado, enquanto os supostos proprietários se vêm livres do pagamento de impostos, segundo a nova legislação em vigor. Outro cidadão residente no Luena, Domingos Upale, sublinha que os espaços que os governantes defendem "a ferro e fogo”, para evitar o assalto da população, são protegidos para fins pessoais.

Já o estudante universitário, Carlos Calembe lamenta a situação. O jovem aconselhou os governantes a não buscarem a sua própria felicidade, mas sim, assumir o compromisso de trabalhar para promover o bem-estar social da maioria, fazendo boa gestão do bem público."Não é possível que, numa região com serviços essenciais básicos deficientes, os seus dirigentes furtam-se das suas responsabilidades para enveredar em práticas que em nada contribuem para o desenvolvimento da província”, disse, para acrescentar que apesar de a gestão da coisa pública favorecer um determinado grupo os terrenos do casco urbano deviam ser poupados para o Estado implementar os programas de investimentos públicos. Moisés Sebastião afirmou que os terrenos em causa já haviam sido ocupados há bastante tempo, e que até as empresas que construíram as suas instalações no centro da cidade do Luena tiveram de negociar com os ocupantes destes espaços territoriais.

"Nos arredores da cidade o Estado perdeu terrenos a favor de particulares”, sublinhou Moisés Sebastião, para acrescentar que certos indivíduos já conheciam o rendimento que os terrenos dariam no futuro.Por falta de espaços, o projecto habitacional de 400 casas sociais foi concebido a cerca de dez quilómetros da cidade, num local com péssimas condições de acesso e falta de serviços essenciais como água, energia eléctrica, escolas e assistência médica e medicamentosa.

Cidade velha

"A cidade está a tornar-se cada vez mais antiga, e a im-plementação de projectos habitacionais na periferia dariam outra visibilidade”, disse Moisés Sebastião, que defende a construção de mais escolas, unidades de saúde e redes de distribuição de água e de energia eléctrica, e outros empreendimentos sociais que causam grande impacto na vida da população. Para o estudante universitário Orlando Segunda, uma empresa que pretende instalar-se na região traz muitos benefícios, pois além de ga-rantir a existência de diversos serviços, cria empregos para a juventude.

"Hoje, o Estado tem dificuldades de garantir emprego, e as empresas privadas apenas aparecem para minimizar o problema”, disse, acrescentando que o Governo, por ser o executor das políticas públicas, deve facilitar a sua instalação, garantindo condições primárias para a sua efectivação.De acordo com Orlando Se-gunda, o bom gestor público é aquele que trabalha na protecção do bem comum e não se aproveita do cargo para benefícios próprios. O jovem lembra que, no passado, a Administração Municipal do Moxico não tinha poder para travar a ocupação de terras no casco urbano, devido às interferências do Governo provincial.

"Houve muitas solicitações para compra de terrenos, que foram indeferidas pela administração municipal. Quando não concordassem com a decisão, recorriam ao Governo da província, e de seguida eram automaticamente autorizados a ter posse destes espaços”, acusou. O jovem salientou que este tipo de atitude prejudicou o Estado e permitiu que pessoas singulares, mesmo sem qualquer projecto para implementar, ocupassem grandes superfícies de terra. "Hoje, por falta de espaços, até mesmo a própria Administração Municipal do Moxico encontra dificuldades para executar projectos na periferia”, disse.
"Margem de lucro não deve ultrapassar os cem por cento”

Dados obtidos na Direcção Municipal de Infra-estruturas e Ordenamento do Território e Habitação do Moxico indicam que o custo de cada metro quadrado de terreno, localiza-do no casco urbano, é de 176 kwanzas, previsto no Decreto Presidencial nº 47/18, de 14 de Fevereiro. Sobre o assunto, o jurista Mateus Cardoso afirmou que a lei estabelece que, qualquer bem que o cidadão adquirir em determinadas circunstâncias, não deve ser vendido com uma margem de lucros que ultrapassem os cem por cento.

Para o jurista, o preço de cada metro quadrado de terreno, quer em Luanda quer nas restantes províncias do país está estabelecido, e se o cidadão pretender vender qualquer superfície do espaço territorial que ocupou, tem de obedecer o que a Lei prevê, sob pena de cair no crime de subfacturação.No Moxico, muitos gestores públicos são acusados de ocupar, ilegalmente, várias parcelas de terreno, que depois comercializam a preços altos. Munícipes contactados pelo Jornal de Angola afirmam que a terra é propriedade originária do Estado, tal como reza a Constituição de Angola, e qualquer indivíduo que governa não pode aproveitar-se da vantagem que tem, para ocupar enormes lotes de terras, sobretudo para fins comerciais.

O funcionário público, Serafim Paulo, 45 anos, apela ao Governo no sentido de adoptar medidas que possam desencorajar comportamentos do género e proteger o pouco que resta, para a população. Lembra que, até 2002, no centro da cidade do Luena havia muitos espaços que, hoje, deviam servir para a construção de empreendimentos sociais. "Mas a ambição de querer ter tudo e mais alguma coisa, fez com que estes espaços fossem ocupados por pessoas singulares”, disse.

Serafim Paulo referiu que o Governo Provincial do Moxico não adoptou, no passado, medidas eficazes de protecção de espaços, o que tem dificultado a construção de infra-estruturas de impacto social em locais de maior visibilidade."Todas as instituições, tirando os órgãos de defesa e segurança, foram dirigidas pelos filhos da terra, que em condições normais, deveriam trabalhar pensando apenas no bem-estar social da maioria”, concluiu.

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