Entrevista

“Temos uma parceria muito forte na área dos Direitos Humanos”

Faustino Henrique

Jornalista

Estamos a trabalhar para expandir a participação das empresas norueguesas no mercado angolano, disse o embaixador da Noruega em Angola, em entrevista, por ocasião do Dia Nacional do país nórdico, que se assinala hoje. Kikkan Marshall Haugen elogia o papel de Angola na pacificação e estabilização regional

17/05/2021  Última atualização 08H00
© Fotografia por: Kindala Manuel | Edições Novembro


Quais são os números da relação económica e comercial entre a Noruega e Angola?
Permita-me, em jeito de introito, falar sobre os laços entre os dois países, ao mesmo tempo muito diferentes e com muitos interesses em comum. A Noruega é um país pequeno, Angola é um país grande. Temos apenas cerca de cinco milhões de habitantes, Angola tem cerca de 30 milhões de habitantes. A Noruega é um país frio, Angola é o oposto, mas, apesar destas diferenças, temos muitos interesses em  comum. Angola é dos principais parceiros da Noruega em África e a presença do meu país, por exemplo, na área dos petróleos é cada vez mais significativa, através da empresa pública Equinor (o equivalente à Sonangol, para Angola). Hoje, cerca de dez por cento da produção petrolífera angolana deve-se à presença de empresas norueguesas na área dos petróleos. Quanto às trocas comerciais, até ao ano de 2020, os valores estão estimados em 24 mil milhões de coroas norueguesas, cerca de três mil milhões de dólares.   

Senhor embaixador, é falsa ou real a reduzida presença de empresas norueguesas fora da área dos petróleos e do Ensino ?

Em minha opinião, o sector dos petróleos é o motor da economia angolana e, atendendo que o maior desafio actual do país passa pela diversificação da economia, este processo pode também ocorrer ao nível deste sector, que nós apoiamos, evidentemente. Em todo o caso e para responder à sua pergunta, vale dizer que temos também investimentos na agricultura, nas pescas e no sector do ambiente

O que falta fazer, para atrair as empresas do seu país para o mercado angolano?Estamos a trabalhar para expandir a participação das empresas norueguesas no mercado angolano. É um processo que está em curso, encorajado, sobretudo, pelos esforços que Angola faz no sentido da liberalização da economia, para dar espaço aos operadores privados, pela  criação de legislação  atractiva ao investimento estrangeiro, entre outros passos. Acredite que estamos a trabalhar e que os resultados surgirão nos próximos tempos.

Senhor Embaixador, na sua opinião, Angola aproveita pouco o potencial económico, industrial, científico e tecnológico da Noruega ou a Noruega é que acha que o país não está preparado para melhor aproveitar no quadro da cooperação?
A situação económica angolana tem muitos desafios. Sabe que, nos últimos cinco anos, o país vivia ciclos de recessão sucessivos que inviabilizavam o surgimento de investimentos. Penso que este período passou. Hoje, esperamos  que a perspectiva de crescimento da economia angolana, segundo as previsões para este ano, venha a atrair  mais investimentos. Acreditamos que daqui para a frente as coisas vão mudar.  

A chefe do Governo da Noruega, Erma Solberg, esteve em Angola, em Dezembro de 2018, o que mudou até agora, nas relações económicas e comerciais entre os dois países?
A primeira e a última visita da Primeira-Ministra e chefe do Governo foi de confirmação e reforço das parcerias entre a Noruega e Angola. Aproveitou-se para reforçar a cooperação bilateral aos níveis políticos, económicos, comerciais e até culturais. Com a situação da Covid-19, acabamos todos por viver uma conjuntura diferente, que afecta as várias iniciativas e projectos a implementar ou que se encontravam na fase de implementação. Ainda assim, vamos lançar, nos próximos dias, no município do Cazenga, em parceria com o PNUD e UNICEF, um programa de bolsas para ajudar os jovens locais a empreenderem. Trata-se de 400 bolsas internas. Por outro lado, a Noruega tem uma presença notável ao nível do projecto Covax, a iniciativa da Organização Mundial da Saúde para a produção de vacinas, como um dos maiores contribuintes, com 150 milhões de dólares.  

Há um Memorando de Entendimento, assinado no dia 12 de Outubro de 2020, que abrange a cooperação no domínio da formação de professores, reforço das capacidades das instituições de Ensino e investigação. Como está o processo de implementação?
O processo de implementação entre os dois países corre bem. E vai produzir resultados em breve. Uma das novidades consiste na outorga de bolsas de estudo para a frequência  de estudos na Noruega.

No domínio dos petróleos, a Noruega teve sempre uma presença significativa. Como descreve a cooperação nesta área, atendendo a experiência que a Noruega possui em águas profundas e ultraprofundas, sendo que grande parte do petróleo angolano é exactamente explorado nas referidas áreas ?
Pensamos que a  melhor forma de partilha de experiência passa pelo contínuo envolvimento das companhias norueguesas em Angola. E a nossa experiência consiste na transferência de tecnologias e, numa altura em que as companhias petrolíferas procuram adaptar-se à nova realidade, provocada pela transição dos combustíveis fósseis para as energias limpas, estamos atentos e preparados para os desafios que representam as energias renováveis.

Angola evoluiu consideravelmente em matéria de respeito e observância dos Direitos Humanos. A Noruega tem sido um parceiro importante no fortalecimento das instituições, no reforço do Estado de Direito. Como vai a cooperação neste domínio?
Temos uma parceria muito  forte na área dos Direitos Humanos, traduzindo-se essencialmente no diálogo, concertação e consultas bilaterais. Para ser mais claro na explicação sobre o que realmente se passa, dizer que os laços entre a Noruega e Angola, nesta área dos Direitos Humanos, funcionam na base do que cada país encara como positivo para si e no quadro dos seus objectivos. Por exemplo, as autoridades angolanas decidiram reforçar os mecanismos de transparência e a Noruega sugeriu que o melhor seria Angola aderir à Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE, sigla em Inglês), que  é um padrão global que visa promover a gestão aberta e responsável dos recursos naturais. E Angola aderiu.
Na área dos Direitos Humanos, a Noruega promove  um programa de treino para governantes, jornalistas, activistas, por um lado. Por outro, temos um programa de Mestrado, dirigido aos funcionários do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos .


A sociedade civil  angolana pode continuar a  contar com as instituições da Noruega, para um desempenho à altura dos desafios  democráticos em Angola?
Sim. A Noruega é dos maiores contribuintes para o fortalecimento da sociedade civil angolana

Que exemplos Angola pode tirar da experiência norueguesa com a União Europeia, numa altura em que Angola ensaia passos  para inserir-se na Zona de Livre Comércio Continental Africana e a nível da SADC ?

Nós encorajamos estes passos, porque os processos de integração ou de acordos para participação em determinados actos ligados à livre circulação de pessoas e bens são muito importantes para os Estados. A Noruega tem ligações com a União Europeia, tem acordos separados com alguns membros e estes arranjos, ao longo de várias décadas, têm permitido a paz, o desenvolvimento, a democracia e o bem-estar. Mas é um processo longo, que carece de muita paciência, tempo e empenho das partes. É importante começar e a Noruega enaltece as iniciativas no sentido da adesão de Angola a estes mecanismos continental e regional.

O que representa o dia 17 de Maio, data da Constituição norueguesa ?
É o Dia Nacional para os noruegueses. A Constituição é de 1814 e, naquela altura, já era tida como progressista, inspirada pala Constituição americana, pela Revolução Francesa. Estabeleceu o Estado de Direito, a base para a democracia, e continua hoje como um documento importante. Portanto, hoje é um dia de celebração para os noruegueses, é o Dia Nacional da Noruega

Para quando o convite formal ao Presidente João Lourenço para uma visita de Estado e de trabalho à Noruega?

É um assunto que está a ser tratado, mas sem uma data marcada ainda.

Senhor embaixador, como encara os esforços de Angola para a pacificação da região?

Angola está de parabéns pelo empenho ao nível da região, nos esforços que faz para pacificar e estabilizar, por exemplo, a República Centro Africana (RCA). Como embaixador de um país que é membro do Conselho de Segurança da ONU, é encorajador o papel que Angola desempenha.

Angola tem-se debatido com o problema da seca. O que é que se pode esperar de parceiros como a Noruega?
A Noruega vai apoiar nos esforços para mitigar os efeitos da seca, tal como tem vindo a fazer, e lembrar que, no âmbito do chamado Fundo Central de Emergência da ONU, que,  em 2019, concedeu dez milhões de dólares, cerca de vinte por cento daquele valor tinham sido disponibilizados pela Noruega. Acreditamos que, relativamente à seca do sul do país, o importante é tornar resilientes as populações, erguendo infra-estruturas, fornecimento de água, preparação da terra e mercado para os produtos. As soluções têm de ser sustentáveis e de longo termo, em minha opinião.

Perfil
- Aos 61 anos
de idade e dois em representação do seu país em Angola, Kikkan Marshall Haugen é embaixador residente em Angola e não residente para a República Democrática do Congo, República do Congo, Guiné-Equatorial
e São-Tomé e Príncipe.

- Bacharel em Administração, pela Norwegian Business School, casado e pai de cinco filhos, representou o seu país no Malawi
e na Zâmbia,
entre 2014 a 2018.

 - Tem também formação em Gestão Estratégica de Crises, pela The Norwegian Defense University College

 -Trabalhou no Nepal, entre 2004 a 2008, como ministro-Conselheiro da Embaixada Real Norueguesa em Kathmandu, cidade capital, tendo  presidido a Lincoln School Kathmandu, entre 2006 a 2007.

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