Opinião

Sucursal de Afectos e Abraços Limitada

Pedro Kamorroto

Chorar é também uma forma de humanidade, de solidariedade de dupla via – mecânica e orgânica. Há uma comunidade de valores que entende o choro do outro, este código de linguagem emotivo e apelativo. Às vezes, o “chorão” não chora para si mesmo, chora para e pelos outros. Chorar é alteridade, daí que há(sempre)o outro revestido, presente na glândula, no hormónio que estimula o choro.

22/01/2023  Última atualização 06H46

O choro também espelha, exterioriza as nossas almas.

Mais do que uma forma de comunicação é um lugar privilegiado de fala.

Os bebês comunicam na maioria das vezes por intermédio do choro.

Ignorar o choro de um bebê pode ser fatal. Há sempre uma mensagem subliminar no choro. Saibamos descodificar a linguagem à Sausurre emanada de um choro.

Se chorar fosse a ditadura dos novos tempos será que a tia empatia seria a divisa? Uma boa divisa? Ou a nossa participação no choro do outro seria estimulá-lo a chorar mais ainda, porque assim estaríamos diante de um óptimo portão de oportunidade para empreender de forma massiva no ramo de venda a grosso e a retalho de lenços? Ou no mínimo teríamos a verde iluminação para sermos a sucursal distribuidora de afectos e abraços. Estaríamos a deixar legado, a construir o nosso império não pedra sobre pedra, mas lágrima sobre lágrima. Alheia, melhor.

Tudo em nome de um novo mindset, de uma nova programação social. Um código-fonte maleável, um status grávido dequo com fundações de barro.

Há choros que também roçam à selectividade. Importa saber quem chora.... quem é esse que está do outro lado do espelho da alma afazer reflectir águas do espírito. Sangue, Suor e Lágrimas – a santa trindade da dor(?) em evidência.

Somos feitos de carne e de lágrimas. Somos feitos de choros desde a incubadora uterina. Quando evadimos dela há uma lágrima, um vagido estridente que nos acompanha.

Se não chorarmos, não darmos o vagido da praxe, tornamo-nos um motivo de preocupação, de avaliação clínica.Uma beliscada, uma palmadinha é necessária para o despiste de insensibilidade à dor, de pulsão sexual ao choro.

Chora, ainda que não conseguires afugentar os males, todas as dores do mundo.

Chora noites, chora madrugadas existenciais,aurora haverá, ainda que tiver patas e a pesada capa de cágado, ela virá.Haverá sempre o amanhã que quer ser,a luz que torna cinza ou que escaldao dia. Ligue a câmara líquida que rima com a modernidade líquida, chore diante dela, quem sabe assim atiçarás a comoção daquele que está nem aí para as tuas quedas de Kalandula.

Só precisamos de ser estimulados, né? A tesão só é porque há o outro real ou imaginário no espelho, há a sombra que dá vida a eros. Chore baixinho ou em voz-viva, atire-se no chão de espinhos e espere pacientemente pela reacção-rosa-crucifixo do outro.

Manhã ou noite alguém reagirá. Alguém no multiverso conspirará a teu favor.

Caso não, chore mais, esgote todos os recursos lacrimais a uma instância mais acima.Apele, apele sempre, não deixe de ser a lágrima que falta no olho do outro.

Quem sabe um dia serás o mecanismo quando a humanidade desenvolver sensores fiáveis de justiça. Chore só... babas e ranho. Chore só... se não sabes que fiques já a saber, as lágrimas são belos acessórios para os olhos dos outros. Chore só... se eles não podem ser, seja você o choro.

"E, não importa o que faz de ti um choro. Importa o que fazes do que faz de ti um choro”.

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