Economia

Subsídios aos combustíveis: oportunidade para realocar recursos aos programas sociais

Os subsídios aos combustíveis representam uma fatia considerável do Orçamento Geral do Estado (OGE). Em 2022, mais de 2,15 bilhões de kwanzas foram gastos neste apartado, mais 60% que no ano anterior, segundo o relatório anual divulgado pelo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE).

01/06/2023  Última atualização 07H55

Este valor, note-se, representa 92% das despesas dos sectores da Saúde e Educação no OGE. Face às carências sociais e às dificuldades de muitas famílias angolanas, vários especialistas começam a defender a realocação de parte dos subsídios aos combustíveis em programas como o "Kwenda”. Argumentam que, se estes montantes impressionantes fossem canalizados directamente para os sectores sociais, ajudariam a aliviar de forma muito mais efectiva a pobreza e a exclusão económica.

O "Kwenda”, em particular, tem mostrado resultados concretos em todo o país junto de famílias em situação de extrema vulnerabilidade. Com um financiamento de 420 milhões de dólares, desde a sua implementação, em 2020, já beneficiou 610 mil 382 agregados familiares com pagamentos directos de 33 mil kwanzas trimestrais.

Além das transferências, o Kwenda conta com um Cadastro Social de mais de 3 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade em todo o país, uma ferramenta essencial para delinear políticas de combate à pobreza, e que precisa de recursos para ser ainda mais robusta e ampla. O projecto tem também as componentes de Municipalização da Acção Social, através da criação dos Centros de Acção Social Integrados, e de Inclusão Produtiva – apoio às famílias vulneráveis para iniciar actividades geradoras de renda em áreas como a agricultura, pecuária, pesca, artesanato, cultura, turismo rural e ambiente, transformação de produtos agro-pecuários, fundos e caixas comunitárias e energias renováveis.

Com estes instrumentos, a iniciativa lançada pelo Governo angolano, e implementada pela agência governamental Fundo de Apoio Social (FAS), está já a dar resposta aos desafios sócio-económicos das comunidades mais vulneráveis, com um impacto gigantesco. O Kwenda permite também a circulação de um maior volume de dinheiro nas áreas rurais, aumentando o índice de bancarização de populações tradicionalmente excluídas do sistema financeiro.

 Ao investir uma parte dos fundos de subsídio aos combustíveis no programa Kwenda, que apoia às áreas da Educação, Saúde e combate à pobreza, o Governo estaria a promover, de forma ainda mais contundente, mudanças positivas, elevando os padrões de vida, promovendo o desenvolvimento sustentável e criar uma sociedade mais inclusiva e equitativa, tal como aconteceu noutras partes do mundo.

 É importante realçar que o sistema de transferências sociais monetárias, que caracteriza o programa Kwenda, é um modelo com resultados comprovados a nível internacional. No Brasil, entre 2003 e 2021, o famoso "Bolsa Família” retirou pelo menos 3,4 milhões de pessoas da pobreza extrema e ajudou a reduzir 16% da mortalidade infantil. Ao mesmo tempo, ajudou a diminuir a desigualdade regional, a melhorar a participação escolar e a aumentar os índices de segurança alimentar. Este ano, os especialistas estimam que o "Bolsa Família” deverá tirar mais 3 milhões de pessoas da pobreza extrema no país. O programa beneficia, actualmente, 21,1 milhões de famílias, e terá uma influência importante no crescimento do Produto Interno Bruto do país este ano.

 Noutras latitudes, na Índia, o sistema de transferências sociais monetárias beneficiou centenas de milhares de pessoas, com especial incidência nas mulheres, idosos e agricultores. O Fundo Monetário Internacional considerou o programa uma "maravilha logística”, pela execução e resultados.

 Num mundo globalizado, e bebendo de experiências de outros países, o programa Kwenda faz a diferença. Os subsídios aos combustíveis foram pensados para ajudar as economias familiares, é certo. Mas, a sociedade e a economia angolanas já não são as mesmas de há uns anos. Reconhecendo a necessidade de encontrar um equilíbrio entre considerações económicas e bem-estar social, é fundamental analisar a eficácia desta política no combate à pobreza e no fomento de desenvolvimento, em detrimento de programas sociais de maior impacto.

 Não seria nada inédito. Esta semana, a Nigéria eliminou os subsídios aos combustíveis para aliviar as finanças públicas, revertendo os montantes bilionários para os investimentos em infra-estrutura pública e melhoria das condições de vida das populações.

 Tal como na Nigéria, se em Angola uma parte dos enormes valores que o Estado investe para garantir preços artificiais de combustíveis fosse direccionada para iniciativas como o "Kwenda”, que têm uma acção directa no terreno, o impulso para desenvolver o nosso tecido social de forma harmoniosa e sustentável seria enorme. Recursos há. Vamos pensar nisso.

Heriwalter Domingos*

*Economista

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