Opinião

Sobre a evolução semântica do lexema “marimbondo”

Fernando Tchacupomba

Quando no dia 22 de Novembro de 2018 ao longo de uma conferência de imprensa conjunta com o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, Lisboa, o Presidente João Lourenço usou a palavra marimbondo para denominar todos aqueles que defraudaram o erário, não imaginava que esse lexema teria um grande sucesso no falar corrente dos angolanos, pois a partir daí a palavra entrou facilmente no vocabulário da comunidade linguística que a aceitou e adoptou e, naturalmente, nesse mesmo contexto em que o Presidente a usou.

18/08/2024  Última atualização 11H34

Na verdade, este fenómeno linguístico é comum, na medida em que frequentemente expressões usadas por figuras políticas são eternizadas pela comunidade,o que demonstra uma certa facilidade daqueles em criar tendências não só no que tange ao dado linguístico como também em outros variados âmbitos. Tal influência intensificou-se ainda mais com o surgimento dos meios de comunicação em massa que possuem o poder de fazer chegar a mensagem a uma boa parte da população. Pode-se dizer que nunca a palavra "marimbondo” foi tão usada, no seio dos angolanos, como depois daquela conferência de imprensa, um vocábulo devidamente dicionarizado bem antes daquele episódio e que deve a sua etimologia a uma das línguas nacionais de Angola, o Kimbundu, constituída pelo morfema prefixal "ma” que aponta para o plural e o radical "rimbondu” significando vespa.

A palavra "marimbondo” não é nova para os residentes na terra da Palanca Negra, foi várias vezes usada pelos artistas angolanos para intitular textos poéticos que fazem uma espécie de ode ao insecto e numa segunda leitura incentiva ao nacionalismo e regionalismo como em "Picada de marimbondo” de Ernesto Lara Filho, texto mais tarde musicalizado por Filipe Mukenga e tema da canção de uma das maiores vozes do Semba, Bonga. Entretanto, se num lado a palavra não constitui uma novidade, noutro insta referir que é inusitado o contexto que nos trouxe João Lourenço, uma excelente demonstração da influência do poder político na língua, independentemente do uso de instrumentos legais, ou seja, o Presidente da República não precisou impor a mais novíssima acepção que atribuiu à palavra marimbondo, já que a sua aceitabilidade foi quase automática.

Não seria hiperbólico afirmar que a palavra marimbondo no Português de/em Angola sofreu uma certa evolução semântica, um processo comum na língua, por conta da sua utilidade naquele contexto; e actualmente uma das primeiras ideias que se tem quando qualquer falante bem informado ouvir tal expressão remete para a sua novíssima semântica. Antes daquele dia e até ao momento, se formos a qualquer dicionário, verificaremos que as primeiras entradas fazem menção ao significante insecto.

Veja o que dizem o Dicionário Priberam e o Infopédia.1. Designação dada a vários insectos himenópteros não reconhecidos como abelhas ou formigas, cujas fêmeas são munidas de um ferrão; 2. Designação atribuída pelos portugueses aos brasileiros, na altura da independência; 3. Dança de roda ao som de percussão.

No caso de Angola, a acepção mais comum é a primeira, no entanto,na hodiernidade, a par da primeira e se calhar a mais popular, é aquela que foi dada pelo Chefe de Estado angolano, enriquecendo a nossa lexicologia política. Recordemos alguns dos contextos frásicos: "É preciso destruir o ninho do MARIMBONDO”; "Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo”. 

Neste contexto, João Lourenço associa a palavra marimbondo a todos aqueles que durante anos delapidaram as riquezas do país, ou seja, a nossa palavra em estudo passa a ter laços com a corrupção como também a significar esse determinado grupo de pessoas que ao longo de anos agudizaram a injustiça social, as assemetrias no país ou ainda qualquer pessoa rica ilicitamente. Assim, para o nosso contexto, a palavra marimbondo necessita de mais uma entrada no dicionário, visto que a acepção que nos trouxe o líder popularizou-se no quotidiano da comunidade linguística.

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